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As bandeiras da secretária de Trump para a Educação

Protesto realizado em setembro em Nova York a favor das escolas charter: famílias pobres querem poder escolher instituições melhores | Drew Angerer/AFP
Protesto realizado em setembro em Nova York a favor das escolas charter: famílias pobres querem poder escolher instituições melhores (Foto: Drew Angerer/AFP)

A escolha de Donald Trump para a pasta de Educação do seu governo não poderia ser mais afinada ao seu discurso de liberdade de escolha e apoio à iniciativa privada. A advogada republicana Betsy DeVos é uma das principais defensoras de uma menor intervenção estatal na educação e favorável à transferência de recursos públicos para escolas privadas, uma espécie de “ProUni” para a educação básica. Contra ela estão os sindicatos, preocupados com as consequências da redução do controle do governo. Veja três aspectos que devem estar presentes na gestão de Betsy.

1) Apoio às escolas “charter”

As chamadas escolas “charter” (contrato / alvará) acabam de completar 25 de atuação nos Estados Unidos e têm em Betsy DeVos uma das suas principais promotoras. As charter são instituições privadas que funcionam com dinheiro público. Ao invés administrar diretamente a educação, o Estado delega essa função à iniciativa privada que precisa cumprir metas de qualidade estabelecidas em um contrato para poder continuar na rede de ensino. A forma de ingresso dos alunos difere em cada estado, mas em muitos é feita por meio de sorteio. As escolas charter estão presentes em 42 estados mais o distrito de Columbia e representam 5% das matrículas da educação básica no país, 3 milhões de alunos. Atualmente, são 6,8 mil escolas nesse modelo.

“O voucher dá para os mais pobres a mesma oportunidade das outras famílias: se estão descontentes com a escola pública, podem optar por colocar os filhos na escola privada”.

Fernando SchulerCientista político, professor do Insper e pesquisador das escolas charter

“Seria mais ou menos como se no Brasil um aluno pobre estudasse em uma escola privada que funcionasse com o dinheiro do estado, mas que essa instituição pudesse demitir professores ruins, escolher melhores práticas, entre outras questões de autonomia”, explica Fernando Schüler, cientista político, professor do Insper e pesquisador das escolas charter. “A quebra do monopólio estatal e a pressão do mercado faz com que essas escolas tendam a ser melhores; ao mesmo tempo, a fiscalização da verba pública é mais fácil, já que a burocracia do Estrado dificulta a transparência nos investimentos das escolas públicas”, acrescenta.

Como as escolas charter são muito diferentes entre si, não existem pesquisas conclusivas sobre o impacto do modelo nos resultados acadêmicos. Dados do Credo, centro de pesquisas em educação da Universidade de Stanford, mostram que o modelo tem melhorado a aprendizagem de alunos mais vulneráveis – de menor renda e com menos acompanhamento dos pais –, especialmente negros e latinos. Isso porque muitas escolas charter foram configuradas para atender especificamente essas populações e obtiveram bons resultados.

Mas pesquisadores como Paula Louzano, doutora em política educacional pela Universidade de Harvard e atual pesquisadora da Universidade de Stanford, veem essas instituições com ressalvas. “Uma escola privada não tem nenhum compromisso com os alunos. A Suécia chegou a adotar o modelo, mas voltou atrás. A pergunta é se tem sentido para o país colocar a solução do seu desenvolvimento social e educacional na iniciativa privada”, avalia Paula. Ela cita a população de Massachusetts, estado com uma das melhores redes de ensino público do país, que decidiu em plebiscito limitar a adoção das escolas charter. “A compreensão foi a de que o aumento das escolas charter poderia drenar os recursos das boas escolas públicas e ameaçar a sua continuidade”.

2) Aumento do “ProUni” da educação básica

Outra medida apoiada por Betsy DeVos, com programas em 13 estados norte-americanos, é o sistema de vouchers para o pagamento de matrículas em escolas privadas. O modelo é parecido com o Programa Universidade para Todos (ProUni) do governo federal brasileiro, só que para estudantes de ensino fundamental. Ao invés de o governo repassar o recurso para a escola pública, ele dá para os pais um documento que serve para pagar a matrícula em instituições privadas.

“O voucher dá para os mais pobres a mesma oportunidade das outras famílias: se estão descontentes com a escola pública, podem optar por colocar os filhos na escola privada”, diz Fernando Schuler.

Durante a campanha, Trump chegou a sugerir um programa de 20 bilhões de dólares para vouchers escolares, mas essa iniciativa depende de aprovação no Congresso, que já rejeitou várias vezes projetos parecidos. Os críticos a esse modelo, em sua maioria os sindicatos de professores, apontam que as escolas mais beneficiadas por esse sistema têm sido as confessionais, e isso feriria o estado laico. Nos EUA, o governo federal financia atualmente cerca de 10% da educação básica, o restante vem dos estados e municípios.

3) Batalha contra um currículo único nacional

Preocupados com a educação precária em seus estados e as notas baixas em avaliações internacionais, apesar dos investimentos realizados, a Associação Nacional de Governadores (ANG) nos Estados Unidos decidiu tomar alguma medida forte para garantir que os estudantes tivessem os conhecimentos mínimos necessários para ingressar nas melhores universidades. Por isso, em 2009, governadores de 48 estados assinaram um pacto para a criação de um currículo comum, que mais tarde passou a ser chamado de “Common Core State Standards”.

O movimento é parecido com a brasileira Base Nacional Curricular Comum (BNCC), com a diferença de que no Brasil o papel do governo federal é essencial, enquanto que nos Estados Unidos é bem menor, já que a autonomia dos estados é maior.

Sobre o tema, Trump já se posicionou claramente contra em uma mensagem replicada no Twitter por Betsy. Enquanto Barack Obama prometeu ajudar estados que aderissem ao currículo único, o novo presidente promete seguir pelo caminho contrário.

“Os radicais republicanos, em geral, são contra o Common Core porque eles acreditam que cada um tem de escolher o que seu filho tem de estudar, não concordam com um currículo comum para todos”, explica Paula Louzano. “Quem defende afirma que, caso o currículo único não seja aprovado, os mais ricos vão ter melhores estudos e os pobres ficariam sem conhecimentos básicos já que, na prática, esses últimos nem sempre sabem qual é o mínimo necessário de aprendizagem”, analisa.

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