“Quando falamos em futuro do trabalho, revolução 4.0, a questão central é que nós (seres humanos) estamos sendo substituídos, numa velocidade muito acelerada, por máquinas e por inteligência artificial. Se não mudar a educação, nós vamos ser substituídos por robôs. É simples assim”.
É com essa afirmação que Claudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da FGV, expõe a urgência em se repensar a educação no Brasil e as práticas hoje adotadas em escolas públicas e privadas. A educação não pode mais ser a apresentação de teoria e memorização de fórmulas. Aliás, já faz tempo que se entende que esse formato não funciona – ou funciona pouco – no processo de aprendizagem.
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A escola do futuro precisa estar pronta para se adaptar sempre. As gerações já não mudam em 20, 25 anos. Os avanços tecnológicos têm feito com que as mudanças sejam cada vez mais rápidas e a forma de educar e fomentar conhecimento precisa ser outra. Proporcionar um ambiente em que o estudante tenha autonomia para buscar informação é essencial no processo educacional. Garantir a utilização de ferramentas inovadoras têm se mostrado uma ótima forma de engajamento educacional.
“A grande tendência da educação mundial é a educação híbrida, que parte do pressuposto de que é possível uma pessoa estudar sem a interferência direta do professor ou do status físico da escola. É possível uma pessoa estudar algum conteúdo a distância, online, desde que ela posteriormente vá ao espaço escolar, onde vai encontrar um especialista na área de estudo (professor) para que o conhecimento possa ser lapidado”, afirma o consultor do sistema Positivo de Ensino e especialista em Administração Escolar José Motta Filho.
No ano passado, o Ministério da Educação (MEC) validou a modalidade de ensino a distância (EaD) para o Ensino Médio e também para o EJA – Educação de Jovens e Adultos. O EaD pode ser ofertado para até 20% da carga horária do Ensino Médio para cursos diurnos e 30% no caso de cursos realizados no período da noite. Na modalidade EJA, até 80% da carga horária pode ser a distância.
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“Gameficação”
As formas para trabalhar o ensino do aluno, no entanto, não valem apenas para formação fora da escola. As possibilidades são as mais diversas quando se pensa em dar autonomia aos estudantes. Da rede Marista vem o exemplo de como crianças viraram facilitadoras de aprendizado. Neste ano, as escolas do grupo começaram a trabalhar com a ferramenta MinecraftEdu, uma versão pedagógica do jogo Minecraft – em que diversas realidades podem ser construídas, virtualmente, com blocos digitais. Os alunos da rede possuem login para que possam trabalhar com a tecnologia nas mais diversas disciplinas – dentro da escola ou mesmo em casa. A ideia é utilizar essa linguagem tecnológica (tão presente na vida de crianças e adolescentes) para aplicar conceitos que facilitem o aprendizado.
Em janeiro deste ano, na unidade Marista São Francisco, em Chapecó, Santa Catarina, os alunos foram peça chave no desenvolvimento de toda comunidade escolar para utilização da ferramenta. Até o final do ano passado, grande parte dos professores estava com dificuldade para entender as funcionalidades do jogo.
“A profissional de tecnologia educacional percebeu que os professores estavam incomodados pela falta de habilidade para mexer no sistema. Ela, então, teve um insight: uma outra rodada de formação foi feita, daí trazendo as crianças para ensinar os professores”, conta Caroline Serqueira, gerente de tecnologia da Rede Maristas de Colégios. Para ela, essa troca entre professores e alunos é um processo extremamente necessário. “A escola, sozinha, não tem mais a detenção do conhecimento. O estudante tem acesso à informação, ele transforma isso em conhecimento de um jeito muito mais rápido do que quando a gente estudou. Então essa interlocução com os estudantes, colocando-os como protagonistas do processo de ensino, faz muita diferença.”
E protagonismo, muitas vezes, é elemento chave da aprendizagem, ao passo que instiga a curiosidade e a criatividade dos estudantes. No Colégio Positivo Internacional, alunos são incentivados a buscar conhecimento sem a interferência de um professor – ainda que depois este seja um mediador importante para a apreensão do conhecimento.
Um espaço desenvolvido pela instituição, chamado de Maker Space (ou Espaço de Criação), visa o aprendizado através de conceitos do “Do It Yourself”, ou Faça Você Mesmo. O ambiente do Maker é composto por vários objetos e ferramentas, como computadores para serem montados e desmontados, placas e circuitos elétricos, impressoras 3D. Na disciplina de programação, por exemplo, o aluno tem liberdade para desenvolver qualquer projeto de interesse.
“Alguns alunos fazem programações mais extensas, outros mais curtas, outros mais complexas, outros mais simples. E esse é o conceito Maker: o aluno cria por ele próprio, desenvolve ele próprio, consciente de seus conhecimentos, de seus níveis de desenvolvimento. Não existe bom ou mau. Existe o tempo necessário do aluno”, explica Pedro Daniel Oliveira, diretor do colégio.
Os conceitos de programação são aprendidos na prática, mas não são os principais objetivos da disciplina. Pelo contrário, esse novo formato de ensino busca, essencialmente, proporcionar um ambiente produtivo em que desponte a liderança, criatividade, autonomia, espírito colaborativo, além do pensamento crítico e analítico. Tudo isso pensando em quem será o ser humano do futuro e o que ele vai encontrar no mercado de trabalho da próxima década.
“Nós entendemos que, para o futuro, as habilidades socioemocionais são tão essenciais ou mais que as habilidades técnicas e cada vez mais as empresas querem contratar pessoas pensantes ao invés de pessoas puramente executantes”, complementa Oliveira.
Neurociência
Trabalhar com conceitos da neurociência já é realidade. Entender como o cérebro funciona e como o sistema nervoso e suas funcionalidades impactam no processo de desenvolvimento – em especial de crianças – é essencial para pensar educação do futuro. “Hoje há um consenso entre os especialistas que você tem que desenvolver não só competências cognitivas (aprender a ler, pensar matematicamente, pensar cientificamente), mas você precisa desenvolver nos alunos empatia, garra, persistência – já que num processo educacional você erra, erra, até que supera a dificuldade e avança. E essa é uma competência muito importante para vida em sociedade e para a vida profissional”, destaca Costin.
A diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da FGV pontua que outra habilidade que precisa ser desenvolvida nas crianças e adolescentes é capacidade de autorregulação, que é a competência socioemocional fundamental para controlar impulsos. A escola do século XX fazia esse controle por meio da punição. Hoje, sabe-se que essa competência precisa ser desenvolvida nas crianças, mas não com aulas expositivas. O professor precisa – ele próprio – ter competências socioemocionais para modelar, junto com a criança e o adolescente, essas habilidades. “É importante tomar consciência de que ser professor não é para amador”, complementa.
E não é mesmo. Talvez seja essa a preocupação mais urgente da educação atual e do futuro. Quem são os profissionais hoje dispostos a fazer diferença no processo educacional? A formação dos professores tem dado conta de responder aos grandes questionamentos atuais sobre como crianças e adolescentes estão aprendendo? Na avaliação dos especialistas, essa é a questão mais urgente. Para o professor Motta, não é mais possível trabalhar somente com o modelo tradicional, em que o professor transmite o conteúdo e os alunos fazem algumas anotações enquanto assistem à explanação.
“Quando eu me deparei com o cenário em que minhas aulas não faziam mais sentido, eu procurei explorar novos conteúdos. É impossível um professor do século XXI não entender o mínimo de neurociência, não entender o mínimo de andragogia (ciência que trata sobre o ensino de adultos), de sinapses, de plasticidade cerebral. Só a partir do momento que o professor entende o mínimo (sobre esses assuntos) é possível desenhar uma aula que tenha significado para o aluno.”
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O desafio, portanto, vai muito além de mudanças pontuais na forma de trabalhar conteúdo em sala de aula ou fora dela – no ambiente virtual, especialmente. Em primeiro lugar, a carreira do profissional de educação precisa ser atrativa, para que bons alunos tenham interesse em ser professor. E isso não diz respeito apenas a retorno financeiro. Salário é um dos requisitos, mas o profissional de educação precisa recuperar o status na sociedade; precisa ser valorizado como figura essencial na formação do futuro. Mais urgente, ainda, é o processo de formação do professor. A capacitação daqueles que escolhem a carreira precisa ser mais profissionalizante.
“Precisamos tornar os cursos preparatórios para a profissão. Os sistemas educacionais que funcionam bem, como o da Finlândia, por exemplo, tornaram o curso de formação de professores profissionalizante. Nós não queremos teóricos da área para serem professores. Ninguém formaria como médico um teórico da área, ele tem que ser um bom profissional”, conclui Costin.