Jovem acende cigarro de maconha no campus da UFSC, em Florianópolis| Foto: Ramiro Furquim

São pouco mais de 20h de uma terça-feira. André*, estudante de Direito, está sentado na escadaria do prédio histórico da Universidade Federal do Paraná, na praça Santos Andrade, centro de Curitiba.

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“Cara, é muito tranquilo fumar aqui. Nunca tive nenhum stress”, diz o estudante de 24 anos, enquanto apaga o cigarro de maconha antes de retornar para a aula. “Vez ou outra você está de saco cheio, sai dar uma espairecida, e volta mais tranquilo para a sala”, completa. 

Como em outras regiões do país, o consumo de drogas em campi de universidades públicas parece ser comum no Sul. A quarta reportagem da série sobre o consumo de drogas mostra a situação no Sul do país.

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Luz do dia

A livre circulação de pessoas, a cultura de tolerância com as drogas e a pouca vigilância por parte das universidades tornam os campi universitários um local onde as substâncias ilícitas parecem conhecer apenas uma lei: a da oferta e da procura.

Funcionários e estudantes da UFPR relatam casos de venda e uso de drogas ilícitas à luz do dia. “É só dar uma volta no Politécnico, no horário de almoço, e você vai ver que parece uma festa”, diz Carlos*, 23 anos. “No máximo, alguém reclama, apagam os cigarros e pouco tempo depois tudo retorna ao ‘normal’”. 

“O Centro Acadêmico do meu curso é ao lado ao CA de Engenharia Ambiental”, conta um estudante de Engenharia de Produção. “Tem uns caras lá fumando maconha desde que entrei na faculdade; já estou quase me formando, e eles devem ter mais alguns bons anos de curso pela frente”, ironiza.

Para Aline*, ex-estudante da UFPR, o problema não se restringe apenas ao consumo: tornou-se uma questão de segurança pública. “Ficamos a mercê de pessoas que podem entrar na universidade, que não é murada”, reflete ela, que prossegue:“Mas quem faz a gestão da segurança deste espaço são empresas terceirizadas que, muitas vezes, não têm estrutura ou sequer autoridade para fiscalizar essas ocorrências”. 

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Maconha na UFSC: ao fundo, a concha acústica da universidade 

Já na UTFPR (Universidade Técnica Federal do Paraná), a situação é semelhante. Raul*, ex-estudante de Comunicação da instituição, confirma o consumo nos corredores do campus do centro de Curitiba. “Eles fingem que não acontece – e quando acontece, ninguém fica sabendo”, explica. “No campus do Ecoville é ainda mais liberado que no centro. Nas arquibancadas e quadras externas tudo ocorre tranquilamente – e como dividimos o espaço com o Ensino Médio, eles também acabam consumindo”. 

UFSC

Em 2014, uma ação da Polícia Federal no campus da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina)  acabou em confronto entre policiais e estudantes, depredação de viaturas e prisão de cinco pessoas – quatro estudantes, por porte de maconha. 

Na ocasião, a assessoria de imprensa da universidade reconheceu que o consumo de drogas dentro do campus era “uma questão de conhecimento público”. O posicionamento foi criticado pelo delegado Paulo Cassiano Júnior: “Autonomia universitária não deve ser confundida com licença para baderna. Não temos compromisso se a reitora com seu comportamento condescendente pretende transformar a universidade em uma república de maconheiros”. 

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De lá para cá, o problema parece não ter sido solucionado: “Bicho, quando é só maconha, é inofensivo. Então ninguém realmente se importa”, diz Anderson*, 22 anos, estudante de Design. “Fumo maconha desde o primeiro dia no campus e vou continuar fumando”. 

Jovem exibe porção de maconha no campus da UFSC, em Florianópolis 

Já um ex-estudante de Comunicação Social relembra festas que aconteciam semanalmente na Concha Acústica da instituição. “Toda quarta tinha um show de uma banda local, às 12h30. A Concha fica a uns 100m, 200m da reitoria. E era praticamente um ‘maconhodromo’ a céu aberto”, diz. “Tinha o bosque da UFSC, que era atrás do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFH). Todo mundo sabia que as pessoas iam ao bosque para fumar maconha”, lembra.

Uma visita á Concha Acústica no início da noite da última terça-feira bastou para a reportagem da Gazeta do Povo encontrar um grupo consumindo maconha.

UFRGS

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Na UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), o uso de droga está relacionado às festas celebradas no campus do Vale durante a semana; os eventos periodicamente são frequentados por uma boa parcela dos estudantes.

“As festas são famosas pelo consumo de álcool e outras drogas na dependência da universidade, e pelas repetidas denúncias – feitas nas redes sociais – de uso de substâncias para dopar meninas e abusar sexualmente delas”, conta Eduardo*, 25 anos, aluno da instituição. 

Ele relembra um caso passado, em que uma jovem precisou ser hospitalizada, o que levou à suspensão de vários eventos organizados pelo curso de Letras. “Os cursos de História e Ciências Sociais são conhecidos pelo consumo de maconha nas dependências dos seus centros acadêmicos”. 

“O pessoal de humanas leva fama por causa da maconha, mas os casos que mais ouvimos são de festas das engenharias; os guris botam alguma substância entorpecente na bebida e dão para deixar as meninas meio sonolentas. Toda festa surgem histórias assim”, completa Renan, 22 anos, também aluno da Universidade. 

UFSM

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A situação da UFSM (Universidade Federal Santa Maria), no interior gaúcho, também parece escancarada; segundo os estudantes ouvidos pela reportagem, os locais em que jovens se reúnem para o uso de drogas recreativas são conhecidos por usuários e não usuários. 

“Éramos discretos, nos encontrávamos no bosque do campus, no estádio durante a noite, em lugares mais quietos e isolados”, diz Jorge, 29 anos, aluno da instituição entre 2008 e 2014. “A única vez que vi a segurança ser chamada foi quando um grupo de estudantes de História resolveu usar maconha no diretório acadêmico deles e os professores se incomodaram. Mas quando tu ficavas na tua, ninguém se importava”. 

Estudantes relatam ainda uma espécie de acordo implícito com os seguranças do campus: não incomode e não será incomodado. “Morei na Casa do Estudante entre 2010 e 2015 e todo mundo sabia quem plantava maconha ali dentro. E o cheiro também era inconfundível quando resolviam fumar”, diz Sofia*, 25 anos. 

Respostas

A UFPR afirma que trata a questão como um problema de saúde pública. “No que lhe compete, a universidade mantém programas de apoio e aconselhamento aos estudantes e também pretende disponibilizar em breve um número de telefone para denúncias de questões ligadas à segurança”, diz nota enviada à Gazeta do Povo. 

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A resposta da UTFPR é mais incisiva: “Qualquer conduta relacionada às drogas consideradas ilícitas é crime nos termos da legislação brasileira. Cabe às instituições o cumprimento da Lei. Esse assunto não é pauta de discussão da Reitoria da UTFPR, pois temos clareza de que não existe margem para qualquer entendimento distinto do preconizado pela Lei”.

A UFRGS informou que os agentes de segurança tomam as “providências adequadas” sempre que percebem alguém portando drogas no campus. Como exemplo, a instituição menciona o caso de três pessoas presas portando entorpecentes no Campus do Vale. Os três vão a julgamento no dia 29 deste mês. “ A UFRGS não é tolerante com o porte de drogas no seu interior”. A instituição também afirma não ter recebido qualquer queixa sobre o uso de substâncias ilícitas nas festas da engenharia. 

Já a Universidade Federal de Santa Maria alega que não tem registros recentes de consumo de drogas na instituição. A UFSM afirma também que a Polícia Federal é responsável por apurar crimes dentro da universidade. “A estrutura de vigilância da UFSM tem por finalidade a proteção patrimonial, cabendo à Polícia Federal a apuração de eventuais crimes e contravenções que venham a ocorrer no âmbito da instituição”. 

A afirmação, porém, não é de todo verdadeira: a prevenção e investigação de crimes comuns, como o uso e o tráfico de drogas no campus, compete à Polícia Civil e à Brigada Militar.

O que diz a lei

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A lei de drogas em vigor no país é de 2006. Embora seja mais branda com o usuário do que as normas anteriores, ela continua tratando como crime o porte e o compartilhamento de drogas. A diferença é que o usuário não é levado para a cadeia na primeira oportunidade. Em vez disso, deve prestar serviços à comunidade ou passar por cursos educativos. Esta é a punição reservada a quem “adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal”. 

No ambiente universitário, entretanto, outros crimes ocorrem. O de “oferecer droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento, para juntos a consumirem”, por exemplo, pode gerar até um ano de prisão.

As penas são elevadas em até dois terços se os crimes acontecerem em estabelecimentos de ensino.

*Nomes fictícios