Pode até não parecer óbvio para o observador brasileiro, mas as universidades americanas pendem para a esquerda: nas formaturas deste ano, para cada orador conservador, havia 11 do outro lado do espectro político, segundo levantamento da Young America’s Foundation. Em universidades de prestígio como Princeton, a proporção chega a 30 professores democratas para cada republicano. Ainda assim, alunos conservadores encontram seus portos seguros: instituições cristãs, pouco conhecidas fora do país, que estabeleceram uma reputação elevada entre a metade à direita dos Estados Unidos – e, por vezes, uma relação de proximidade com o Partido Republicano.
A migração para a esquerda da maior parte das instituições de ensino superior a partir dos anos 1950 foi bem retratada no clássico God and Man at Yale, de William Buckley – um dos pais do conservadorismo moderno nos Estados Unidos. Nesse contexto, algumas faculdades antigas se destacaram como um refúgio para alunos conservadores. Outras surgiram justamente para atender o público insatisfeito.
As tradicionais
Entre os jovens conservadores americanos, duas faculdades disputam o posto de mais prestigiosa instituição acadêmica: Hillsdale College, no interior do Michigan, e Grove City College, no oeste da Pensilvânia.
Fundadas no século 19, ambas resistiram à mudança ideológica que não poupou instituições originalmente religiosas, o que inclui Harvard, Princeton, Yale e outras menos famosas.
São comuns os casos de estudantes que viram as costas para a prestigiosa Ivy League e optam por Hillsdale e Grove City. Por quê? A resposta tem a ver com valores. Além da cosmovisão cristã, essas instituições costumam ter um currículo mais próximo dos estudos clássicos – o que é uma grande diferença quando as universidades abrem cada vez mais espaço para temas como “diversidade de gênero” e “estudos culturais”.
A americana Jessiga Higa, que cursa o doutorado em “statesmanship” (uma espécie de curso para a formação de homens e mulheres de Estado) no Hillsdale College, se diz contente com a escolha: “O foco é nos textos primários e em tentar entendê-los como os autores os pensaram para serem lidos, o que é algo que aprecio”, disse ela à Gazeta do Povo.
No currículo do curso, descreve a página de apresentação, o foco é nos “trabalhos clássicos da tradição ocidental, de Platão a John Locke”. Aliás, em Hillsdale, fundada por batistas, os calouros são recebidos pelo presidente Larry Ann com uma pergunta que ecoa indagações filosóficas medievais: “O que é o bem, o verdadeiro e o belo?".
Embora não goste de ser classificada como uma faculdade conservadora, a instituição faz por merecer o rótulo. Nos gabinetes republicanos do Congresso e em entidades conservadoras como a Heritage Foundation, um diploma de Hillsdale é visto como um atestado de alinhamento ideológico.
Russel Kirk, ícone do conservadorismo americano, foi professor do departamento de Humanidades da universidade. Imprimis, a tradicional revista acadêmica produzida pela faculdade, atinge um público de 3,5 milhões de pessoas e foi descrita pela esquerdista Salon como “a publicação conservadora mais influente da qual você nunca ouviu falar”. Hillsdale também é responsável pela divulgação do enorme acervo de William Buckley, que morreu em 2004.
A 450 quilômetros de lá, em uma simpática e diminuta cidade do oeste da Pensilvânia, o Grove City College, fundado em 1876, mantém reputação semelhante: mantida por presbiterianos, a instituição atrai jovens de todo o país em busca de uma educação que concilie princípios clássicos com uma educação de alto nível.
O Grove City também é pioneiro no quesito independência. No começo dos anos 1980, a faculdade passou a rejeitar qualquer auxílio federal para financiamento estudantil. Era uma forma de se manter independente dos humores do Estado, que na época pressionava a faculdade a cumprir as crescentes regulações federais. Grove City foi até a Suprema Corte, em um caso que ganhou repercussão nacional. Até hoje, a faculdade se recusa a obter qualquer benefício federal. O Hillsdale College adota uma postura semelhante.
Embora a faculdade seja relativamente pequena, um dos sinais do prestígio de Grove City é sua lista de oradores de formatura. Neste ano, ninguém menos que o vice-presidente americano, Mike Pence, se encarregou do discurso aos formandos, transmitido ao vivo pela Fox News.
“Em tudo que fizerem, tenham fé. Tenham fé de que Ele, que os trouxe até aqui, nunca vai deixá-los ou abandoná-los. Porque Ele nunca vai”, disse Pence, em meio a referências bíblicas. Em poucas universidades americanas ele poderia ser tão direto sobre a religião sem enfrentar protestos. Na verdade, em poucas universidades americanas Mike Pence poderia falar qualquer coisa sem lidar com manifestações contrárias. No dia seguinte, ao discursar na formatura da católica Notre Dame (tida como moderada), ele viu um grande grupo de alunos deixar a cerimônia em forma de protesto.
A força dos evangélicos
O conservadorismo como um movimento político surgiu nos Estados Unidos nos anos 1960, e se consolidou na década seguinte em um cenário de mudança cultural – a popularização das drogas e a legalização do aborto, por exemplo, provocaram reações vigorosas. Simultaneamente, impulsionados por uma renovação religiosa e pela força da TV, os evangélicos ganhavam força. E eles chegaram à academia.
Em 1971, surgiu a Liberty University – hoje a quinta maior universidade dos Estados Unidos e a maior instituição de ensino cristã no mundo. Baseada na Virgínia, ela foi fundada pelo pregador evangélico Jerry Falwell, criador do bem-sucedido movimento Moral Majority (Maioria Moral).
Foi lá, por exemplo, que o pré-candidato Ted Cruz (tido como o mais conservador dos pré-candidatos republicanos) fez o lançamento de sua campanha à presidência dos Estados Unidos. A universidade também recebeu um grande evento de campanha de Donald Trump. Já como presidente, ele votou ao local há dois meses para dar o discurso de formatura da turma de 2017.
A Liberty diz se basear na crença “de que pessoas são seres espirituais, racionais, morais e físicos criados à imagem de Deus”, e de que elas são “capazes de conhecer e valorizar a si mesmos e outras pessoas, o universo e a Deus”.
Ao todo, são 110 mil estudante, dos quais menos de 1% dos alunos vêm de outros países. A brasileira Isabel Esteves faz parte desse grupo. A aluna de biomedicina elogia a infraestrutura “imensa” e o profissionalismo da instituição.
Por outro lado, mesmo sendo protestante, ela teve dificuldades de se adaptar ao currículo, que inclui aulas de teologia, Bíblia e evangelismo para alunos de todos os cursos. Além disso, é preciso cumprir 20 horas de voluntariado em uma organização cristã por semestre.
“A religiosidade da Liberty se mistura muito com a opinião política do Jerry Falwell Jr.” diz ela, referindo-se ao atual presidente da universidade. Segundo Isabel, “quase todos” os professores são muito conservadores.
Já americana Tomi Oladeji, que acaba de se formar na Liberty, rebate o estereótipo de que essas instituições têm pouca diversidade de ideias. “Por exemplo: Bernie Sanders veio falar no início do semestre. Eu sei que a maior parte dos estudantes não concorda com as posições dele de forma alguma, mas todos nos sentamos e mostramos respeito”, disse ela à Gazeta do Povo.
Influência na era Bush
Em 1977, foi a vez de o tele evangelista Pat Robertson fundar sua própria universidade, a Regent, também na Virgínia. O lema “Liderança cristã para mudar o mundo” explicita a ambição por influência. O objetivo pode não ter sido plenamente alcançado até agora, mas a universidade já ocupou seu espaço. Na administração de George W. Bush, segundo o Washington Post, eram 150 ex-alunos da Regent, alguns em postos-chave.
“Não nos vejo como um universidade conservadora. O que somos é uma universidade cristã”, disse à Gazeta do Povo Gerson Moreno-Riaño, vice-presidente de assuntos acadêmicos da instituição. “Não somos uma faculdade teológica, mas uma universidade completa que na busca pelo conhecimento como um caminho para Glória de Deus”, prossegue ele, que cita os exemplos de Cambridge, Oxford and Sorbonne como universidades que alcançaram a excelência no passado com uma missão parecida.
Regras de conduta
Os campi universitários americanos não costumam ser o lugar mais puritano do planeta. Mas, nas universidades cristãs de perfil conservador, as regras são outras.
Além da abstinência sexual nos dormitórios, essas instituições têm regras para o “contato pessoal inapropriado”. Em Hillsdale, um neologismo foi criado: “Hillsdating”, que o popular site Urban Dictionary descreve sarcasticamente como uma espécie de “não-namoro”.
Álcool no Grove City College? Uma semana de suspensão – o que aumenta se houver reincidência. Lá, os alunos precisam assistir a 16 cultos por semestre.
Já na Liberty, o vestido das garotas não pode ficar mais de duas polegadas acima do joelho e o “contato pessoal inapropriado” é vetado. A universidade tem um sistema de pontos por infração, além de multa financeira par quem descumpre as regras. “Ironicamente para uma universidade com esse nome, a Liberty tem muitas regras”, queixa-se Isabel Esteves.
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