Apesar de seus rankings globais estelares, as universidades americanas estão cercadas por um clima dominante de ansiedade. Para aqueles que estudam, ensinam ou trabalham na universidade, pesquisas inovadoras e prestígio internacional muitas vezes ficam em segundo lugar para preocupar-se com entrar, permanecer e pagar pelo ensino superior.
Muitos estudantes e seus pais se perguntam se a faculdade vale o custo, se preocupam com os resultados educacionais ruins, percebem o estado desconfortável da política nos campi ou luta para lidar com empréstimos pesados e perspectivas sombrias após a graduação. Além disso, um número significativo de instituições pode simplesmente não conseguir continuar funcionando por muito mais tempo.
Mesmo se essas ansiedades forem exageros, elas são sentidas fortemente. Em parte, elas explicam a obsessão de nossa nação com rankings, doações, resultados de testes e seletividade da faculdade. Como Mark Shiffman observa, estudantes aflitos “com uma compulsão desesperada por vantagem competitiva (...) acumulam diplomas, habilitações, certificados, credenciais e estágios para mantê-los funcionando pelo que eles sentem ser um sucesso cada vez mais esquivo. Eles são guiados pelo medo”. Ou, como William Deresiewicz comentou em um ensaio agora famoso, são os vencedores desta competição acirrada que muitas vezes são as mais “ansiosos, tímidos e perdidos, com pouca curiosidade intelectual e um senso atrofiado de propósito; presos em uma bolha de privilégio, conduzidos mansamente na mesma direção, ótimos no que estão fazendo, mas sem ideia de por que eles estão fazendo isso”.
Não é de admirar, então, que ser estudioso seja muitas vezes considerado a principal virtude do aluno. O estudo, como explicado por Tomás Aquino, “denota aplicação aguda da mente” para a aquisição do conhecimento. Para os estudantes mais diligentes e ambiciosos, o árduo trabalho de estudo e a intensa aplicação da mente definem sua “compulsão desesperada por vantagem competitiva”. Mas, embora o trabalho duro seja uma condição prévia necessária para ser um bom aluno, a virtude essencial não é a estudiosidade, mas muita docilidade, explica o padre James Schall em seu livro “Docilitas: On Teaching and Being Taught” (“Docilitas: sobre ensinar e ser ensinado”, em tradução livre). Revisitando um tema de um ensaio que ele escreveu há alguns anos, “O que um estudante deve ao seu professor”, Schall explora a docilidade, a vontade de aprender. Essa disposição geralmente envolve o árduo trabalho de estudo, com certeza, mas mesmo o mais diligente dos trabalhadores nem sempre é ensinável.
Não é óbvio o que isso significa. Mesmo que os motivos dos estudantes sejam diversos, e seu último motivo para estudar seja um trabalho bem pago e uma aposentadoria antecipada, eles parecem dispostos a aprender na medida em que trabalham para dominar o material. De acordo com Schall, no entanto, aprender não é equivalente a exames e provas. O estudante dócil é aquele que deseja aprender a “verdade das coisas” ou “o que é”. Querer saber a verdade das coisas é diferente de querer passar na prova.
Augustine descreve assim em On the Teacher:
Aqueles que são pupilos deliberam a si mesmos se o que foi explicado foi verdadeiro; olhando, claro, para essa verdade interior, de acordo com a medida de que cada um deles é capaz. Assim, eles aprendem, e quando a verdade interior lhes faz saber que coisas verdadeiras foram ditas, eles aplaudem.
O estudante dócil não apenas aceita o que o professor diz, mas testa e julga a verdade da explicação. Ao invés da passividade, a capacidade de ensino requer uma busca e esforço ativo pela verdade, mesmo contra as opiniões do professor. O estudante dócil exige prova, não necessariamente no sentido de um argumento demonstrado, mas no sentido mais antigo de revelar a bondade (probus) de uma coisa, a forma como os jovens atletas se demonstram no campo ou como o exército testa armas em um “campo de testes”. Essa prova demonstra bondade, integridade e valorização. A docilidade pode exigir evidências rigorosas, mas, acima de tudo, busca bondade e valor. Ativamente disposto a aprender, o estudante dócil testa e considera, delibera e discerne. Ele não espera apenas por afirmações para transcrever.
Publicado por Educação - Gazeta do Povo em Quarta-feira, 10 de janeiro de 2018
Como todas as virtudes, a docilidade não é uma passividade, mas uma disposição para agir – e agir bem. Nós nos deleitamos e aplaudimos a verdade. Devemos agir, porque começamos na ignorância e na insatisfação com a nossa ignorância. Nosso intelecto não está satisfeito com a ignorância, porque não é para isso que ele foi feito. Esse tipo de insatisfação não existe custos, é claro. Como o colega jesuíta de Schall, Bernard Lonergan, disse uma vez,
profundamente dentro de todos nós, emergentes quando o ruído dos outros apetites se acalma, há um impulso para conhecer, entender, para ver por que, para descobrir o motivo, para encontrar a causa, para explicar. (...) Isso pode consumir um homem. Pode ocupá-lo por horas, dia após dia, ano após ano, na prisão estreita de seu escritório ou seu laboratório
Schall nos lembra que Sócrates foi morto por seu desejo de entender. Tais perguntas não eram feitas com segurança na cidade, “mas apenas fora dela, em um lugar protegido da desordem das almas revelada em uma cidade que mataria seu melhor homem”. Dado o perigo da docilidade, querer saber a verdade das coisas, em vez de simples costume, Platão recuou para a academia, “onde as questões fundamentais do homem poderiam ser feitas”.
Agora, dadas as muitas e variadas patologias da academia contemporânea, Platão (e Schall) pode parecer pitoresco, na melhor das hipóteses, e culposamente ingênuo na pior das hipóteses. Atualmente, vira manchete quando a Universidade de Chicago permanece “firme em sua crença de que uma cultura de pesquisa intensa e discussão informada gera ideias duradouras e que os membros de sua comunidade têm a responsabilidade de desafiar e ouvir”. Enquanto para muitos de nós, é evidente que “sem um compromisso intenso com a investigação livre e aberta, uma universidade deixa de ser uma universidade”, muitos não concordam. Como Sócrates em uma cidade hostil, os verdadeiramente dóceis nem sempre estão em casa na universidade.
No meu entendimento, devemos resistir à tentação de reduzir o problema à política, como se a universidade recuperasse sua função simplesmente insistindo na diversidade intelectual e na indagação gratuita. Enquanto uma universidade deixa de ser uma universidade sem livre investigação, isso é insuficiente para que uma universidade sirva sua função adequada. Como Schall sugere, mesmo que poucas universidades entendam isso como seu “propósito primário ou mesmo secundário”, elas existem para buscar e entender as “grandes questões”. A investigação não é suficiente; devemos nos informar sobre as grandes questões.
Em seu “A ideia de uma universidade”, John Henry Newman sugere que as várias disciplinas e áreas de conhecimento se separam e se afastam na ausência da visão integradora da teologia. Vemos isso, em parte, nos cercos disciplinares, excesso de especialização e ausência de programas centrais e de educação geral em muitas instituições. Se o conhecimento não se integra na mente mais nobre, é difícil entender por que devemos tentar o mesmo. Além disso, Newman argumenta que corremos o risco de distorcer as outras disciplinas quando, na ausência de teologia, reivindicam para elas mais do que deveriam. Por exemplo, a ciência não nos diz nada diretamente sobre a existência ou a inexistência do Divino, pois um deus transcendente não é um ser dentro da ordem imanente estudada pela ciência, e quando os cientistas “se descontrolam” e fazem declarações sobre Deus, eles distorcem assim tanto ciência quanto teologia. (Vide Richard Dawkins.)
Negligenciando as grandes questões, muitas universidades não funcionam como universidades. Frente a uma situação similar, Platão docilmente deixou a cidade para a academia. No entanto, se a academia moderna não está cumprindo seus ideais, como muitos pensam que é o caso, parece um lar desconfortável. Não devemos abandonar completamente a academia, mas sim praticar uma espécie de presença fiel. Isso pode significar a presença de pessoas de fé, sejam eles teólogos ou outros, mas sugere mais a presença daqueles que são fiéis à verdade das coisas, ao que é, seja qual for sua fé ou falta dela. A presença fiel significa manter a fé com o propósito da instituição, chamando a universidade para ser ela própria, para ser o que ela deve ser. Precisamos de professores e estudantes dóceis, sem medo das perguntas fundamentais e das grandes questões: aqueles que querem a verdade.
Durante sua longa carreira, Schall mostrou-se um professor dócil. Em seus muitos livros e ensaios, incluindo “Docilitas”, ele retorna às grandes questões e ao papel dos professores, estudantes, amigos e bons livros para nos ajudar a recuperar o nosso caminho e a buscar as coisas que valem a pena ser buscadas. Enquanto os leitores familiarizados com seu trabalho não encontrarão muita novidade nesses ensaios, muitos dos quais foram palestras ocasionais e são dadas a alguma redundância, aqueles que não o leram antes encontrarão em “Docilitas” uma excelente introdução ao seu pensamento e o desejo dócil da verdade que o impulsiona.
Felizmente, o desejo de verdade é intrínseco a todo ser humano, com o intelecto naturalmente orientado para entender as situações. Nossas perguntas não cessam, e nosso deleite em saber não pode ser erradicado, mesmo que possa ser confundido, atrofiado e prejudicado. A citação de Agostinho em Schall é esperançosa, pois Agostinho nos lembra a “verdade interior”, o próprio intelecto e sua trajetória natural para a verdade das coisas. Enquanto houver intelecto, a universidade pode se recuperar. Ela pode, finalmente, viver de acordo com seus mais altos ideais e melhores objetivos, se formos dóceis.
R.J. Snell dirige o Centro para a Ética e a Universidade no Witherspoon Institute em Princeton, Nova Jersey, e é associado sênior no Agora Institute for Civic Virtue and the Common Good. Seus livros incluem “The Perspective of Love: Natural Law in a New Mode” (“A Perspectiva do Amor: Leis Naturais em um Novo Modo”), e Acedia and Its Discontents (“Acédia e Ses Descontentes”).
Publicado em português com permissão. Original em Public Discourse: Ethics, Law and the Common Good.
Tradução: Andressa Muniz.
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