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ativismo

As vítimas do massacre de Parkland começaram algo. Como isso pode se tornar um movimento social?

Estudantes de Parkland organizaram a “March for Our Lives”, no último dia 24 de março, em Washington, DC.  | ALEX WONGAFP
Estudantes de Parkland organizaram a “March for Our Lives”, no último dia 24 de março, em Washington, DC.  (Foto: ALEX WONGAFP)

Quando David Hogg fez 18 anos no último dia 12 de abril, ele falou para seus 750 mil seguidores: “Agora que tenho 18 anos, posso votar. Você vai votar?”. Hogg e seus colegas de classe, líderes estudantis no movimento #NeverAgain que cresceu após o massacre em uma escola em Parkland, Flórida, em fevereiro, se tornaram figuras nacionais em sua resposta criativa à morte de 14 estudantes, um professor, um treinador e um diretor esportivo na sua escola. 

Eles organizaram manifestações locais e nacionais para o desarmamento, confrontaram legisladores, levaram outros adolescentes a se registraram para votar e inspiraram mais de mil manifestações estudantis nos Estados Unidos.

Nada mal, até agora. Mas isso é um movimento social ou um lampejo de paixão juvenil e luto? Perdurará e importará? 

Se sim, envolverá mais que armas. Movimentos sociais bem sucedidos nos EUA são sustentados por esforços coletivos para promover mudanças, unindo protestos com políticas convencionais. Eles são permanentes, inclusivos e aproveitam as oportunidades. Eles mudam e crescem tanto quando ganham quanto quando perdem. 

Um movimento pode começar com uma simples questão, e então construir e remodelar enquanto inclui mais pessoas e abraça políticas e culturas mais amplas. Para os adolescentes de Parkland, isso pode significar, digamos, criar laços com movimentos incipientes focados em proteger jovens de mudanças climáticas, livros didáticos ultrapassados ou dívidas estudantis. 

Os jovens tem ocupado a linha de frente da maioria dos grandes movimentos sociais na vida americana. Eles trouxeram energia sincera e comprometimento para lutas políticas que levaram a grandes mudanças: universitários organizaram campanhas de desinvestimento para apoiar a reforma na África do Sul nos anos 1980.

Estudantes de ensino médio em Chicago fizeram greve para protestar contra desigualdade educacional em 1968. Até mesmo estudantes de ensino fundamental tiveram seu momento: em 1963, eles participaram de uma “cruzada das crianças” pelos direitos civis em Birmingham, Alabama, enfrentando cães da polícia e mangueiras de incêndio. 

Os jovens desconhecem o impossível, então lutam pelas causas com dedicação. Os estudantes de ensino médio que fizeram uma greve em apoio ao desarmamento no mês passado, enfrentando suspensão e até mesmo punição corporal (de acordo com um relato da zona rural do Arkansas), demonstraram esse tipo de comprometimento. 

Mas campanhas estudantis não se vencem sozinhas: alianças são o que leva a mais ativismo - manifestações, campanhas eleitorais, pressão econômica. A pressão por desinvestimento, por exemplo, levou a resoluções no Congresso e desobediência civil na Embaixada da África do Sul em Washington, e quando o guitarrista Steven Van Zandt assumiu a causa, um grupo diverso de músicos se organizou para produzir um vídeo poderoso anunciando musicalmente um boicote artístico à África do Sul. 

Tudo isso aumentou a pressão ao governo do apartheid. Os adolescentes de Parkland atraíram seus próprios apoiadores, incluindo Miley Cyrus, George Clooney e Oprah Winfrey - sem deixar que os holofotes das celebridades ofuscassem suas questões ou sua liderança. 

Os quatro calouros de faculdade que organizaram uma ocupação em um refeitório em Greensboro, Carolina do Norte, em 1960 são um exemplo educativo de como uma campanha incipiente pode se expandir. 

Eles entraram em um movimento maior que havia se desenvolvido ao longo dos anos por meio de reuniões públicas, julgamentos e um famoso boicote a ônibus, e trouxeram uma nova urgência, um arrojo radical e uma nova organização - o Comitê Sulista de Coordenação Não Violenta (SNCC, em inglês). 

A atenção dada aos protestos no refeitório e suas vitórias incentivaram outros. O SNCC se alinhou a outros grupos para organizar a Marcha em Washington em 1963 e então atraiu estudantes do norte do país para o Mississipi para registrarem eleitores negros. Eles enviaram uma delegação integrada para a Convenção Nacional Democrática em 1964. 

Exigindo cada vez mais, os jovens organizadores promoveram as leis de direito ao voto e direitos civis. Apesar de o SNCC ter se dissolvido devido a tensões internas sobre táticas e liderança, sua influência foi muito mais além. 

Ativismo eficaz é contagioso: estudantes que deram os primeiros passos com direitos civis passaram a enxergar uma série outros problemas sociais que exigiam atenção e aplicaram o que eles aprenderam em uma campanha atrás da outra. Veteranos no SNCC animaram os movimentos feminista, antiguerra e de liberdade de expressão. 

Tal entrelace de agendas é sempre arriscado - relembremos a resistência que Martin Luther King Jr. enfrentou quando se opôs à Guerra do Vietnã. Mas é necessário para um movimento social vital. Quem não foi capaz de inovar e se adaptar acabou nos rodapés dos livros de história americana: o quanto as pessoas conhecem sobre as campanhas, um dia importantes, pela fluoretação da água, pelos direitos de previdência social e pelo federalismo mundial? 

O que nos anos 1960 ficou conhecido como “o movimento”, por outro lado, eventualmente incluiu campanhas locais e causas emergentes feministas, ambientais e de direitos homossexuais, assim como os direitos civis originais e esforços antiguerra. Nada disso foi fácil, mas permitiu que o movimento crescesse em circunstâncias mutáveis. 

Do mesmo modo, os estudantes de Parkland se juntaram a uma batalha política sobre armas que já existe há décadas. A sua experiência como sobreviventes - e o seu debate e apelo treinado em aulas de teatro - ajudou-os a atrair atenção nacional. No mês passado, eles foram bem sucedidos ao pressionar a Flórida a proibir estoques de colisão e aumentar a idade mínima para compra de armas longas para 21 anos. 

Essas medidas são extremamente simples, mas ainda assim representam uma mudança significativa na Flórida, um dos estados mais favoráveis a armas, onde quase todos adultos podem portar legalmente uma arma em quase qualquer lugar. 

Os estudantes foram claros que queriam mais, mesmo que esse progresso e comprometimento tivessem um preço. Os jovens ativistas enfrentaram ataques cada vez mais perversos de trolls na internet, políticos conservadores e apresentadores de rádio e televisão. Mas eles, em grande parte, demonstraram a resiliência que precisam para continuar. 

Hogg, por exemplo, espertamente transformou as farpas da apresentadora da Fox, Laura Ingraham, sobre suas notas e rejeição em diversas faculdades em um desafio para seus anunciantes; mais de uma dúzia decidiu rapidamente deixar o programa de Laura. 

Hogg havia acabado de ser aprovado na Universidade da Califórnia em Irvine, onde leciono uma disciplina sobre como os movimentos sociais surgem na América; não tive nada a ver com a sua candidatura, mas espero que ele se matricule aqui e participe da disciplina. 

Os adolescentes são atenciosos e aproveitam as oportunidades. Recentemente, por exemplo, sobreviventes de Parkland se manifestaram no Twitter logo após o Presidente da Câmara de Representantes, Paul Ryan, anunciar a intenção de se aposentar, exigindo que ele permitisse uma votação em medidas simples de desarmamento. 

Ao mesmo tempo, eles estão prontos para expandir. Outra estudante de Parkland, Emma González, enfatizou que a campanha contra violência armada é intrínseca às suas preocupações sobre direitos homossexuais. Seus colegas de classe, reconhecendo suas relativas vantagens (os líderes estudantis são, em sua maioria, brancos) ajudaram a atrair atenção nacional e dividiram deliberadamente o holofote com pessoas que não têm esses atributos. 

Edna Chavez, uma estudante latina da região sul de Los Angeles, e Zion Kelly, um estudante negro de Washington, discursaram na Marcha Pelas Nossas Vidas, organizada por Parkland, emocionando a multidão quando descreveram a perda dos seus irmãos para a violência armada. 

Expandindo da Flórida para incluir Los Angeles e Washington, assim como Chicago e Sacramento, os adolescentes de Parkland explicitamente chamaram os jovens para combater a violência armada executada não apenas por loucos e criminosos, mas também pela polícia. 

Uma agenda mais ampla e compreensiva arrisca provocar novos oponentes, mas também oferece a possibilidade de conseguir mais apoio e aumentar a capacidade do movimento sobreviver em meio a atenção e resposta a novos eventos e oportunidades. 

Jaclyn Corin, outra jovem líder em Parkland, ficou ao lado da neta de 9 anos de Martin Luther King Jr., Yolanda Renee King, na marcha em Washington, e Yolanda apareceu com Corin em um evento em Atlanta duas semanas depois em homenagem ao líder dos direitos civis. 

Os jovens ativistas de hoje podem se encontrar envolvidos em algo maior, mais inteligente, mais diverso e mais poderoso que os movimentos do passado. Uma pesquisa recente da Washington Post-Kaiser Family Foundation apontou que um em cada cinco americanos participou de algum protesto ou manifestação política desde o começo de 2016 - e quase 20% deles disse que nunca tinham participado de um protesto ou manifestação. 

A Marcha das Mulheres após a inauguração do mandato do presidente Trump, provavelmente maior que qualquer outra manifestação na história americana, foi seguida por campanhas mais focadas em questões de direitos dos imigrantes, ciências, justiça tributária e meio ambiente. 

Até agora, essas ações e outras estão interligadas por uma antipatia à presidência de Trump. Mas há sinais de uma agenda maior que poderia unificá-los: ela focaria em proteger e apoiar os jovens americanos. 

Ativistas empreendedores determinados a proteger os jovens poderiam criar uma causa em comum com os professores de West Virginia, Oklahoma e qualquer outro lugar que tenham saído das escolas em bandos exigindo salários melhores para eles e novos livros didáticos para os estudantes. 

Os professores ganharam quando convenceram os pais que cortes tributários nos seus estados custavam o futuro dos seus filhos. Jovens ativistas podem reconhecer aliados um pouco mais velhos pressionando faculdades a pararem de investir seus recursos em combustíveis fósseis para proteger o planeta. 

Quando os estudantes buscam ajuda, eles também encontram interesses em comum com irmãos e irmãs mais velhos que estão lutando para conseguir pagar a faculdade e gerenciar dívidas estudantis, definindo lutas pessoais como problemas nacionais. 

A visão que liga essas causas vem de olhar implacavelmente à frente, ao invés de olhar para trás para um “grandioso” passado imaginado. Os estudantes que marcharam pelo desarmamento provavelmente continuarão marchando - e não apenas contra armas; a questão é quem estará lá com eles. 

*David S. Meyer é professor de sociologia e ciência política na Universidade da Califórnia em Irvine e autor de “The Politics of Protest: Social Movements in America” (“A Política do Protesto: Movimentos Sociais na América”, em tradução livre).

Tradução: Andressa Muniz.

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