Uma decisão recente do Supremo Tribunal Federal (STF) reabriu a discussão sobre a idade adequada para o ingresso no Ensino Fundamental. Ao analisar a legislação do Rio Grande do Sul - que permitia a matrícula de crianças de cinco anos (em vez de seis, como é a norma no restante do país) -, o ministro Luís Roberto Barroso considerou que as autoridades gaúchas ultrapassaram suas atribuições e desrespeitaram norma federal. Por isso, ele suspendeu a lei de forma liminar, já que o plenário da Corte ainda irá analisar o tema.
A lei gaúcha é contestada pela Ação Direta de Inconstitucionalidade 6312, apresentada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (CNTE). A disputa legal gira em torno da autonomia dos estados: a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) estabelece que o ingresso no primeiro ano deve ser dar aos seis anos, mas não detalha em qual mês do ano essa idade deve estar completa. O Conselho Nacional de Educação (CNE), por sua vez, estabeleceu em 2018 que o aluno do primeiro ano do Ensino Fundamental deve ter completado seis anos até o dia 31 de março. A resolução vale em todo o país.
No Rio Grande do Sul, porém, a lei que passou a valer no começo deste ano fala em “idade de 6 (seis) anos completos entre 1º de abril e 31 de maio do ano em que ocorrer a matrícula”, e também permite o ingresso de alunos que completem seis anos até 31 de dezembro, desde que haja “manifestação expressa dos pais e de uma equipe multidisciplinar”. O caso chegou ao STF por causa da divergência entre a lei estadual e a resolução nacional.
O governo gaúcho sustenta, em sua resposta ao STF, que “a própria Constituição deixa claro que à União compete apenas dispor sobre os aspectos mais generalistas do tema, quando estabelece, em outro artigo, a competência legislativa concorrente da União com os Estados em matéria de Educação”, e alega que “a Lei Estadual admite o ingresso no Ensino Fundamental apenas quando o aluno completar os seis anos de idade no ano em que se der a matrícula, havendo plena observância da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) no ponto.”
O Ministério Público Federal (MPF) e a Advocacia-Geral da União (AGU), entretanto, consideram que a lei é inconstitucional. O argumento jurídico é o de que não cabe a uma unidade da federação legislar sobre um tema que é da alçada da União e que já foi objeto de decisão por parte do CNE, colegiado de função normativa vinculado ao Ministério da Educação.
Além disso, anteriormente, o STF julgou constitucional a fixação de 31 de março como a data limite para completar a idade de ingresso no primeiro ano Fundamental. A ADI 6.312 foi analisada pela Corte em 2018.
Se dessa vez, porém, o entendimento do plenário do STF for diferente do de Barroso e a lei do Rio Grande do Sul for mantida, as portas estarão abertas para que outros estados antecipem a matrícula das crianças no primeiro ano do Ensino Fundamental. Por um lado, isso daria mais flexibilidade aos gestores locais. Por outro, o fim da padronização nacional nesse quesito afetaria, por exemplo, famílias que se mudam de uma unidade da federação para outra.
Idade é o principal ponto a ser discutido?
Para além do debate jurídico, a lei gaúcha trouxe à tona uma discussão no campo da pedagogia. Até 2005, a regra nacional era de que o ingresso no Ensino Fundamental se dava aos sete anos de idade. A partir dali, a idade foi baixada para seis. A ideia era melhorar o desempenho educacional das crianças, especialmente as de baixa renda, já que, àquela altura, os pais só eram obrigados a matricular as crianças na escola a partir do Fundamental. Sem ter frequentado a pré-escola, muitas crianças chegavam aos sete anos sem qualquer familiaridade com as letras e números.
Especialistas afirmam que, uma vez estabelecida que a regra fala em entrada na escola aos seis anos, é preciso manter uma padronização quanto à idade de corte para o ingresso. E isso, dentre outros motivos, por uma razão pragmática: a matrícula de crianças de cinco anos no ambiente do Ensino Fundamental exigiria mudanças significativas na gestão escolar. “Quando se traz alunos com muita diferença etária, o ensino fica quase que inviável. Para as crianças, um ano faz muita diferença”, afirma Ocimar Alavarse, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP).
Doutor em Psicologia Escolar pela USP, Renan Sargiani concorda: para ele, uma nova redução de idade é possível em tese, mas dependeria de um planejamento aprofundado. E exigiria modificações não apenas no currículo, mas na própria estrutura física da sala de aula. “Quando se antecipou o ingresso no primeiro ano de sete para seis anos, foi necessário modificar o currículo e também as formas de ensinar essas crianças, que têm menor capacidade de concentração, e menos conhecimento de mundo, além da necessidade de que os móveis sejam adaptados ao seu tamanho”, explica.
Para os estudiosos do assunto, nada impede que, no futuro, com uma aceleração ainda maior no desenvolvimento, as crianças estejam aptas a iniciar o processo de alfabetização aos cinco anos. Alguns sinais de amadurecimento mais precoce têm sido detectados - em parte, devido aos estímulos tecnológicos desde cedo.
De qualquer forma, de acordo com os especialistas no tema, mais importante do que a nomenclatura de “primeiro ano” e “Ensino Fundamental” é a adoção de técnicas apropriadas e de um conteúdo adequado ao nível de desenvolvimento cognitivo de cada idade. “Podemos começar mais cedo aos cinco anos? Podemos, e alguns países fazem isso. Mas qual é a necessidade dessa antecipação? O mais importante, em minha opinião, é não esvaziar a educação infantil”, afirma Sargiani.
Professor da PUC do Rio Grande do Sul e pesquisador no Instituto do Cérebro (InsCer), Augusto Buchweitz também acredita que a discussão mais importante não é sobre a idade de ingresso no Ensino Fundamental, e sim sobre o currículo de cada série. “Para o Brasil, me parece ser mais importante definir as aprendizagens (habilidades e conhecimentos) que se espera da pré-escola e do primeiro ano do Ensino Fundamental do que necessariamente estabelecer uma idade de cinco ou seis anos”, avalia. “O que interessa é termos metas para cada etapa e ano da pré-escola e escola”, complementa.
Para Alavarse, o debate sobre a idade de ingresso no Fundamental parece ter uma causa mais profunda: pais que enxergam o processo educacional como uma corrida na qual é preciso que seu filho chegue à frente dos outros para obter a melhor vaga do vestibular ou o melhor emprego - e que por vezes convencem professores e gestores escolares a pular etapas. Mas, para o professor, é a qualidade do aprendizado, e não a velocidade da jornada, que fará a diferença no futuro. “As famílias querem por seus filhos numa guerra, uma disputa de posições. Elas colocam o filho antes na escola para chegar na frente. Mas não é indicado que a criança antecipe a escolarização”, critica.
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