Os problemas começaram por causa dos sermões.
Durante quase duas décadas, os estudantes muçulmanos do distrito escolar de Peel, nos arredores de Toronto, tiveram permissão de orar às sextas-feiras, como parte de uma política de muitas províncias canadenses para acomodar crenças religiosas nas escolas públicas.
No ano passado, o conselho escolar decidiu padronizar as sessões de oração e ofereceu seis sermões pré-aprovados que as crianças poderiam recitar, em vez de deixá-los usarem seus próprios.
Os alunos protestaram, dizendo que a medida viola seu direito à liberdade de expressão, e o conselho voltou atrás, permitindo que os jovens escrevessem seus próprios sermões.
Mas a disputa desencadeou uma avalanche de protestos que ainda perdura.
Manifestantes estão fazendo piquetes nas reuniões do conselho escolar, discussões acaloradas surgiram nas redes sociais indagando se a acomodação religiosa equivaleria a um tratamento especial, e há um movimento por uma petição para abolir as orações nas escolas públicas. Em abril, um imame local que apoiou o conselho recebeu foi ameaçado de morte. A polícia local agora protege as reuniões do conselho.
O alvoroço é um reflexo de como a diversidade canadense, cada vez maior, enfrenta poderosos ventos contrários, especialmente em locais onde as populações muçulmanas se destacam.
"Embora tenhamos uma política de multiculturalismo, a maioria dos canadenses espera que os imigrantes se adapte à cultura vigente. As acomodações religiosas foram feitas para vários grupos, e sempre haverá uma reação de vez em quando", disse Jeffrey Reitz, diretor do programa de Estudos sobre Etnia, Imigração e Pluralismo na Universidade de Toronto.
Os problemas nas escolas de Peel são um tipo particular de conflito em uma sociedade diversificada, dizem os cientistas sociais, e envolvem imigrantes e minorias que desafiam os valiosos aspectos multiculturais do Canadá.
Em 2015, residentes socialmente conservadores de distritos escolares de Ontário, alguns deles muçulmanos, se opuseram à atualização do currículo de educação sexual porque os nomes dos órgãos sexuais seriam ensinados, além da abordagem do tema das relações homossexuais.
Desde 2013, alguns pais muçulmanos da Grande Toronto pediram que as escolas dispensassem seus filhos das aulas obrigatórias de música provincial, citando sua crença de que o Islã proíbe ouvir ou tocar instrumentos musicais.
Como o seu vizinho ao sul, o Canadá é um país de imigrantes, o que ajuda a alimentar uma filosofia nacional que celebra a diversidade. Em 2011, mais de 20 por cento da população canadense haviam nascido no exterior, número que, segundo estimativas do governo, pode chegar a quase 30 por cento em 2031. Em cidades como Toronto e Vancouver, a proporção das minorias étnicas poderia superar os 60 por cento.
As mudanças demográficas são particularmente acentuadas na região de Toronto, uma colcha de retalhos de cidades suburbanas repletas de inúmeras línguas e religiões.
Os conselhos escolares como o de Peel estão na vanguarda das batalhas pelo multiculturalismo. Esse distrito é um dos mais diversificados, com quase 60 por cento de todos os residentes sendo descritos como "minorias visíveis", ou não brancas, de acordo com o censo de 2011.
Incluído aí está um grande número de chineses, filipinos e negros, mas quase metade é categorizada como sul-asiática, um grupo que inclui sikhs, hindus e muçulmanos. Peel abriga aproximadamente 12 por cento da população muçulmana do Canadá.
Ao permitir a oração em suas escolas, o distrito se baseou em uma disposição no Código de Direitos Humanos de Ontário que a Comissão de Direitos Humanos de Ontário interpretou como a necessidade de que escolas financiadas pelo governo, públicas e católicas, "acomodem" os alunos ao garantir o exercício de suas crenças pessoais.
Outras províncias têm políticas semelhantes.
Renu Mandhane é membro desse comitê e encarregada de interpretar o código de Ontário; para ela, as escolas têm o dever de acomodar a crença religiosa.
"A acomodação não é o mesmo que o endosso, e nem um comprometimento com a prática religiosa. Nunca dissemos que é preciso um espaço de oração na escola. O que é necessário é acomodar razoavelmente as crenças de uma pessoa", disse Mandhane.
Em uma entrevista, ela contestou o argumento feito por muitos dos manifestantes de que a política beneficia apenas os muçulmanos. E observou que os judeus e os cristãos já foram acomodados porque seus dias de adoração mais importantes caem no fim de semana, quando as escolas estão fechadas.
"De muitas maneiras, o que vemos em Peel é a intersecção dos direitos humanos e da enorme diversidade. O que o distrito mostra é que, mesmo em locais com grande diversidade racial, há pessoas que se identificam com diferentes comunidades, mas discordam sobre questões de direitos humanos."
Para o conselho escolar de Peel e muitos muçulmanos do distrito, a briga pela acomodação religiosa nada mais é que pura islamofobia.
Nas reuniões do conselho, os manifestantes gritaram frases antimuçulmanas, enquanto ataques contra os islâmicos que se expõem publicamente se espalharam pelas redes sociais, levando ao destacamento de policiais nas reuniões e na porta de escolas. O imame ameaçado de morte recebeu também uma mensagem on-line dizendo que sua mesquita deveria ser queimada.
Durante uma reunião tensa do conselho, um homem rasgou páginas do Alcorão, chocando uma comunidade que há muito valoriza sua tradição de tolerância.
"São pessoas que querem ver o circo pegar fogo, se aproveitando da nossa ignorância. A acomodação religiosa não é a exclusão de todos. É a inclusão", disse Rabia Khedr, diretora-executiva do Conselho Muçulmano de Peel, que pressionou o conselho escolar para apoiar o direito dos alunos de orar.
Anver Saloojee, professor de Ciência Política da Universidade Ryerson, em Toronto, tem outra explicação. Ele observou que muitos dos que falam contra a política de acomodação religiosa são membros da diáspora indiana, incluindo alguns nacionalistas hindus, sugerindo que, em alguns aspectos, a batalha no Canadá espelha o conflito histórico entre hindus e muçulmanos no sul da Ásia.
Porém, os grupos que se opõem à adequação, incluindo pessoas de várias raças e religiões, negam isso. Membros da comunidade indiano-canadense dizem que sua preocupação não tem nada a ver com o país que deixaram há anos e, em alguns casos, décadas.
"Minha religião é canadense; é o que me dá a força para lutar agora", disse Ram Subrahmanian, um dos fundadores da organização Mantenha a Religião Fora de Nossas Escolas Públicas.
Shaila Kibria-Carter, 42 anos, gerente de finanças cujos antepassados vieram de Bangladesh, nasceu e foi criada no Canadá, e vive na cidade vizinha de Brampton. Ela disse que, quando era aluna do ensino médio do distrito de Peel, na década de 1990, costumava rezar na escola às sextas-feiras. "Meu filho adolescente faz o mesmo e isso nunca atrapalhou as aulas ou gerou queixas", disse.
"O que essas pessoas estão fazendo é pregar o ódio. Vivemos em harmonia com os sikhs e os hindus e os brancos a vida inteira e agora, de repente, alguém rasga o Alcorão em uma reunião."
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