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BNCC (Base Nacional Comum Curricular) é uma sigla que todo professor brasileiro conhece e pronuncia há anos e deve entrar no radar também dos estudantes e dos pais em 2020. Este é o ano de estreia das novas práticas em sala de aula focadas também no desenvolvimento de competências e habilidades, não mais apenas em transferência de conhecimento. A implantação do novo currículo e de estratégias pedagógicas diferentes começa pela educação infantil e ensino fundamental e, em 2021, será obrigatória também para o ensino médio.
Nada muda no conteúdo, mas a proposta de ensinar tenta ser diferente para tornar o aprendizado mais atraente para alunos que já nascem numa época de informação farta e disponível, mas que nem sempre conseguem assimilar as matérias ou visualizar aplicabilidade no que aprendem. Isso sem falar nas dificuldades emocionais e de relacionamento, que também devem ser trabalhadas na escola, como prevê o documento norteador da educação brasileira.
O que é a BNCC
A Base Nacional Comum Curricular foi idealizada na Constituição de 1988, em seu artigo 210, e regulamentada pelo artigo 26 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/1996) e, em 2014, passou a integrar o Plano Nacional de Educação. Pensada para orientar a construção de um currículo básico brasileiro, estabelece conhecimentos, competências e habilidades que todos os estudantes devem desenvolver ao longo da vida escolar. Segundo a BNCC, a educação no Brasil deve ser direcionada para a formação humana integral e para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva.
Como foi feita a adaptação dos currículos
Nas duas últimas décadas, desde a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/1996), houve inúmeras reuniões entre autoridades da área de Educação e educadores do Brasil inteiro, que resultaram na definição de parâmetros e diretrizes curriculares e em compromissos como o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa e o Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio.
Todos os estados e o Distrito Federal precisaram traduzir a BNCC para suas realidades regionais e tiveram essa tradução aprovada pelo Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e pela União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime). Depois disso, cada município ainda adaptou o currículo à sua situação local.
Boa Vista, a capital de Roraima, por exemplo, vive a inusitada situação de ter muitos alunos estrangeiros entre os brasileiros em função da intensa imigração da Venezuela (dos 41 mil alunos matriculados na Educação Infantil e primeira fase do Ensino Fundamental, 4,5 mil são venezuelanos - o equivalente a 12,5%). Por isso, a Secretaria Municipal de Educação boa-vistense chegou a promover aulas de espanhol para professores, durante a formação para a implantação da BNCC em sala de aula. Essa oficina já trouxe uma estratégia local para desenvolvimento de uma das competências que os professores devem tentar desenvolver com os alunos: a emocional.
"Percebemos que os professores não tinham problemas de comunicação com esses alunos. A dificuldade era realizar atividades em que as crianças venezuelanas fossem realmente integradas às brasileiras, não só na sala de aula, mas também no pátio e até nos refeitórios", conta o secretário municipal de Educação de Boa Vista, Arthur Henrique Brandão Machado.
Assim, ficou decidido que os professores de pré-escola e primeiros anos do ensino fundamental vão trabalhar com carteiras em círculos, promover atividades no chão, propor mais trabalhos em grupo. E em vez de pedir que os próprios alunos escolham os colegas com quem farão as tarefas, é o professor que vai indicar os participantes dos grupos. Desta forma, evita-se a tendência natural das crianças (venezuelanas ou brasileiras) de se aproximarem apenas das que falam a mesma língua. "O mais importante era desenvolver técnicas de integração, algo previsto na BNCC", diz o secretário.
BNCC na prática
Na maior parte do Brasil, o ano de 2019 foi de formação de professores de Educação Infantil e do Ensino Fundamental, para que pudessem implantar os novos currículos a partir do ano letivo de 2020. Algumas cidades, porém, saíram na frente. São Paulo teve seu currículo local aprovado antes da maioria das cidades e implantou a BNCC já em 2018.
Em Pernambuco, o processo começou no ano passado em todos os municípios. Segundo o Secretário de Estado da Educação, Fred Amancio, as redes municipais aceitaram um currículo único. "Já tínhamos uma experiência anterior que nos permitia pensar num projeto para a rede. Quando veio a BNCC, só precisamos atualizar o que já tínhamos", conta o secretário.
A experiência anterior a que o secretário se refere foi a implantação do ensino integral na rede estadual, na segunda fase do Ensino Fundamental e Ensino Médio. Pernambuco começou esse trabalho em 2004. Hoje, o estado tem 438 escolas de tempo integral que atendem a 62% dos alunos da rede estadual, o que significa que eles têm atividades também voltadas para o desenvolvimento físico, emocional, social e cultural, como prevê a BNCC. Lá os resultados já apareceram no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). Em 2017, última divulgação do índice, o Ideb do estado nos anos finais do Fundamental foi de 4,5 e, no Médio, de 4 (perdendo apenas para Goiás e Espírito Santo).
"Em 2015, fomos o 1.º lugar do IDEB quando 10 anos antes éramos o 21.º. Na última avaliação ficamos atrás apenas de Goiás e Espírito Santo", comemora o secretário. "Somos o único estado do Brasil que só cresce nas notas do IDEB. Aos poucos, vamos subindo, um degrau de cada vez."
Dúvidas
Para Cláudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da FGV/EBAPE, a implantação de uma base curricular comum é algo extremamente desafiador.
"O fato de a BNCC estar aprovada em todos os estados não quer dizer que os 2 milhões de professores das 200 mil escolas públicas do país saibam o que fazer. O processo é complexo e demorado. A maior parte dos professores nunca aprendeu a trabalhar com currículo, porque isso não existia, com raras exceções", diz Cláudia, ressaltando que os livros didáticos foram alinhados não com o currículo estadual, mas com a Base. "A gente não sabe se vai funcionar. Só a prática vai responder isso, mas o fato de a gente ter feito esse esforço hercúleo (secretarias estaduais e municipais) é algo a ser louvado."
"É fundamental que este ano os professores tenham 1/3 de sua carga horária remunerada dedicada à preparação das aulas, correção de trabalhos, mas sobretudo para trabalhar coletivamente dentro da escola com seus colegas. Pesquisas mostram que isso é mais eficiente do que fazer mestrado e doutorado", destaca Cláudia.
O Secretário Nacional de Educação Básica do Ministério da Educação, Jânio Macedo, explica que o processo de formação dos professores cabe aos estados e deve ser continuado, mas está sendo acompanhado pelo MEC.
"Temos 2,2 milhões de pessoas dedicadas ao ensino público no país. Vamos sempre trabalhar junto com o Consed e a Undime [entidades que reúnem os secretários estaduais e municipais de Educação]. Em relação à Educação Infantil e ao Ensino Fundamental, estamos entrando em fase de acompanhamento da implementação [da BNCC]. A qualidade do ensino brasileiro vai depender muito da forma como vamos implantar esse novo conceito", diz o secretário.
Embora muitos educadores questionem a qualidade da BNCC, Cláudia Costin avalia que ela trará resultados a médio prazo. “Se você olha para os 30 primeiros colocados no PISA [programa internacional de avaliação de alunos], você vê que todos têm currículo. O Brasil durante muito tempo resistiu a ter currículo, o que parece bonito para preservar a autonomia do professor. Mas a Finlândia, que é a [nação] que mais dá autonomia para o professor, tem currículo. É isso que garante equidade, educação igual para pobres e ricos. É uma das políticas sociais mais importantes para garantir igualdade de oportunidades."