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Bolsonaro quer mexer com mercado bilionário de livros didáticos. Veja quem mais fatura

Apenas a Editora Moderna vendeu R$ 232 milhões em livros para o governo federal no ano passado. Nos últimos três anos, foram R$ 734 milhões. (Foto: Pixabay)

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O anúncio do presidente Jair Bolsonaro e do ministro da Educação, Abraham Weintraub, de que o governo pretende revisar critérios para o edital do Programa Nacional do Livro Didático de 2021, o primeiro com as regras estabelecidas pelo atual governo, deve mexer com um mercado bilionário. Por meio do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), o governo federal tem destinado anualmente, em média, R$ 2 bilhões para “produção, aquisição e distribuição de livros e materiais didáticos”. Em 2019, foram distribuídos 126 milhões de livros, de 1.850 diferentes títulos para as escolas públicas brasileiras. Para este ano, o orçamento previsto é de R$ 2,3 bilhões.

Apesar de a palavra final ser das escolas, só são submetidos à avaliação das instituições de ensino os materiais aprovados pelo Ministério da Educação (MEC) no edital. A possibilidade de mudanças nos critérios acende o alerta de dezenas de editoras no país. Os livros didáticos são as publicações mais vendidas no Brasil e o poder público, seu maior comprador. Emplacar suas coleções no guia digital que o FNDE é um passo essencial para que as escolas possam escolher determinado material didático. Também é questão de sobrevivência para autores e editores, o que, por consequência, fará com que os editores alterem suas publicações para se adequarem às novas exigências.

Apenas a Editora Moderna vendeu R$ 232 milhões em livros para o governo federal no ano passado. Nos últimos três anos, foram R$ 734 milhões, o que a torna a campeã em fornecimento de material didático para as escolas públicas brasileiras. A Editora Ática vem logo em seguida, com R$ 627 milhões vendidos em três anos. Outras cinco editoras forneceram mais de R$ 100 milhões em livros didáticos ao FNDE entre 2017 e 2019 (FTD, Saraiva, SM, Scipione e Editoria do Brasil).

Entre os maiores fornecedores do programa ainda aparecem os Correios, por conta do contrato de distribuição dos materiais, e o Banco do Brasil, que, como agente financeiro do FNDE, recebe recursos por meio de Ordem Bancária e os repassa para os favorecidos finais sendo, desse modo, denominado favorecido intermediário pela Controladoria-Geral da União (CGU), não sendo beneficiário do programa.

No dia 3 de janeiro, o presidente Jair Bolsonaro classificou os livros didáticos como "péssimos" e com "muita coisa escrita" e anunciou que o governo promoveria alterações. Dias depois, o ministro Abraham Weintraub reforçou a crítica e disse que os livros ficarão mais baratos e sem ideologia. O secretário-executivo do MEC, Antonio Paulo Vogel, também revelou que o governo está elaborando um novo edital do Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) para que os livros didáticos, distribuídos nas escolas de todo o país, fiquem livres de “doutrinação”. O governo não adianta que mudanças são previstas para o edital. Autores ouvidos pela Gazeta do Povo, na condição de não se identificarem, dizem que trabalham para evitar discussões de gênero e “suavizar” o conteúdo a respeito da ditadura militar.

Dos R$ 2,17 bilhões previstos no orçamento do ano passado (que chegou a ter R$ 348 milhões contingenciados), foram gastos R$ 865,37 milhões. Mas o FNDE, por meio de sua assessoria de imprensa, salienta que não há o que se falar em sobra. “Do orçamento previsto para 2019, R$ 865 milhões foram liquidados dentro do exercício de 2019, ficando o restante do que foi empenhado inscrito em restos a pagar”. Segundo o fundo, a necessidade de haver restos a pagar decorre da dinâmica do PNLD, resultando na maior parte das contratações efetivadas no segundo semestre de 2019 para entrega dos livros nos meses de novembro e dezembro, obedecendo ao cronograma do Programa. Assim, grande parte do faturamento desses contratos é realizada na segunda quinzena de dezembro, já que é necessário um tempo hábil para produção dos livros após fechamento do contrato. “Sendo o prazo legal para pagamento até trinta dias após a apresentação da fatura, tornou-se inviável realizá-lo dentro do exercício em análise (2019)”, justifica.

O FNDE informou ainda que dentro das atribuições legais do fundo no que tange o programa do livro didático (inscrição, habilitação; escolha; negociação; aquisição; distribuição; e monitoramento e avaliação) não há previsão de alteração nos processos. A avaliação pedagógica, no entanto, é de responsabilidade do Ministério da Educação (MEC), que, procurado, não quis comentar a questão.

Limites

O governo Bolsonaro não terá influência sobre a maior parte dos conteúdos dos livros didáticos. Com exceção do edital do ensino médio, com nova chamada em 2021, todos os outros foram feitos em anos anteriores, com validade até o fim da atual gestão.

Em 2017, o MEC anunciou que a partir de 2019 o tempo de validade do material didático e literário passaria de três para quatro anos.  Desta forma, os livros que chegaram às escolas em 2019, para a educação infantil e os anos iniciais do ensino fundamental (1º ao 5º ano), valerão até 2022. Já os livros que estão chegando agora em 2020, com edital também do governo Temer, servirão aos anos finais do ensino fundamental (6º ao 9º ano) até o ano de 2023. Já para o ensino médio, 2020 é o último ano de validade do edital em vigor. Para 2021, será necessário um novo edital, inteiramente de responsabilidade do atual governo.

“Para mudar, o governo Bolsonaro precisará superar contratos editoriais e as atuais regras do PNLD. Não é fácil mudar o viciado jogo ideológico do material didático, porque o MEC não pode tudo. As editoras, sobretudo os oligopólios, delimitam o mercado e determinam a linha editorial, fazendo com que livros de diferentes editoras pareçam iguais. Além do mais, as mesmas equipes de autores e revisores, normalmente do mesmo campo ideológico, contribuem para o alinhamento discursivo encontrado nos livros”, diz Orley José da Silva, professor em Goiânia e administrador do blog “De Olho no Livro Didático”, em que aponta “ocorrências questionáveis” no material aprovado pelo MEC.

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) estabelece, com força de lei, uma série de conteúdos que devem ser incluídos nos materiais didáticos, não só de caráter acadêmico, mas também de cunho ético, como promover positivamente a imagem das mulheres, dos negros e das populações indígenas e quilombolas. O edital do PNDL 2020, depois de ser alvo de polêmica no início de 2019, indicou que os livros devem estar livres de estereótipos ou preconceitos de condição socioeconômica, regional, étnico-racial, de gênero, de orientação sexual, de idade, de linguagem, religioso de condição de deficiência, entre outros e outros. Também são vedadas a apologia da violência e a violação de direitos humanos.

Para Orley, porém, a forma como a BNCC está redigida inclui uma série de temas, mas não deixa claro como deve ser a postura do professor ao ensinar alguns valores. “A Base Nacional Comum Curricular não se limita aos conteúdos [acadêmicos], mas avança para a formação do comportamento, das atitudes e dos valores, o que pode aumentar as contradições”, afirma.

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