Participantes do PRECE: oportunidade de ascensão para jovens de zona rural| Foto: Divulgação

Rodar o Brasil para mapear e contar histórias de boas práticas de educação deu ao jornalista Caio Dib, de 27 anos, a possibilidade de ter contato com experiências inovadoras, que fogem dos padrões mais tradicionais e transformam, cada uma à sua maneira, a realidade tanto dos alunos envolvidos quanto dos professores e, sobretudo, das comunidades ao redor dessas iniciativas. 

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A pedido da Gazeta do Povo, Dib, de 27 anos, listou cinco das iniciativas mais interessantes com as quais teve contato desde que, em 2013, decidiu pegar a mochila e viajar mais de 17 mil quilômetros de ônibus para saber o que estava sendo feito pelo país via propostas inovadoras para transformar a vida de adolescentes e jovens impactados pela educação. 

"Quando a gente fala de iniciativa inovadora, as pessoas pensam na coisa acontecendo, um projeto sendo realizado. Mas tenho aprendido que o processo é muito mais importante que o resultado final. E os resultados vêm muito mais da relação que professores e alunos estabelecem na iniciativa", diz o jornalista.

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1) Fundação Casa Grande 

Criada em 1992 por Alemberg Quindins, a ong com sede em Nova Olinda, no Ceará, nasceu a partir da restauração da primeira Casa de Fazenda Tapera, que no final do século 17 foi ponto de passagem da estrada das boiadas que ligavam Cariri ao sertão dos Inhamus. Mas acabou indo além disso.

"Alemberg começou a perceber que as crianças poderiam cuidar do museu", conta Dib. "O projeto é um bom exemplo que a relação entre o criador realizador e o grupo é importante", salienta. Hoje a fundação tem papel importante no trabalho desenvolvido com educação e comunicação com as crianças e adolescentes da comunidade local. Entre outras atribuições culturais, o projeto é responsável o único teatro da cidade. 

2) Pedagogia de alternância 

PDCIS (Programa de Desenvolvimento e Crescimento Integrado com Sustentabilidade) trabalha com a pedagogia da alternância como metodologia, trazida da França. Nela, os alunos, filhos de agricultores rurais, ficam uma semana na escola e outras duas em casa, aplicando o que aprenderam na escola. O projeto oferece a eles tanto as aulas regulares do Ensino Médio quanto o ensino técnico baseado na cultura da região, muito voltada à plantação de palmito.

O programa atua  em 11 municípios com baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) em uma região do sul da Bahia, onde vivem 285 mil pessoas.

"Quando entram na escola familiar rural, os alunos aprendem não só matérias como técnicas agrícolas", conta Dib. O jovem lembra ainda que a iniciativa ajudou a elevar o IDH dos municípios envolvidos no trabalho, porque os agricultores deixaram a monocultura e passaram a ter também potencial econômico com a criação de cooperativas, "e têm no jovem o protagonista principal", acrescenta. "Para o estudante, faz sentido estar na escola aprendendo coisas úteis para a vida dele. Isso fez com que muitos alunos ficassem na cidade de origem em vez de irem à capital aceitarem qualquer subemprego".

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O jornalista lembra ainda de uma menina moradora de um quilombo com 130 anos de história. Ao entrar no Ensino Médio no PDCIS, ela entendeu que sua missão era permanecer no quilombo para mantê-lo vivo. "Ela fez uma faculdade, se tornou presidente da associação local e continua trabalhando pela evolução da história de sua comunidade", celebra Dib. Em 2010, o programa, coordenado pela Fundação Odebrecht, recebeu da ONU o Prêmio ao Serviço Público das Nações Unidas. 

3) Aprendizagem cooperativa  

Manoel Andrade, hoje professor de Química da Universidade Federal do Ceará (UFC), era adolescente em uma vila na comunidade rural de Pentecoste (CE), quando teve de deixar a casa onde nasceu por conta da seca enfrentada pela região. Na casa da avó, descobriu que estava próximo aos campos da universidade, e lá dentro conheceu uma roda de estudos. Em pouco tempo, virou frequentador assíduo e por meio dela, reuniu conhecimento suficiente para ser aprovado no vestibular da própria federal.Ao concluir sua graduação em Química, entendeu que precisava retornar à sua Pentecoste e oferecer às crianças que continuavam lá.

Assim, em 1994 ele juntou sete jovens que estavam fora do ensino médio, criou uma roda de estudos, delegou responsabilidades entre eles e, aos finais de semana, os encontrava para tirar dúvidas, esclarecer pontos, dar direcionamento. Ele classificou a experiência de aprendizagem cooperativa.

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Dos sete que iniciaram a roda de estudos, seis foram aprovados na UFC. Eles decidiram manter a roda girando e desenvolveram outros grupos de estudo. Duas décadas depois, cerca de 500 jovens que passaram por essas rodas já foram aprovados no vestibular da universidade. O programa ganhou o nome de PRECE e tem como parceiros, além da federal, a Fundação Mary Harriet Speers e a Secretaria da Educação do Estado do Ceará. 

A experiência convenceu a secretaria de Educação a criar uma escola, a Alan Pinho Barbosa, inspirada na metodologia. Por meio dela, os garotos se dividem em grupos, o professor faz a abertura, esclarece dúvidas e encerra a programação. "Fui a todas as aulas, porque achei que [a metodologia] fosse mentira", brinca Dib. "Todas as salas tinham esse mesmo esquema. O mais louco de tudo é que a aprendizagem cooperativa tem vários nomes pelo mundo", acrescenta.

4) À procura de heróis 

"O Looking4Heroes sou eu na rede pública. Um professor que quer conquistar, inovar, mas que tem muitas limitações de tempo e recursos". Assim Clessio Bastos descreve seu trabalho, cujo objetivo é proporcionar a crianças, adolescentes e jovens em uma escola rural novos modelos de aprendizagem. Um desses levou, pela primeira vez, estudantes do ensino médio fundamental de uma comunidade rural próxima de Goiânia (GO) a uma livraria. 

"Ele descobriu que os estudantes nunca tinham entrado em uma livraria para comprar um livro", conta Caio Dib. Sem dinheiro suficiente para encurtar o caminho entre esses jovens e uma livraria, iniciou um projeto de crowdfunding pela internet. O trabalho mobilizou a comunidade, que levantou recursos necessários para levar toda a turma a uma livraria. "Em vez de comprar os livros e levar aos estudantes, ele fez questão de levar a turma a uma livraria, dar o dinheiro a eles e permitir que eles pudessem comprar os próprios livros", explica Dib. Suas experiências são descritas no portal Looking4Heroes, uma espécie de diário do professor. 

Em outra experiência oferecida também aos jovens da comunidade rural, Clessio decidiu que era possível aproximá-los do mundo por meio de um simples aplicativo de comunicação, fazendo uso da língua inglesa como ferramenta. "Ele dá aulas de inglês em uma realidade de garotos que jogam videogame", destaca Dib. Por ter uma bagagem de viagens internacionais e contatos feitos em outros países, Clessio entendeu que poderia oferecer aos alunos o contato com outras culturas por meio de conversas com seus amigos estrangeiros via Skype. 

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Os alunos fazem aulas regulares na sala de aula, mas em determinados momentos do semestre o professor usa o Skype para oferecer à turma aulas de inglês em conversa com estrangeiros. E por meio do idioma, tomam conhecimento de culturas diferentes.

5) Instituto Singularidades 

Focado na formação do educador, o Instituto Singularidades, em São Paulo, é apontado por Dib como um dos trabalhos que vivem de fato a ideia de inovação. Com salas modulares, mesas de trabalho e aulas externas, o instituto leva seus estudantes a realizar aulas em espaços como livrarias e escolas públicas. Uma delas foi realizada em uma instituição de ensino em Perus, bairro da zona norte de São Paulo. Lá, uma turma de EJA (Educação de Jovens e Adultos) enfrentava um problema sério com alunos de inclusão pela ausência de equipamentos. "As professoras de duas matérias diferentes fizeram uma oficina de inclusão e os estudantes de pedagogia criaram materiais de inclusão de baixo custo", lembra Dib. Todo o trabalho tomou como base a prática para a formação de professores inovadores. 

A prática desenvolvida no trabalho de preparação de educadores envolve ainda valorização de culturas, educação no campo e sensibilização artística. "Tem uma disciplina que conta com uma semana temática, em que debatem temas que estão nos princípios deles, falam sobre cidade educadora, chamam os melhores no assunto para falar sobre isso e os alunos aplicam o que aprenderam", celebra Dib. "Em questão de formação de educadores, é um dos mais inovadores que conheço", define.