No Brasil, o Ministério da Educação determina o que é válido para o ensino, e com frequência o faz sob um viés centralizador: em muitos momentos, as políticas do MEC fazem com que a pasta se pareça um autêntico “ministério das escolas”, impondo entraves e adiando a entrada de formas alternativas de educação e apoio às instituições de ensino no país.
A Gazeta do Povo aborda alguns pontos em que o Brasil ainda corre atrás de modelos que já funcionam no exterior.
Exames de admissão ao ensino superior
Todos os anos, a cena se repete: com a maior importância conferida ao Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) na última década, um número crescente de jovens passou a ter a prova como seu modo prioritário de acesso ao ensino superior, e aqueles que se atrasam para o teste acabam perdendo o ano inteiro de preparação – tornando-se pauta dos jornais e canais de televisão como parte dos “atrasados do Enem”.
O uso de uma prova padronizada para a maior parte das universidades, ajudando a diluir a disparidade no ensino ao redor do país e permitindo que um estudante tente vaga em uma instituição de outra região sem sair da sua cidade, foi uma medida que aproximou o Brasil de modelos bem-sucedidos adotados em outros países. No entanto, a prova dividida em dois dias e sem flexibilidade de data gera a situação que conhecemos hoje.
Em sua organização, o modelo atualmente vigente no Brasil se assemelha ao do Teste do Centro Nacional para Admissões Universitárias utilizado no Japão, onde a prova também ocorre apenas uma vez por ano e se divide em dois dias. O modelo japonês, somado à enorme pressão que os estudantes enfrentam para superar a concorrência, é apontado como um potencializador dos altos índices de depressão entre jovens que o país ostenta: estima-se que pelo menos um quarto dos alunos em idade escolar do país apresentem um quadro clínico depressivo – o suicídio é a principal causa de morte entre crianças e adolescentes de 10 a 19 anos no Japão.
Críticos do Enem propõem que ele se aproxime mais do SAT, o exame americano realizado desde os anos 1920 em que o MEC diz ter se inspirado. Nos Estados Unidos, a prova é oferecida em sete datas diferentes, oferecendo uma segunda chance em caso de nota ruim ou perda do prazo. O exame pode ser feito sem limite de repetição pelos estudantes, que podem inclusive tentar aumentar a sua nota.
Flexibilização curricular
Em vigor desde o ano passado, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) prometia – entre outros pontos – combater a pouca flexibilidade que os estudantes brasileiros têm para escolher o seu caminho formativo. No ensino médio, por exemplo, apenas a matemática e a língua portuguesa seriam conteúdos fixos, com a carga horária e a oferta de outras disciplinas determinada a partir de cinco opções de ciclos que os estudantes teriam para se aprofundar: ciências humanas, ciências da natureza, linguagem, matemática e formação profissional.
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A BNCC estabelece critérios mínimos para o ensino no Brasil. Embora a definição de um currículo único para o ensino brasileiro fosse prevista há duas décadas, desde a adoção da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) em 1996, o país só apresentou a BNCC em abril de 2017. Resultado de anos de debates entre profissionais do ensino, o currículo unificado viria para suprir a falta de um padrão para os temas e a ordem em que eles são abordados nas salas de aula do país, mas dividiu especialistas. Em entrevista concedida à Gazeta do Povo na época, Priscila Cruz, do movimento Todos pela Educação, apontava riscos potenciais do modelo.
“A falta de autonomia limita o modelo formativo dos alunos. Quando falamos em ‘conteúdo mínimo’, deveria ser compreendido como algo a acrescentar muito mais elementos. Mas o que acaba acontecendo é que só se trabalha com esse mínimo”.
Os defensores das bases curriculares entendem que, apesar da adoção de um modelo nacional, o novo modelo ajudaria a suprir uma deficiência de décadas no ensino brasileiro, permitindo aos estudantes fazer escolhas sobre sua formação enquanto teriam garantias mínimas de ensino. Uma das questões ainda não esclarecidas é se as escolas terão estrutura e recursos suficientes para oferecer a gama de opções prometida ou se o novo modelo não acabará, no longo prazo, mantendo o engessamento atual, com algumas instituições apresentando um número limitado de alternativas.
Idealmente, vindo a funcionar, o sistema aproximaria o Brasil de países que obtêm alguns dos melhores resultados nas avaliações internacionais de ensino. O modelo de matérias tradicionalmente “fechado” contrasta com o adotado em países como o Canadá e a Finlândia, costumeiramente posicionados entre os melhores no PISA (Prova Internacional de Avaliação de Alunos, na sigla em inglês), onde existe um currículo básico, mas os alunos podem construir sua grade horária.
Homeschooling
Ao redor do mundo, 63 países têm a prática do homeschooling (o ensino em casa) regulamentada. Estados Unidos, França e Portugal aparecem entre as nações que reconhecem a atividade como equivalente ao ensino escolar, com números que chegam a 2 milhões de estudantes no caso norte-americano. No Brasil, a prática tem crescido em número de adeptos, mas ainda não é regulamentada, e a lei prevê punição aos pais que não tiverem seus filhos em uma escola normal. Embora a Constituição Federal defina a Educação como um dever compartilhado pelo Estado e pela família, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) obriga os pais a matricularem seus filhos na educação básica a partir dos quatro anos de idade, podendo sofrer sanções se não o fizerem.
Atualmente, a Associação Nacional de Educação Domiciliar (ANED) estima que cerca de 15 mil crianças sejam ensinadas em casa no Brasil. Apesar disso, o MEC considera o homeschooling irregular no país, sustentando um parecer que diz que a atividade contraria a Constituição, a LDB e o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O Ministério já acenou no sentido de modificar sua posição, mas no momento prevalece a resistência à chamada “desescolarização” dos estudantes. Há pelo menos uma década o Congresso tem visto iniciativas no sentido de modificar a legislação para tirar a educação domiciliar do limbo em que se encontra atualmente. Em 2009, por exemplo, foi apresentada uma Proposta de Emenda à Constituição que tornaria a regulamentação do homeschooling um dos deveres do Estado. No entanto, a PEC 444 acabou arquivada seis anos mais tarde.
A falta de regulamentação acaba gerando incerteza dos pais e da sociedade sobre o que pode e o que não pode ser feito. Em países onde a educação domiciliar é formalizada, existe um acompanhamento padronizado para controlar o aprendizado do aluno, medir a sua frequência e determinar o tipo de conteúdo que deve ser abordado pelos pais. No Brasil, por não reconhecer esse modo de formação, o MEC ainda não possui mecanismos para verificar a qualidade do ensino doméstico.
Obstáculos a doações
Um dos exemplos do que dá certo no exterior e encontra grandes obstáculos no Brasil é a doação de dinheiro para escolas e universidades públicas. Em tempos de crise e redução de investimentos, a filantropia poderia ser uma alternativa para enfrentar a época de vacas magras.
Nos Estados Unidos, mesmo com a cobrança de anuidade dos alunos inclusive em universidades públicas, as doações – por parte de empresas, fundações e pessoas físicas – constituem uma importante forma de financiamento de universidades e escolas no país.
Tradicionais, esses repasses voluntários têm crescido anualmente por lá: só no ano passado, as doações para universidades tiveram um incremento de 6,3%, atingindo a marca recorde de quase 44 bilhões de dólares – cerca de R$ 160 bilhões, equivalente a 113 vezes o orçamento da UFPR no ano passado. Mais de um quarto desse total veio de egressos das instituições que receberam os valores. A filantropia é particularmente interessante no modelo universitário norte-americano não só porque eventualmente conta como diferencial para seus familiares que tentam matrícula na instituição, mas também porque rende isenções fiscais aos doadores.
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No Brasil, porém, a doação ainda esbarra em entraves burocráticos e na incerteza quanto à destinação dos recursos. Embora algumas universidades já tenham fundos independentes para gerenciar o recebimento de recursos, o sistema atual ainda envolve a destinação do dinheiro para a Conta Única do Tesouro – embora a universidade de destino ganhe um “saldo” para utilizar de acordo com as normas legais, o direcionamento final do valor dentro da instituição fica a cargo da reitoria, sem que o doador tenha total conhecimento sobre o uso do recurso. Como os gastos têm que estar previstos nos orçamentos, o que também vale para as escolas, há casos de doações que simplesmente acabam não sendo aceitas.
Desde 2012, está em tramitação no Congresso Nacional um projeto de lei que busca regulamentar as doações às instituições federais de ensino superior, permitindo ações semelhantes às que ocorrem nos EUA. O PL 4.643, de autoria da deputada Bruna Furlan (PSDB-SP) prevê a criação de fundos patrimoniais, conhecidos como endowment funds. A ideia é facilitar o repasse de recursos tanto de pessoas físicas quanto jurídicas e, como ocorre com os ex-alunos norte-americanos, oferecer benefícios fiscais em troca. Com sua redação final aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara apenas no ano passado, o projeto foi remetido ao Senado em novembro, onde ainda aguarda apreciação.
Um projeto de tom similar, oferecendo dedução no imposto de renda para doações a escolas de ensino infantil, fundamental e médio, foi apresentado em 2013 pelo então senador Blairo Maggi. Ainda em tramitação no Senado, o PLS 189 prevê a dedução integral do valor doado.
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