Há duas semanas, uma professora catarinense ficou ferida após ter sido agredida dentro da escola por um aluno de 15 anos. Marcia Friggi, de Indaial (SC), relatou ter recebido uma sequência de socos depois de ter expulsado o estudante de sala por mau comportamento. O caso aconteceu no CEJA (Centro de Educação de Jovens e Adultos) da cidade e serviu apenas para escancarar uma realidade cada vez mais presente no cotidiano educacional.
Ambiente violento
Estudo realizado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em 2014 revelou que 12,5% dos professores já foram vítimas de agressões verbais ou de intimidação de alunos pelo menos uma vez por semana no Brasil. O levantamento foi feito com base em depoimentos de mais de 100 mil professores de ensino fundamental e médio, e coloca o Brasil na primeira posição do ranking de violência nas escolas.
Esses índices foram ainda maiores em pesquisa feita a partir do questionário aplicado na Prova Brasil 2015, com alunos e professores do 5º ao 9º ano do ensino fundamental além de diretores das escolas participantes: 51% dos professores e 55% dos diretores afirmaram já terem presenciado agressões físicas e verbais de alunos a funcionários.
As ameaças de alunos a professores foram relatadas por 9% dos docentes, o que corresponde a 22,6 mil professores. Além disso, pelo menos 4,7 mil relataram ter sofrido atentados à vida nas escolas em que lecionam.
“O aluno que agride o professor sabe que não será punido – na pior das hipóteses, para ele, será transferido ou suspenso por alguns dias”, diz a diretora de um colégio da rede estadual do Paraná que pediu para não ser identificada. “Não há previsão específica para estes atos em regimentos, tampouco orientações superiores sobre como lidar com essas situações. Então, quando algo ocorre, não há nada a ser feito”, completa.
Limites extrapolados
Os casos de violência são maiores entre os próprios estudantes: agressões verbais e físicas de um aluno a outro dentro da escola foram observadas por 76% dos diretores e 71% dos professores.
“A concepção de escola mudou e precisamos compreender essa nova configuração. A violência está presente no espaço escolar”, diz Luciano Blausius, Policial Militar e professor dos cursos de Pedagogia da UP (Universidade Positivo), autor de um estudo que analisa a violência na escola da perspectiva da PM.
A violência também se manifesta de forma criminosa: 23,6 mil diretores afirmaram terem sido vítimas de furto e 5,2 mil de roubo dentro da escola; entre os professores, os números foram 13,12 mil e 2,6 mil, respectivamente. Além disso, 2,3 mil professores afirmaram que estudantes frequentaram as aulas portando armas de fogo e mais de 12 mil disseram ter visto alunos com armas brancas, como facas e canivetes.
“Quanto ao uso e porte de armas, tanto brancas ou de fogo, sua presença na escola, cada dia mostra-se comum entre crianças e adolescentes, o que intensifica casos de homicídios divulgados pela mídia”, aponta a pedagoga Mirian Rodrigues de Souza.
Drogas e álcool também fazem parte do cotidiano
O uso de drogas e álcool entre os estudantes, em sua maioria menores de idade, também é um problema recorrente. Entre o total de 262,4 mil educadores que responderam ao questionário, 29,7 mil relatam ter lidado com estudantes sob o efeito de entorpecentes na sala de aula, além de 13 mil casos de alunos alcoolizados.
Com a escola cada vez mais integrada às outras áreas da vida dos estudantes, a violência existente no ambiente escolar corresponde à violência que existe fora dos muros da escola. De acordo com a Unesco, a violência que ocorre fora do ambiente escolar, como conflitos entre gangues e facções, violência policial e doméstica, é reproduzida frequentemente no ambiente escolar.
“A violência na escola é um reflexo do fato de que certas escolas estão instaladas em comunidades com alto índice de criminalidade. É necessário reconhecer que existe esse problema”, diz Stephen Brock, pesquisador da California State University, nos EUA, e especialista em violência escolar.
De acordo com dados da própria Secretaria Municipal da Educação do Rio de Janeiro, aulas na rede municipal foram interrompidas em 93 dos 100 dias letivos do primeiro semestre deste ano. Além disso, um total de 381 escolas não abriu ou suspendeu as suas atividades devido a tiroteios no entorno do colégio. Como resultado, 129 mil estudantes ficaram sem aulas.
Para Brian Perkins, diretor do programa de Liderança em Educação Urbana da Universidade de Columbia, a convivência com a violência também afeta a cognição dos alunos: “A ciência mostra que o processo de aprendizagem é afetado negativamente por situações de medo”.
Dessa forma, cada escola é uma realidade particular que reflete a realidade em que está inserida. “Não podemos analisar o contexto da violência escolar pensando em apenas em dois grupos: dos alunos ameaçadores e dos professores ameaçados. Há casos de violência recíproca”, diz Luciano. “O que podemos fazer é encontrar mecanismos que funcionaram em outros espaços e adaptá-los para aquela realidade particular”.
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