Composto por evidências científicas no âmbito da alfabetização, um dos documentos mais aguardados pelos educadores brasileiros deve ser lançado em breve. Trata-se do Relatório Nacional de Alfabetização Baseada em Evidência (Renabe), cuja elaboração foi possibilitada pela 1.ª Conferência Nacional de Alfabetização Baseada em Ciência (Conabe), iniciativa do Ministério da Educação (MEC).
Para Renan Sargiani, pesquisador, doutor em Psicologia pela USP e presidente-científico da Conabe, uma das maiores contribuições que o relatório pode dar à sociedade é "apontar o que já se sabe, o que temos a fazer, e mostrar que ninguém está guerreando, temos todos o mesmo objetivo, isso é, que crianças melhorem no acesso, na qualidade e na equidade da alfabetização". Segundo o MEC, o Renabe será utilizado como ferramenta de comparação com as ações já lançadas, para efeito de ajustes, e como subsídio durante as discussões sobre a revisão da BNCC anos iniciais, por exemplo.
Em entrevista à Gazeta do Povo, Sargiani comentou sobre os bastidores da produção do documento, e falou sobre temas como a credibilidade das pesquisas brasileiras em alfabetização, o clima de animosidade e seus reflexos na educação, critérios que orientaram a elaboração do relatório e achados muito recentes trazidos por ele, a exemplo da chamada "autorregulação da literacia".
Trata-se do primeiro documento brasileiro para o qual diferentes especialistas contribuíram, sintetizando evidências científicas robustas e atualizadas sobre o tema alfabetização. No cenário internacional, o relatório cuja abordagem mais se aproxima do Renabe é o National Reading Panel (NRP), produzido nos Estados Unidos (EUA), em 2000, documento tido na época como o "estado da arte" das pesquisas em alfabetização. Mas, desde então, o número de publicações científicas sobre o tema mais que dobrou, à medida em que as descobertas foram avançando.
Segundo o especialista, embora o MEC tenha encomendado o relatório, a pasta se eximiu de condicionar sua elaboração a critérios políticos ou ideológicos. "O que precisamos é manter o que a ciência está dizendo e, assim, isolar o fator ideológico", defende Sargiani. "O governo Bolsonaro, por exemplo, tem posicionamento ideológico forte, mas quando sua gestão começou a tratar de alfabetização, não houve nenhum tipo de preferência por questões de direita ou esquerda. Só quiseram ouvir a ciência".
É preciso que as evidências sintetizadas no Renabe se convertam em práticas e cheguem literalmente às escolas, e para isso, na opinião do especialista, o MEC deve atuar como indutor. "É preciso mostrar que estamos do mesmo lado, olhando para evidências, para ajudar crianças a aprender a ler e escrever e ter sucesso na aprendizagem. Criar esse tipo de ponte é muito mais efetivo", sugere, embora reconheça que, ao mesmo tempo, o país está tomado por um clima de animosidade que dificulta o diálogo. "As pessoas não se ouvem, elas só gritam entre si".
Leia a entrevista completa:
O relatório é encomendado pelo MEC e decorre da Política Nacional de Alfabetização (PNA), correto? O ministério orientou a organização e o teor do documento? Houve diretriz com relação ao que deveria ser abordado?
Renan Sargiani: O relatório decorre das ações previstas na PNA referentes à produção e à disseminação de sínteses de evidências científicas e de boas práticas de alfabetização, de literacia e de numeracia. Para isso, o MEC instituiu um Painel Nacional de Especialistas e promoveu a Conabe, um espaço em que os painelistas e diversos palestrantes convidados puderam sintetizar suas ideias, discutir eixos temáticos, ouvir a audiência (composta por diferentes pesquisadores, gestores educacionais e stakeholders), e incorporar as perguntas, dúvidas, críticas e, em comum acordo, após reuniões internas do Painel de Especialistas, elaborar um documento técnico denominado de Renabe.
É importante dizer que não houve mediação ou interferência do MEC em nenhum momento dos trabalhos do painel. As reuniões foram sempre técnicas e conduzidas apenas pelos painelistas, mesmo enquanto eu e a Josiane Toledo (vice-presidente do painel) ainda éramos funcionários do MEC. Isso foi muito importante para garantir a independência e autonomia dos participantes, conforme desejo explícito do próprio secretário de alfabetização [Carlos Nadalim] na abertura da Conabe e do então ministro da Educação [Abraham Weintraub].
Fomos respeitados nesse sentido. Não houve qualquer influência quanto ao modo como deveríamos realizar as pesquisas, tivemos autonomia para decidir com base em critérios técnico-científicos. O MEC encomendou o relatório, mas deu liberdade para que fizéssemos o melhor possível dentro de uma metodologia séria.
Qual a diferença entre o Renabe e outros documentos já elaborados no país? Por que ele inova?
Renan Sargiani: É importante lembrar que relatórios científicos são criados mundo afora há muitas décadas. O Renabe não é o primeiro relatório sobre alfabetização, mas, certamente, é o primeiro relatório encomendado pelo Ministério da Educação (MEC) com esse peso de incluir diversos especialistas e explorar diferentes temas relacionados à alfabetização. O MEC já fez outras encomendas, na década de 80. Por exemplo, a professora Magda Soares, referência sobre alfabetização no país, já foi convidada pelo ministério e pelo Inep para produzir um relatório muito conhecido. Ou seja, isso já foi feito, mas não com a mesma metodologia adotada no Renabe.
O modelo de se chamar diversos especialistas a fim de que possam sintetizar evidências em um único relatório não havia sido adotado ainda. No país, o relatório mais parecido foi o produzido pela Câmara dos Deputados, em 2003, e o relatório da Academia Brasileira de Ciências (ABC) de 2011. O último, contudo, não se dedicou exclusivamente à alfabetização.
No cenário internacional, um relatório importante que se dedicou apenas à alfabetização foi o National Reading Panel (NRP), que, inclusive, é uma das principais referências para a produção do Renabe. Produzido nos Estados Unidos a partir de 1997 e publicado em 2000, o relatório envolveu diferentes especialistas que investigaram temas abordados durante uma série de conferências prévias. A partir disso, foram elencados tópicos que compuseram o documento final, exatamente como aconteceu com o Renabe que seguiu a realização da Conabe.
Cada painelista foi considerado um coordenador de eixo e foi responsável por realizar uma pesquisa de revisão de literatura, seguindo os parâmetros iniciais estabelecidos durante a Conabe. Essas pesquisas foram submetidas à presidência-científica da Conabe, que leu, revisou e sugeriu modificações técnicas, para que existisse coesão interna no documento e evitar possíveis sombreamentos dos eixos.
Sob quais critérios foram selecionados os especialistas responsáveis pela elaboração do documento?
Renan Sargiani: Os 12 painelistas foram selecionados pelo MEC de acordo com suas expertises. Todos são pesquisadores com doutorado e produção acadêmica na área de alfabetização. Eles foram responsáveis por organizar as palestras da Conabe, evento que abriu espaço para discutirmos evidências e trazer inputs de diferentes atores da sociedade. Dentre os participantes da Conabe havia diretores de escolas, pais, professores, representantes de ONGs, membros do CNE, membros de conselhos estaduais, Undime e Consed.
O único critério para a participação no evento foi o número de vagas, tendo em vista o tamanho do local onde foi realizado, no auditório da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior). Cerca de 300 pessoas participaram. Mas todas as sessões foram gravadas e os vídeos estão publicados no Youtube. Portanto, não houve, em hipótese alguma, indicação do tipo "esse palestrante é de direita ou de esquerda". A escolha foi técnica e o convite foi feito a diversos pesquisadores que algumas vezes não aceitavam por razões pessoais ou de agenda. Entre os painelistas da Conabe, há pessoas de esquerda, de direita, pessoas que não declaram nada. Nós não fomos movidos por essa razão. Estamos escolhendo o que dizem as pesquisas, estamos escolhendo sempre o caminho da ciência.
Há especialistas que levantam argumentos dessa natureza para defender que a alfabetização não tem bandeira política. Como você vê isso?
Renan Sargiani: Em teoria, a alfabetização não tem e nem deveria ter viés ideológico e político. Estudamos porque queremos compreender a melhor forma de ensinar a ler e escrever, e acreditamos que é possível fazer isso de uma maneira independente e técnica. No entanto, historicamente, a alfabetização acaba sendo usada por diferentes correntes ideológicas. Por exemplo, em determinados momentos históricos se falava que a ênfase deveria ser no ensino de leitura para aprender a ler a Bíblia, outros criticavam que deveria ser na escrita para se produzir conhecimento novo. E aí metodologias passavam a ser defendidas por grupos ideológicos e não científicos. Esses debates e vieses acontecem no mundo todo.
Há relato de que em Portugal educadores, em que pese de diferentes orientações políticas/ideológicas, adotam as mesmas evidências científicas com relação à alfabetização. Essas nações já não superaram esse tipo de discussão?
Renan Sargiani: Em Portugal, o professor Nuno Crato foi muito atacado quando era ministro da Educação. Parte do legado educacional que ele deixou foi praticamente desfeito pelo novo governo, que era de esquerda e muito ligado aos movimentos sindicais. Esse tipo de associação da ciência acontece, sim, e não podemos ser indiferentes a isso. O que precisamos é manter o que a ciência está dizendo e, assim, isolar o fator ideológico.
O governo Bolsonaro, por exemplo, tem posicionamento ideológico forte, mas quando sua gestão começou a tratar de alfabetização, não houve nenhum tipo de preferência por questões de direita ou esquerda. Só quiseram ouvir a ciência.
A partir das palestras da Conabe disponíveis no canal do MEC no Youtube, é notável certa unanimidade de visão entre os painelistas convidados. Por que isso ocorre?
Renan Sargiani: Na realidade, existem posições divergentes sim, nem todos defendem os mesmos pontos, mas todos estão embasados por evidências. Acontece que no atual estado do conhecimento científico sobre a alfabetização já existem certos consensos internacionalmente. Além disso, o espaço foi aberto a todos, poderiam participar especialistas que defendem posições distintas. Mas houve quem foi convidado e não aceitou. Em geral, pessoas contrárias ao governo. Algumas delas participaram apenas como ouvintes, e, enquanto ouvintes, contribuíram, pois suas perguntas ou críticas foram consideradas também pelos painelistas.
O documento científico trata exclusivamente da alfabetização? Seu objetivo é orientar políticas públicas da área?
Renan Sargiani: O relatório é composto por três partes e trata da alfabetização e do ensino de matemática. Seu objetivo principal é apresentar o estado da arte das pesquisas sobre alfabetização, literacia e numeracia com vistas a orientação de políticas públicas da área. A primeira parte do relatório, por exemplo, aborda questões de fundamentos, como as ciências cognitivas e pesquisas translacionais em alfabetização, bases neurobiológicas da aprendizagem da leitura e da escrita e teorias e evidências sobre aprendizagem e o desenvolvimento da leitura e da escrita em português.
Na sequência, a segunda parte trata das estratégias de ensino, a autorregulação comportamental, cognitiva, emocional e motivacional no processo de alfabetização, as dificuldades e distúrbios da leitura e da escrita e desafios na alfabetização em diferentes contextos, a exemplo da variabilidade sensorial, crianças com dificuldades linguísticas, cognitivas, imigrantes, indígenas e quilombolas. Ainda são tratadas as questões referentes à avaliação e o monitoramento das habilidades de leitura e de escrita.
Por fim, na terceira parte, o Renabe traz pesquisas documentais, ou seja, não é uma revisão de artigos científicos, mas sim de documentos normativos de diferentes países. Na prática, são análises de documentos técnicos que permitem mostrar como é possível transpor o que é evidência científica para a prática, como levar a ciência para a sala de aula. As duas pesquisas apresentadas nessa parte são integradas e fazem um mapeamento do currículo de países com bom resultado em estudos internacionais e de suas políticas de currículo e formação de professores.
O documento é concluído com uma síntese dos principais achados e recomendações, que não são do tipo "eu gosto, ou eu prefiro", mas sim produtos do que foi observado na literatura científica após a realização de todos os estudos que compõem o Relatório. Esse é o espírito do relatório, manter o rigor científico do começo ao fim. Ele reflete todo um conhecimento acumulado ao longo de muitas décadas
Quais são os novos achados trazidos pelo Renabe? Esses que fazem com que o documento se destaque quando comparado ao NRP, cujas evidências são de mais de 20 anos?
Renan Sargiani: Eu diria que dentre os principais achados estão as evidências oriundas das neurociências, avançamos muitos nas últimas décadas sobre o conhecimento do cérebro em relação a aprendizagem da leitura e da escrita. Além disso, são apresentadas evidências sobre a importância da autorregulação da aprendizagem e de funções executivas que são também mais recentes e estão sendo estudadas pelos cientistas nas últimas décadas. É importante destacar que o Renabe se diferencia do NRP por vários motivos, mas principalmente porque o documento produzido nos EUA foca nos componentes essenciais da alfabetização. Nós, por outro lado, estamos discutindo as grandes áreas, grandes temáticas como currículo, formação de professores, relação entre alfabetização e ensino de matemática, avaliação e monitoramento da aprendizagem.
Ainda, o NRP avaliou pelo menos 100 mil artigos. De 2000 para cá, existe pelo menos o dobro de artigos publicados. Toda a parte de neurobiologia, por exemplo, não foi abordada no NRP, tendo em vista que foi escrito há 20 anos. E, certamente, nesse sentido o Renabe se destaca.
As pesquisas brasileiras foram consideradas pelo documento? Em sua perspectiva, o que se produz no país agrega, tem credibilidade na área de alfabetização?
Renan Sargiani: Nosso objetivo foi tentar articular pesquisas brasileiras e estrangeiras, artigos em português, inglês, espanhol, francês e alemão principalmente. Tentamos mostrar um conjunto de evidências atualizadas e que, de modo geral, não vinham sendo utilizadas no país.
Algumas das críticas direcionadas à Conabe e à PNA são lamentáveis, do tipo "não consideraram pesquisas brasileiras". Ora, apenas na Conabe participaram mais de 50 pesquisadores que produzem ativamente há décadas no Brasil, mas que por diferentes razões não tinham espaço e não eram ouvidos pelos críticos. Essas pesquisas produzidas muitas vezes são inclusive publicadas em periódicos estrangeiros e mais conhecidas por estrangeiros do que brasileiros.
Por outro lado, também é importante refletir sobre a qualidade das pesquisas brasileiras na área de alfabetização. A maior parte dos especialistas responsáveis pelo Renabe analisou estudos experimentais mais rigorosos, estudos correlacionais, longitudinais etc. Enquanto que a maior parte das pesquisas brasileiras é de estudos teóricos e de revisão de literatura. Estudos teóricos são importantes, mas eles carecem muitas vezes de evidências que permitam corroborar ou rejeitar as ideias apresentadas. Imagine uma hipótese teórica esdrúxula do tipo: crianças devem aprender a ler e escrever comendo chocolate, simplesmente porque você, enquanto pesquisador, gosta de chocolate e acha que essa é a melhor forma de aprender. Mas é preciso que o especialista vá a campo, crie condições metodológicas apropriadas, investigue e descubra empiricamente que, ao comer chocolate, as crianças ficam felizes e aprendem melhor ou não. Isso, de fato, é uma evidência, que ainda assim precisará de mais estudos.
Em casos de revisão de literatura, é preciso escolher estudos que apresentem evidências, não apenas os que são de hipóteses teóricas. E a maior parte da literatura nacional é de discussões teóricas, reflexões críticas. Até mesmo agora durante a pandemia, no campo da alfabetização, o grande problema foi que só são apresentados argumentos teóricos no Brasil, poucos têm feito pesquisas a campo, diferente do que se observa em outros países. A qualidade das pesquisas brasileiras, portanto, deixa a desejar às vezes e nem sempre foi possível incluir pesquisas brasileiras que não preenchiam os critérios técnicos adotados.
A pesquisa brasileira é recente se comparada a de outros países, e há diferenças significativas na forma como a produzimos. Na pandemia, por exemplo, foram realizados vários estudos de revisão de literatura e poucos estudos empíricos. De modo geral, nós olhamos muito para o retrovisor, e isso agrega pouca coisa na literatura. Outro fator importante é que os estudos mais avançados, de alta qualidade, são publicados em sua maioria em inglês, a língua que mais se utiliza na ciência hoje. Há muitas pesquisas brasileiras de qualidade, mas os bons periódicos brasileiros, considerados A1, em geral, publicam apenas versões em português e inglês ou apenas em inglês. Temos cada vez mais um esvaziamento de pesquisa de boa qualidade em português, e esse é um desafio muito grande, porque pessoas só leem pesquisa de baixa qualidade ou revisão de literatura antiga.
Outro problema é que, principalmente nas áreas da educação e da psicologia, tradicionalmente se esquece que na ciência as "evidências não deveriam ter autores". Isso é, nós não deveríamos olhar para os autores o tempo todo, mas sim para a qualidade do estudo. Mas, no Brasil, há uma tendência de se atribuir à figura do autor uma importância maior do que a própria evidência que ele produz. O grande problema de se personalizar as evidências é que não se pode criticar figuras importantes, como acontece muito com Paulo Freire, Emília Ferreiro, por exemplo. Esse é um grande desafio e, se não o superarmos, não conseguiremos entender que as evidências mudam. Não é porque um trabalho foi muito importante durante um certo tempo que ele não possa ser revisto em face de novas evidências. O mundo muda muito e os novos estudos permitem grandes avanços. Por exemplo, hoje, comer ovo é bom, amanhã talvez não, depende do estudo, da metodologia, da população estudada.
Em sua perspectiva, o cenário é diferente na comunidade internacional? Por quê?
Renan Sargiani: Sim. As pessoas de fato costumam olhar mais para as evidências. Por exemplo, sabemos que os primeiros estudos sobre consciência fonêmica são da Isabelle Liberman e Alvin Liberman. Mas não ficamos referenciando o tempo todo, queremos saber quais são as novas evidências, o que se sabe sobre consciência fonêmica hoje. Quem descobriu a vacina da Covid-19? Ninguém fica discutindo isso, o que importa é se é eficaz ou não. As evidências devem ser mais fortes do que as pessoas que a produziram.
Que o Renabe seja recebido justamente como algo que tenta promover esses espaços de comunicação de evidências científicas, sem bandeiras de um ou outro autor. Não é o primeiro relatório, nem o único e nem o último, é apenas um caminho para mostrarmos o que já fizemos até agora e o que precisamos fazer.
Como estabelecer um diálogo com esse público, a fim de que haja unanimidade com relação às evidências? Em sua opinião, é papel do MEC fazer essa articulação?
O MEC deve ser um indutor. Os discursos agressivos do tipo "você está errado", “fulano não tem valor”, "nada do passado estava certo", "precisamos desconsiderar tudo" impedem a comunicação. É preciso, sim, olhar para o que foi feito, para as conquistas e, a partir disso, analisarmos onde podemos avançar. O MEC deveria promover espaços de debate saudáveis, como foi a Conabe, por exemplo. Isso deveria ser ampliado e incluir diferentes olhares, cada vez mais.
Quando temos a oportunidade de mostrar aos professores o que outros países estão fazendo e o caminho que precisamos seguir, eles compreendem que não se trata de algo sádico ou cruel com as crianças. Na verdade, todos queremos a mesma coisa: que os alunos aprendam a ler e escrever com prazer e sucesso, que sejam felizes, que obtenham conhecimento a partir da leitura. Queremos que todos tenham uma alfabetização com qualidade e equidade. Certamente temos muito mais em comum do que coisas que nos separam.
Deveria ser papel do MEC também mostrar que estamos do mesmo lado, olhando para evidências, para ajudar crianças a aprender a ler e escrever e ter sucesso na aprendizagem. Criar esse tipo de ponte é muito mais efetivo do que qualquer muro. Mas é preciso reconhecer que já existe muita animosidade no país, e isso dificulta muito o diálogo, pois as pessoas não se ouvem mais, elas só gritam entre si. É preciso recuperar os espaços de diálogos, de trocas.
E os especialistas/educadores contrários ao governo que, embora convidados, não aceitaram o convite para participar do evento?
Quando se cria um clima de guerra, a tendência é sempre achar que um convite é um "cavalo de troia". A maneira mais fácil é sentar, conversar e ser franco. Apenas por meio de um espírito aberto de tentar ouvir o outro lado e incorporar as novas evidências é possível mudar as coisas.
Não falo em nome dos outros painelistas e não estou tecendo uma crítica ao MEC. Estou chamando a atenção para o fato de que educadores não estão incorporando a ciência, e estamos criando mais barreiras do que pontes. Não tenho qualquer pretensão, por exemplo, de confrontar a professora Magda Soares e dizer que a minha evidência é melhor do que a dela. Até porque toda a experiência acumulada por esta pesquisadora de 88 anos é muito importante para nosso país. E seu livro "Alfabetização: Questão de Métodos" traz muitas das mesmas evidências que defendemos. Isso significa que, na prática, é só questão de tentarmos comunicar melhor as coisas. Essa é uma das maiores contribuições que o Renabe pode dar à sociedade: apontar o que já se sabe, o que temos a fazer, e mostrar que ninguém está guerreando, temos todos o mesmo objetivo, isso é, que crianças melhorem no acesso, na qualidade e na equidade da alfabetização.
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