No primeiro debate televisivo entre os candidatos à Presidência das eleições de 2022, no domingo passado (28), a educação foi uma figurante: nos poucos segundos dedicados ao tema, os participantes fizeram somente críticas genéricas à situação do Brasil na área, sem apresentar ideias concretas para a solução de problemas.
Isso pode ser, em certa medida, um reflexo do que acontece na própria população: em maio de 2022, na última pesquisa “What Worries the World”, do instituto Ipsos – que mede os temas que mais preocupam a população de diversos países –, a educação apareceu apenas em sétimo lugar no Brasil, atrás de pobreza, saúde, inflação, desemprego, corrupção e violência.
Os problemas da educação vêm perdendo interesse no debate público nacional, ainda que a situação do Brasil não justifique essa tendência. Há décadas, os estudantes brasileiros evoluem a passos curtíssimos nos exames nacionais, e o país tem desempenho pífio em comparação com outras nações no Pisa, o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, aparecendo nas últimas colocações.
Para alguns especialistas que se negam a integrar o status quo das discussões sobre educação no país, há um fenômeno que colabora para esta estagnação nos índices: a comunidade educadora está se acostumando com a mediocridade. Predomina entre alguns pedagogos com grande influência no debate público a ideia de que o aumento na escolarização e as pequenas evoluções de desempenho no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) seriam satisfatórias, e desprezam-se como ultrapassadas as receitas de sucesso de países, estados ou municípios que deram grandes saltos na educação em pouco tempo.
Portugal, um dos exemplos de nações que avançaram rapidamente no Pisa nas últimas décadas, recorreu a uma estratégia que costuma agradar pouco a correntes mais ideológicas da pedagogia, mas que tende a ser chave em praticamente todos os grandes casos de sucesso em políticas educacionais: o foco em resultados, com metas agressivas de qualidade. Segundo o ex-ministro da Educação do país, Nuno Crato, isso pode ser reproduzido em qualquer país.
“Se um país como o Brasil seguir as políticas corretas, e seguir com decisão, pode, em uma década, uma década e pouco, começar a ver resultados muito bons. Não é uma coisa que demore muito tempo, acho eu”, diz. “Olhem, por exemplo, para o Japão, para a Coreia do Sul, após a guerra. Em 10, 15, 20 anos, eles mudaram tudo. E, neste momento, o ensino na Coreia é um dos melhores do mundo, o ensino em Singapura é dos melhores do mundo, porque eles, a seguir à guerra, decidiram investir na educação – que não é só pôr dinheiro na educação”, observa.
Crato diz que, no caso de Portugal, a rápida melhoria nos índices se apoiou em dois pilares: avaliações exigentes e um currículo bem definido. “Essas são as duas coisas essenciais. São coisas relativamente simples, mas são as coisas que muita gente evita”, diz. “Muitas vezes, quando vou ao Brasil, eu digo: ‘Você quer perder peso? Então, pode inventar mil coisas diferentes, mas, se você comer menos e fizer mais exercício, perde peso. Não vale a pena estar a desviar com outras coisas… Pôr um oleozinho na barriga, olhar para o Sol no crepúsculo e respirar fundo, ir à curandeira… Isso não serve de nada. É muito fácil: você come menos e faz mais exercício. Para 99% das pessoas, a solução é esta, acabou. Não vale a pena estar a evitar o problema. Com a educação, é a mesma coisa: não vale a pena estar a evitar o problema. Não vale a pena estar a fugir.”
Outro componente importante do sucesso português, segundo ele, foi que as várias gestões do ministério entre 2003 e 2015 seguiram o mesmo modelo e “trabalharam essencialmente na mesma direção” da atenção aos resultados. “Foi uma ideia central para todas as pessoas que trabalharam em educação durante esse tempo”, afirma.
Para Gabriel Corrêa, líder de Políticas Educacionais da ONG Todos Pela Educação, “reformas educacionais, quando bem formuladas, implementadas e sustentadas, conseguem gerar resultados substanciais em oito a dez anos”. “É possível e preciso ter esse otimismo no Brasil, mas é um otimismo que precisa se traduzir em cobrança contínua do poder público”, diz.
O que atravanca o salto de qualidade na educação do Brasil?
Para a educadora Ilona Becskeházy, ex-secretária de Educação Básica do MEC, o Brasil também poderia ter resultados em pouco tempo, caso o status quo da comunidade educacional não se opusesse à adoção de metas mais agressivas e de modelos que já deram certo. “Se as receitas usadas em outros países forem usadas aqui, o resultado é rápido. Esta balela de eternidade para dar resultados é parte do discurso da resistência, e é o que realmente pode atrasar o processo todo de superação da ignorância gerada na escola”, diz.
Na visão dela, a receita da eficácia escolar tem os seguintes componentes: currículo, livros didáticos, avaliação e formação docente. “Em cada um desses campos há interesses consolidados que nunca permitiram que o país avançasse na direção já trilhada por países desenvolvidos. O caminho é sem novidades, portanto. Mas quem faz currículo está de mãos dadas com quem dá aula e com quem vende material educativo. Um currículo sério vai de encontro a muitos interesses, e é sistematicamente atropelado”, comenta.
Para Ilona, o caminho para um salto na educação do Brasil é simples – o que não significa fácil. O que mais dificulta uma transformação expressiva, segundo ela, são os interesses comerciais e ideológicos de pessoas e entidades com muito poder.
“População educada não interessa a populistas enganadores. Material de qualidade para quem só está acostumado a vender produtos rasos e preguiçosos significa sair da zona de conforto e perder margem. Avaliação séria incomoda, e formação docente para ensinar em vez de militar em sala de aula é impensável no contexto atual”, diz.
Fazendo a ressalva de que não é brasileiro e não deseja pontificar sobre a educação de um país onde não vive, Nuno Crato observa que o modelo de Sobral, no Ceará, poderia indicar uma boa direção para o Brasil nos próximos anos.
“Eu diria que vocês têm um problema fundamental, que é o problema da alfabetização. A alfabetização generalizada dos jovens na idade escolar do ensino fundamental I é uma coisa que é relativamente fácil de ser atingida, e que é decisiva, porque, sem estarem alfabetizados, os jovens não vão progredir nas outras disciplinas”, diz.
Crato se opõe aos modelos de ensino que pregam a alfabetização tardia. “Os jovens conseguem estar alfabetizados, conseguem estar a ler aos seis, sete anos. Conseguem. Não há razão nenhuma para não estarem alfabetizados aos seis, sete anos – até antes. Claro que alguns vão mais depressa ou mais devagar, mas não há razão nenhuma para esperar.”
Outro ponto importante, segundo ele, é o foco nas disciplinas básicas: a matemática e o português. “Centrar nisso, centrar na matemática e no português na primeira, segunda, terceira série… A seguir, claro, as ciências, as línguas – é preciso saber inglês, saber as ciências, a história, a geografia.”
Uma novidade que pode dificultar ainda mais a busca agressiva pela qualidade é o Sistema Nacional de Educação (SNE), um projeto de lei já aprovado pelo Senado federal e em tramitação na Câmara. O SNE é uma estrutura que tira do Ministério da Educação (MEC) a função de induzir políticas de qualidade, atribuindo a tarefa de definir políticas de educação a um conselho formado por entidades da sociedade civil, ONGs e alguns representantes do poder público. A consequência pode ser o engessamento dos modelos educacionais e a padronização da mediocridade, como mostrou reportagem de dezembro de 2021 da Gazeta do Povo.
Com o SNE, será menor a flexibilidade para a adoção de modelos de ensino eficazes que fujam dos padrões estabelecidos pelo conselho. Com isso, haverá menos chance, por exemplo, de fenômenos como o de Sobral (CE), ou da realização de parcerias público-privadas. A tendência é que se cristalize o modelo de ensino público de administração estatal, que tem sido um dos responsáveis por colocar o Brasil entre os piores do mundo em educação.
Resultados negativos também podem aparecer rápido
Crato lamenta que a gestão que o substituiu no Ministério da Educação em Portugal tenha abandonado as políticas educacionais que deram resultados positivos entre 2003 e 2015. A influência de certas concepções ideológicas acabou sendo determinante para isso, e a queda no desempenho já começa a ser sentida nos exames internacionais.
“O que é muito curioso é que a política mudou em nome da equidade, em nome da igualdade, em nome dos mais desfavorecidos. Mas, se formos ver as estatísticas, quem mais sofreu foram os mais desfavorecidos. Os mais desfavorecidos foram aqueles que mais sofreram com esta política mais laxista e menos exigente. E nós vemos que o número de estudantes abaixo dos mínimos necessários aumentou entre 2015 e 2019, tanto no PISA como no TIMSS (Trends in International Mathematics and Science Study, avaliação internacional de matemática).”
Outro exemplo de país que tem bom desempenho nos rankings internacionais mas está abandonando seu modelo de sucesso é a Finlândia. Segundo Crato, a decadência do ensino finlandês já se observa.
“A Finlândia agora dá muita atenção à chamada ‘multidisciplinaridade’ e ao chamado ‘ensino baseado no fenômeno’. A multidisciplinaridade está bem, tudo bem, mas ela significa que nós sabemos biologia e sabemos física. E, depois de saber biologia, de saber física, vamos tentar encontrar soluções para certos problemas – sei lá, para a hidráulica do coração –, ou seja, tentar perceber se aquilo que sabemos de física se aplica àquilo que sabemos de biologia. Vamos tentar juntar as duas coisas depois de saber cada uma delas. Mas o que a Finlândia está a fazer em algumas escolas é que, em vez de aprender biologia e aprender física, o aluno aprende as duas coisas ao mesmo tempo. Só aprende aquilo que interessa às duas coisas. Isso é altamente prejudicial, porque, com isso, nem se aprende bem física, nem biologia. Desestrutura a maneira como as coisas são feitas”, comenta.
Para Crato, “as disciplinas são fundamentais para a estruturação do pensamento”, e o ensino baseado no fenômeno, que suprime ou diminui a importância das disciplinas, tende a gerar maus resultados. “É má ideia acabar com as disciplinas ou pelo menos diluí-las num conjunto de coisas em que não se sabe bem o que se está a estudar. E é isso que é recomendado pelos líderes da Finlândia neste momento”, diz.
Outro erro da Finlândia, segundo ele, é que a ideia de seguir a vontade dos estudantes tem ficado cada vez mais popular. “Dizem que deve-se seguir muito a vontade dos alunos, que deve-se deixar os alunos, eles próprios, terem a sua iniciativa de estudo etc. Sim, é bom seguir a vontade dos alunos, mas o fundamental é seguir um currículo, e não a vontade dos alunos.”