Estudo foi o primeiro de grandes proporções a analisar a cor da pele em populações africanas em três países diferentes do continente: Tanzânia, Botsuana e Etiópia| Foto: pu/cha/jfPEDRO UGARTE

Uma pesquisadora brasileira integra um grupo de estudos da Universidade da Pensilvânia, na Filadélfia (EUA), que se debruçou sobre a evolução da cor da pele humana a partir de pesquisa realizada com populações africanas. O estudo foi publicado em outubro na revista Science, uma das mais importantes do mundo na área.

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O trabalho identificou que a pele clara não teve origem na Europa; ela já existia antes na África, com algumas das variantes genéticas encontradas hoje em europeus e outras exclusivas de populações daquele continente. O estudo mostrou uma variedade considerável na intensidade da pigmentação de pele em grupos de pessoas nascidos na África sem nenhuma miscigenação com populações europeias, variação maior do que a encontrada em qualquer outra parte do planeta. 

Entre as integrantes da equipe que trabalhou no tema, liderada pela geneticista Sarah Tishkoff, está a curitibana Marcia Holsbach Beltrame, formada em Ciências Biológicas pela UFPR e atualmente em um pós-doutorado da universidade da Pensilvânia. Os primeiros passos da pesquisadora na universidade aconteceram por meio do programa Ciência sem Fronteiras, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

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O ponto de partida do estudo foi a observação da variação considerável identificada na cor da pele em populações africanas e a falta de estudo sobre o tema tendo o continente africano como foco.

Embora a pele clara encontrada na África não seja tão clara quanto a observada na Europa, a pesquisadora destaca que os extremos de variação, tanto a pele mais clara quanto a mais escura, são adaptações mais recentes do que a variação encontrada nos ancestrais, e que suas características continuam em evolução. 

“O que descobrimos é que a pele clara em si não foi originada na Europa, não é algo recente. Já existia na África muito antes”, relata. A pesquisa detectou também que cerca de metade das variantes genéticas ancestrais determinam pele clara, e uma outra porção semelhante, a pele escura.

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A descoberta contraria o que se imaginava até então, de que as variantes presentes nos ancestrais do ser humano seriam sempre determinantes de pele escura. “Essa foi uma das grandes descobertas do nosso estudo”, comemora Marcia. “Descobrimos que ambas as pigmentações, clara e escura, surgiram antes da origem do homem moderno, em nossos ancestrais, e que ambas continuaram evoluindo ao longo da história dos hominídeos”. 

Marcia lembra que o que se conhecia até então sobre a determinação genética na cor da pela tinha origem em estudos realizados com populações europeias e algumas asiáticas, com poucas pesquisas analisando amostras pequenas de populações africanas. A importância da pesquisa realizada pela equipe da doutora Sarah, informa a paranaense, está no fato de esse ter sido o primeiro grande estudo sobre a cor da pele em populações africanas com a análise de 1.570 pessoas de três países diferentes do continente africano: Tanzânia, Botsuana e Etiópia. 

“Encontramos uma diversidade de pigmentação de pele na África maior do que em qualquer outra região do planeta, desde os caçadores coletores San do sul da África com as peles mais claras até pastores do leste africano com as peles mais escuras”, conta. 

Derrubando hipóteses 

Uma ideia comum era a de que a pele clara havia surgido apenas com a migração do homem moderno para fora da África, a partir de uma população africana de pele escura, e que se tornou comum por ser uma adaptação a um ambiente com mais escassez em radiação solar. 

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Havia ainda uma hipótese sobre o surgimento da pele escura nos ancestrais do homem moderno, que teria , à medida e quem foram perdendo, há cerca de dois milhões de anos, a camada de proteção proporcionada por uma grande quantidade de pelos.

“Já sabíamos que existia uma relação entre a coloração da pele e a latitude, resultado da seleção natural devido à dificuldade de síntese de vitamina D em regiões com pouca radiação solar”, aponta Marcia. Segundo a pesquisadora, já havia descrições de genes diversos associados à pigmentação da pele em populações europeias, assim como sobre o impacto das variantes genéticas encontradas na função dos genes. O que não se conhecia, detalha, era a variação na África, o local de origem do homem moderno, “e, portanto, também não se sabia que a pele relativamente clara não era uma novidade originada nas populações europeias”. 

Prevenção a doenças de pele 

O estudo realizado pela equipe da Universidade da Pensilvânia não estuda as doenças de pele causadas pelos raios ultravioleta, por exemplo. Mas segundo explica Marcia, as descobertas podem servir de ponto de partida para avaliações sobre como prevenir e tratar alguns problemas, incluindo o câncer de pele. 

Os genes analisados no estudo estão todos relacionados, de algum modo, ao funcionamento dos melanócitos, as células que produzem a melanina. “O gene DDB1, por exemplo, é importante para o reparo do DNA danificado pela radiação ultravioleta. Se o reparo não ocorre como deveria, essa lesão no DNA pode levar à formação de um tumor, um câncer de pele”, diz. “Não estudamos a doença, mas esse é o primeiro passo que servirá de base para estudos aplicados, que buscarão entender melhor como prevenir e tratar o câncer de pele e diversas doenças associadas à pigmentação, como o vitiligo, por exemplo”.

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Contribuição à luta contra o racismo 

Marcia espera que o trabalho realizado ajude as pessoas a conhecer melhor a história da evolução humana e que ajude a enfraquecer ideias racistas. À luz da biologia, a brasileira lembra que não existem raças humanas, e sim ancestralidade, uma característica única de cada indivíduo, e não um padrão para a caracterização de seres humanos. 

“A classificação de raças feitas pelo racismo é baseada em um número muito pequeno de características, e os africanos são sempre associados com uma cor de pele escura”, pondera. Marcia lembra ainda que as pigmentações de pele, sejam elas claras ou escuras, surgiram antes do homem moderno, há centenas de milhares de anos, e que ambas seguem em evolução. E que tanto a clara quanto a escura são apenas adaptações ao meio ambiente onde vivem determinadas populações. 

“As pessoas deveriam celebrar a grande variação genética humana, pois ela permitiu a sobrevivência da nossa espécie frente a todas as dificuldades impostas pelo ambiente”, conclui.