Há algumas semanas, a atriz Isabelle Drummond, protagonista da novela “Novo Mundo”, ambientada nos anos que antecederam a Independência do Brasil, apareceu em uma das cenas com um celular de última geração nas mãos. O ‘furo’ do smartphone, artefato impensável em pleno período joanino (1808-1821), foi rapidamente notado pelos telespectadores. O que o público não captou, porém, foi que Dom Pedro I e Pedro Álvares Cabral não são contemporâneos. Segundo uma pesquisa feita pela emissora, citada pelo colunista Daniel Castro, as pessoas que acompanham a trama acreditam que o pano de fundo, na verdade, é a época do Descobrimento, mais de 300 anos antes do período em que a Corte portuguesa chegou à colônia.
O levantamento feito pela emissora não tem valor oficial para determinar o nível de conhecimento médio do brasileiro, mas serve pelo menos como mais um indício assustador do que a educação básica está muito ruim. “As pessoas pensavam que Dom Pedro tinha descoberto o país, porque não tinham informação. Que país é esse?”, indignou-se o dramaturgo Silvio de Abreu. Então, afinal, em que caminho nos perdemos?
Quando se fala especificamente do ensino, um dos grandes desafios é tornar a História mais palpável para todos. Segundo o professor Marcos Antonio da Silva, da área de Ensino e Metodologia da História da USP, há uma disputa constante do sistema de educação com a cultura informal, que privilegia uma concepção imediatista do tempo. “Faz falta, no Brasil, um debate permanente sobre historicidades, temporalidades, durações, mudanças, continuidades e culturas diferentes no mundo”, afirma. “Daí a confusão entre realidades díspares, como a colonização portuguesa do século 16, essa mesma colonização no começo do século 19 e a imigração portuguesa no Brasil independente”, comenta.
Nos últimos anos, as escolhas teóricas na formação de professores também privilegiam muito mais o estudo de processos de longo prazo na sociedade do que o encadeamento e definição de datas, o que explica a mistura de contextos que parte do público de “Novo Mundo” fez. “Estudos sobre escravidão, por exemplo, vêm se mostrando mais importantes do que a história de ‘reis e batalhas’, como são chamados esses acontecimentos”, afirma o professor Carlos Alberto Medeiros Lima, do departamento de História da UFPR.
Ter de cor apenas a ordem cronológica não é suficiente para entender a História. “Restringir a História ao passado é um grave erro, a História está entre nós, ela se faz no dia a dia”, alerta Marcos Antonio da Silva. “Por outro lado, é muito ruim transferir automaticamente realidades do presente para diferentes passados e diferentes sociedades. Daí a necessidade de dominar cronologias, sem ficar rigidamente preso a elas”, completa.
O ensino de História também sofre com o mesmo impacto da realidade desafiadora representada para Matemática e Linguagem, avaliadas por índices como o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) ou o Pisa (sigla em inglês para Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), em que o país teve desempenho ruim. No primeiro, apenas o ensino fundamental I não ficou abaixo da meta estabelecida. No segundo, ficou em 63º lugar entre 70 nações diferentes na avaliação de Matemática, Leitura e Ciências.
“Certamente, as condições de trabalho no ensino básico, fundamental e médio contribuem negativamente para uma maior riqueza da aprendizagem em diferentes componentes curriculares, não apenas no campo da História”, acredita Marcos Antonio da Silva.
A ficção histórica pode estar na literatura, no cinema e na televisão e, ao contrário do que dizem os críticos, têm uma pedagogia própria. “Mas não substitui a escola. O dramaturgo, seja ele experiente ou não, não tem que cumprir necessariamente a função de um professor, que ensina História criticamente”, lembra Mônica Almeida Kornis, professora da Escola Superior de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, que pesquisa sobre História, cinema e televisão.
Além de “Novo Mundo”, a supersérie “Os Dias Eram Assim” também tem causado estranhamento. Ambientada durante a ditadura militar, a trama tem incluído cenas mais didáticas para deixar o público menos perdido. Mesmo assim, vale a pena ter uma visão crítica com cada acerto e licença poética do audiovisual. “O modelo que impera é o melodrama, que é maniqueísta e tem uma dimensão moral e menos política”, afirma Mônica.
“É importante como estímulo à curiosidade, que não substitui o saber histórico dotado de método, como é praticado na universidade e noutras instituições eruditas”, reforça Marcos Antonio da Silva.
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