O bullying é uma das formas mais traiçoeiras e letais de violência, que só depois de inúmeras demonstrações de sua brutalidade começou a ser estudada e evitada.
O bullying retira a autoestima, afasta dos sonhos, traz sofrimento, solidão e vergonha.
Esta definição de bullying não foi retirada dos manuais de psicologia ou psiquiatria. Esta definição é a mais próxima que a vida ensinou à minha consciência.
Eu fui vítima do bullying por quase toda a minha vida escolar (dez anos de perseguições ao todo).
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Eu era uma criança “gordinha” com problemas motores que não conseguia jogar bola e nem era tão ágil para brincadeiras em grupo.
Na adolescência, as minhas limitações motoras, sequela da hemiparesia direita[1], adquirida por conta da prematuridade do meu nascimento, renderam-me o isolamento e várias gozações perversas por parte dos meus colegas.
Devo salientar que sofri bullying em todas as instituições de ensino em que estudei.
Entretanto, de todos os períodos em que estudei, o que mais cruelmente me marcou foi enquanto aluno da oitava série do ensino fundamental. Naquela ocasião, conheci a pior face do bullying, fato este que mudaria a minha vida para sempre.
Era aluno de um grande grupo educacional no ano de 1998. Para mim, esse fato era a realização um sonho de infância: “Estudar naquele colégio”.
É a primeira vez que conto sobre a minha passagem pelo referido colégio – e o faço acreditando que posso ajudar as vítimas de bullying a superar os traumas, demonstrando que há a possibilidade de sublimação e de transformação do ódio em amor ao próximo.
"Paralisado", "coisa", "aberração"
O bullying que eu sofri naquele colégio consistiu em apelidos como “paralisado”, “coisa”, “aberração” com o comportamento hostil da turma, ridicularização pública e diária, e o isolamento.
No início, tudo acontecia dentro da sala de aula, no pátio durante recreio e nas aulas de educação física.
Esse problema foi levado para a coordenação pedagógica que sugeriu uma mudança de sala.
Pois bem, mudei de turma, para a sala ao lado para tentar me recompor e me livrar dos problemas com a antiga turma. Ledo engano!
Como as turmas interagiam entre si, logo todos souberam dos apelidos e também começaram a me ofender de forma igual à turma anterior.
Novamente esse problema foi levado à orientação, que tomou duas medidas, no mínimo errôneas. A primeira foi chamar alguns dos meus agressores para tomarem broncas e me pedirem desculpas dentro do gabinete da orientação. A segunda foi entrar em sala de aula e fazer os demais agressores me pedirem desculpas.
Essas “medidas pedagógicas” pioraram a minha situação por lá porque, além de fomentar o ódio dos demais alunos, os apelidos se espalharam pelo bloco inteiro obrigando-me a diariamente me isolar dos alunos na hora do recreio para não ser ridicularizado.
Os problemas permaneceram, as agressões verbais e o isolamento social pioraram, e os profissionais do colégio não tinham conhecimento necessário para tratar do problema. Além de afirmar que era uma fase da idade, também diziam que o problema era eu e não o bullying que eu sofria.
Isso durou até que a minha permanência naquele colégio ficasse insustentável, o que resultou em mais uma mudança de colégio.
Agora, quem estiver lendo este texto me perguntará: “Como eu fiz para superar o bullying?”
A minha primeira e grande salvação do bullying foi a descoberta da escrita como forma de manifestação por meio de letras de música, poesia e textos em prosa.
Dali por diante, as pessoas pararam de me ver como um sujeito a ser achincalhado, passando a me ver com admiração pelo talento com a escrita.
Esse meu bom trato com as palavras me fez contrariar todas as expectativas sobre mim e sobre o que as pessoas esperavam de uma vítima de bullying daquela época.
Eu decidi tomar um caminho muito diferente.
Ingressei na faculdade de Direito e, na metade do curso, percebi a carência de advogados especializados em bullying. Decidi, então, que estudaria a fundo uma forma de proteger quem sofre esse tipo de agressão.
Eu me tornei advogado e me dediquei às pesquisas científicas para criar uma ramificação da ciência jurídica focada exclusivamente para tratar dos casos de indenização pelos danos do bullying.
Acabei escrevendo nove livros, fazendo dezenas de palestras nas mais renomadas faculdades do país e, por isso, meus manuscritos e obras foram citados no Brasil e no mundo afora como base teórica sobre o tema.
As minhas palestras e apresentações me renderam grande simpatia do publico acadêmico e popular. Fiz um blog, “Bullying e Direito”, que mantenho até hoje, sempre postando as minhas pesquisas sobre bullying de forma gratuita para as pessoas acessarem.
Em 2012, depois de um bom tempo, meus trabalhos como pesquisador e cientista foram reconhecidos pela comunidade científica específica do bullying, o que me rendeu, inclusive, uma Moção de Aplausos, concedida pela Comissão de Direitos Humanos da OAB, da 4ª subseção Rio Claro (SP), em reconhecimento aos trabalhos desenvolvidos para prevenção do Bullying, em prol da Cidadania, dos Sujeitos Titulares de Direitos Humanos, da Sociedade Doméstica e da Comunidade Internacional.
Em setembro de 2017, entrei para a equipe do escritório “Valeixo Neto Bittencourt”, um dos maiores e mais renomados do Brasil em matérias indenizatórias.
Também, em 2017, ingressei no seleto grupo que compõe a Comissão de Responsabilidade Civil da OAB- Paraná.
Em 2018, tornei-me membro efetivo da Comissão de Direito Antibullying da OAB SP – Subseção de São Caetano do Sul.
Em 2019, passei a compor a Comissão da Criança e do Adolescente da OAB-Paraná.
O meu segredo para transformar a dor em sucesso é trocar a perspectiva desse problema.
O bullying mudou a minha vida. Trouxe sofrimento, é claro, mas me ensinou a não ser uma vítima da circunstância, a superar o medo, a respeitar e amar o próximo e a fazer novos amigos.
Sofrer bullying me trouxe um ideal, um sonho, uma filosofia de vida que busca a justiça e o respeito por meio da troca de informação e do diálogo entre culturas e conhecimentos.
Em resumo, faço da minha vida profissional um tributo às vítimas que não sobreviveram ao bullying e não presenciaram o início de uma era em que o mundo desperta a consciência para o combate a esta violência.
* Alexandre Saldanha, advogado especialista em bullying e mobbing, escritor, cientista, palestrante, ativista social, blogueiro e membro fundador da Liga Anti-bullying [alexandre@indenizacoes.com.br].
[1] O termo Paralisia Cerebral (PC) é usado para definir qualquer desordem, caracterizada por distúrbios da motricidade (alterações do movimento, do tónus muscular, da postura, do equilíbrio, da coordenação, com presença variável de movimentos involuntários) resultante duma lesão não progressiva do cérebro em desenvolvimento que ocorre desde a gestação até sensivelmente aos quatro anos de idade.
Esta patologia tem uma incidência de 1-2 crianças afetadas para 1000, sendo dez vezes mais comum nos recém-nascidos prematuros.