Em 1970, após protestantes contrários à guerra do Vietnã saquearem e atearam fogo ao prédio da Administração da Universidade da Carolina do Sul, o presidente da instituição montou uma força-tarefa para procurar uma solução para a agitação estudantil. Muitas reuniões, workshops e encontros depois, a universidade apresentou uma resposta – e ela não era tão simples quanto expulsar os vândalos e baderneiros.
Na verdade, a ideia era ensinar os estudantes a "amar sua universidade", por meio de um novo curso de orientação, de duração de um semestre, para os novatos.
Ali, nascia uma indústria. John Gardner, um professor assistente de História e ativista social, fez do curso uma instituição. Ele a chamou de a "Freshmen-Year Experience" (“A Experiência do Ano de Calouro”, em tradução livre), até decidir que o nome era sexista. Ele então foi mudado para "The First Year Experience", (“A Experiência do Primeiro Ano”, em tradução livre), também conhecida pela sigla FYE. Ele e seus discípulos promoveram tanto a iniciativa que ela se espalhou para mais de 90% das universidades americanas, e também cresceu ao redor do mundo.
Início
Os programas geralmente começam com uma "leitura-comum", um livro enviado para todos no verão anterior ao início das aulas. Então seguem palestras, grupos de discussão, seminários, cursos, exercícios, excursões, projetos artísticos, ativismo local, e qualquer outra coisa que as faculdades estejam dispostas a financiar.
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Os programas são tipicamente coordenados não por professores, mas por "profissionais extracurriculares" – profissionais que não possuem credenciais acadêmicas e que operam por fora do currículo regular. Eles não precisam dominar uma disciplina acadêmica ou transmitir um conhecimento já estabelecido. Assim, criam um "currículo extra", baseado no que querem que os estudantes aprendam, o que normalmente envolve muitas conversas sobre "diversidade" e "inclusão".
Esses profissionais tendem muito mais à esquerda que as faculdades e, de certa forma, possuem mais influência. Eles recebem os alunos primeiro, antes das aulas começarem, e é impossível evitá-los.
Ao escolher seu curso com cuidado, você pode evitar sermões progressistas disfarçados de conhecimento em alguns departamentos, mas todos precisam passar pela orientação dos programas de primeiro ano. Mesmo que vá estudar ciência computacional, literatura ou bioquímica, primeiro você terá que aprender sobre justiça social, sustentabilidade no meio-ambiente, pronomes de gênero e micro agressões.
Seus planos podem ser de obter sucesso através do trabalho duro, mas primeiro você precisará reconhecer seu privilégio ou discutir sua vitimização. Se você chegou à universidade esperando expandir seus horizontes intelectuais, você rapidamente será orientado sobre quais ideias fazem parte de uma “zona proibida”.
Muitos professores estão insatisfeitos com os resultados desse treinamento: os alunos são condicionados a reclamar de problemas imaginários. São susceptíveis que denunciam seus professores por abordar tópicos "inseguros", e também acabam formando grupos que silenciam os visitantes que possuem visões diferentes.
Além disso, muitos acadêmicos estão descontentes com o alto investimento financeiro e de tempo com as atividades extracurriculares, mas eles estão perdendo esta batalha. Para os presidentes das universidades e tesoureiros, a ideia por trás dos programas é a promessa de manter os calouros felizes o suficiente para continuarem na instituição. Afinal, cada desistência prejudica não apenas o orçamento da escola, mas sua posição no ranking da U.S. News & World Report, que tem, entre seus critérios, a taxa de retenção no primeiro ano.
Considerando o número crescente de novatos mal preparados para a universidade, não há dúvida que eles poderiam se beneficiar da aprendizagem de habilidades básicas – mas então, por que eles recebem mais trivialidades e ativismo social ao invés de algo útil academicamente? Por que esses programas estão em expansão enquanto professores ensinam cada vez menos tempo nas universidades?
A conferência
Para descobrir isso, fui para a grande exposição dessa indústria, a conferência anual da “Experiência do Primeiro Ano”, que atraiu mais de 1700 acadêmicos de 20 nações diferentes para San Antonio (Texas), no início de 2018. Não recomendo a experiência – os jargões eram enlouquecedores –, mas consegui aproveitá-la ao manter em mente o fenômeno conhecido como a Lei de Ferro da Burocracia.
Ela foi promulgada por Jerry Pournelle, um ensaísta e novelista americano. Ele acreditava que toda organização tem dois tipos de pessoas: aquelas empenhadas em promover a missão original da instituição – como os acadêmicos que querem que a universidade forme estudantes bem-educados – e aqueles dedicados a expandir a burocracia ao aumentar seus orçamentos e equipes. A Lei de Pournelle prevê que o segundo grupo irá, inevitavelmente, triunfar sobre o primeiro.
Quais autores todos calouros universitários deveriam ler? Se a escolha fosse feita por acadêmicos sérios, você pode imaginar quem seriam os candidatos sugeridos: Homero, Platão, Dante, Shakespeare, Austen, Tocqueville, Dostoievski, Du Bois, Faulkner… E é por isso que os professores não tomam a decisão. Eles não entendem as limitações desses autores. Claro, Platão e os outros foram famosos em seu tempo, mas todos eles sofrem de um defeito fatal: nenhum deles tem voz no campus.
Em seus lugares, são recomendados autores vivos e que possuem um discurso empolgante para os calouros de hoje, ou pelo menos para aqueles que escolhem os livros. É por isso que na convenção havia muitos lanches e jantares promovidos por editoras interessadas em disseminar não o conhecimento atemporal, mas as mais recentes novidades de seu catálogo. Ser escolhido como a leitura-comum significa muitas vendas – 5 mil cópias, dependendo da instituição –, e os editores estimulam seus autores a fazer palestras e comentários durante as refeições oferecidas.
O ideal é um orador dinâmico com uma história inspiradora, desde que seja a fonte de inspiração correta. Julie Lythcott-Haims, uma autora que possui uma fatia considerável desse mercado, foi um fenômeno na conferência desse ano.
Quando aluna de Stanford, Julie recebeu o requerimento de estudar uma disciplina chamada "Cultura Ocidental", mas ela e outros estudantes conseguiram eliminar essa exigência ao se juntar com Jesse Jackson (político democrata norte-americano e duas vezes pré-candidato à Presidência do país) em protestos que entoavam:
Au au au, fora Cultura Ocidental!
Ela cursou Direito em Harvard e teve uma curta carreira em direito corporativo antes de retornar para Stanford como reitora de calouros, o que a permitiu colocar sua filosofia cultural em prática.
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Quando um professor do comitê de leitura-comum de Stanford recomendou Possession, o best-seller de A.S. Byatt que venceu o Booker Prize (um dos mais importantes do Reino Unido) de 1990 e se tornou filme, Julie reconheceu os méritos literários da obra, mas acabou rejeitando-a por ser muito complexa para os calouros de Stanford (pouco importa se Stanford é uma das universidades mais seletivas do mundo).
Como reitora dos calouros, ela insistiu na escolha de livros que fomentassem "um senso de comunidade e pertencimento". Agora, depois de deixar a academia, ela escreveu um livro nesses moldes, definido como "um memoir pós-poesia".
"A minha memória de ser uma negra miscigenada em um país onde vidas negras não importavam", conta Lythcott-Haims para a audiência de um salão lotado. Mas, antes de entrar em mais detalhes, confessa: "Sou privilegiada. Tenho privilégios que percebo e privilégios que ainda nem sei que tenho."
Filha de uma imigrante britânica branca e um doutor americano negro que foi cirurgião-geral assistente dos Estados Unidos, ela cresceu em bons bairros e obteve sucesso acadêmico e social. No ensino médio, foi líder de torcida e presidente da turma, além de integrante do conselho estudantil. Mas, apesar dos sucessos, apesar das graduações em Stanford e Harvard, apesar dos empregos com bons salários, e apesar do best-seller que publicou sobre como criar os filhos, suas memórias relatam uma saga de opressão.
Ela descobriu o podre em meio a essas maravilhas ao recontar um incidente de sua época na escola. O principal ponto do livro, momento que a assombra por décadas, foi quando descobriu um rabisco no cartão de aniversário que uma amiga havia pregado em seu armário...
Alguém, talvez um colega com inveja de suas conquistas, descaracterizou o cartão ao escrever a "palavra N" (nos Estados Unidos é delicado, principalmente para os brancos, usar a palavra "Nigga", devido à carga histórico-pejorativa atribuída ao termo – daí o uso do "eufemismo" palavra N) com a grafia incorreta "niger".
"Essa é a história de como, apesar de todo o privilégio e oportunidade, o país me fez abominar meu eu negro, minha pele marrom", conta à audiência.
Não está muito claro porque um jovem intolerante semialfabetizado deveria representar toda uma nação.
Mas isso não impede Lythcott-Haims de prosseguir com denúncias contra a polícia, Donald Trump, Sarah Palin, e pessoas brancas de modo geral. Seus relatos são repetidamente aplaudidos pela audiência (predominantemente branca).
Julie explica por que deixou sobrando uma margem considerável em cada página do livro: "Como uma negra, eu não tenho acesso à página inteira", diz. Ela completa com a leitura da passagem: "Você pensa que sua cor o torna melhor que nós. Você faz de nós o seu bode-expiatório, sua desculpa para seus ataques violentos."
Em suas memórias, mesmo os progressistas brancos bem-intencionados são culpados de deslizes involuntários. E não tente sugerir que ela releve esses erros, porque ela classifica a sugestão de "supere isso" como um exemplo de microagressão. No livro, os não progressistas são simplesmente classificados como maus. Quando Peter Thiel e outros colegas lançaram o veículo conservador Stanford Review, Julie disse "temer até a morte esses brancos veiculando seu desdém pela nossa existência".
Quando ela vê Clint Eastwood discursando para uma cadeira vazia representando o presidente Obama na Conferência Nacional do Partido Republicano, ela acredita que isso "simboliza a cadeira abaixo dos negros prestes a serem enforcados em uma árvore sulista."
Tudo isso faz parte da missão de criar um "sentimento de comunidade e pertencimento", desde que a comunidade não inclua nenhum republicano. A escrita é pavorosa, mas você tem que reconhecer que Lythcott-Haims conhece sua audiência. Os administradores dos programas dão a ela uma calorosa ovação, e depois ainda perguntam quanto cobraria por uma palestra no campus. A competição por autores negros nos campi está alavancando seus cachês – e talvez até mesmo induzindo a repulsiva sensação de privilégio.
Um grande negócio
Quando a Universidade do Oregon recomendou a leitura de Between the World and Me (“Entre o Mundo e Eu”, no Brasil), foram pagos 41.500 dólares a Ta-Nehisi Coates (além do requerimento contratual de um suprimento de barras de granola com chocolate).
Os estudantes reclamaram que o dinheiro foi mal gasto. Coates estava agendado para uma palestra seguida de perguntas e respostas de 75 minutos de duração, mas após 40 minutos ele deixou o palco, sem responder perguntas. Não pareceu uma atitude muito inclusiva de sua parte.
Para as universidades que não conseguem pagar alguém do calibre de Coates, a Conferência do Primeiro Ano é uma chance de encontrar alternativas mais baratas. Além de Lythcott-Haims, Patrisse Khan-Cullors é outra autora (da própria biografia) que recebeu recepção calorosa pelo seu livro, When They Call you a Terrorist: A Black Lives Matter Memoir (“Quando Te Chamam de Terrorista: Memórias no Black Lives Matter”, em tradução livre).
Os administradores também lotaram um salão para ouvir sobre All American Boys, um romance escrito para protestar contra as mortes de Trayvon Martin e Michael Brown (jovens negros vítimas da violência policial). O protagonista é uma mistura dos dois mártires, com apenas alguns detalhes sendo alterados. Ao invés de bater a cabeça de um branco no passeio, como Martin fez, ou roubar e atacar um policial, como Brown fez, esse jovem afro-americano é um cliente pacífico em uma loja de conveniências. Ao ser injustamente acusado de roubo por um policial branco, ele tem seu rosto jogado contra o asfalto.
Os autores da obra, um branco e um negro, exaltam sua colaboração como um modelo de como raças podem se comunicar entre si – ou pelo menos comunicar-se em uma direção, como sugere à audiência o autor branco, Brendan Kiely.
"A coisa mais importante que posso fazer como um homem branco é ouvir, ouvir e ouvir a verdade vinda das comunidades de cor ao redor do país. Quero superar a branquitude. Porque, como uma pessoa branca, não posso falar sobre racismo ou desmantelar o sistema que o suporta. Ou erradicar o racismo propriamente sem antes lutar contra a branquitude. É a branquitude que perpetua o racismo", afirma.
A plateia aplaude e escuta avidamente quando Kiely esboça as possibilidades de uso de seu livro nas universidades: "Deveríamos estar falando de consciência de raça em todas as disciplinas do ensino superior. Você pode falar disso nas aulas de matemática. Você pode falar disso nas aulas de pedagogia. Você pode falar disso nas aulas de humanas."
A conexão entre a matemática e Trayvon Martin não é explicada, mas ele não precisa fazê-lo. A audiência sabe que racismo é o tópico da moda no ensino superior. Tem sido o tema mais popular nos livros de leitura-comum nos últimos três anos, de acordo com a National Association of Scholars (NAS), que tem feito esse levantamento pelo país durante a última década.
O último relatório da NAS, grupo dedicado a reviver a tradição das artes liberais (e abrigo para não-progressistas na academia), analisa mais de 350 livros da lista de leitura-comum de universidades, e descobre uma "contínua obsessão com raça", assim como uma "infantilização" dos estudantes.
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Os três livros mais indicados são de Coates, Bryan Stevenson e Wes Moore, todos lidando com os maus-tratos às comunidades afro-americanas. Outros livros do top 10 lidam quase todos com afro-americanos ou algum outro grupo identificado com justiça-social, seja ele de mulheres, imigrantes, muçulmanos, latino-americanos ou asiático-americanos.
"Multiculturalismo" é a palavra da moda nos tratados da missão dos programas de leitura-comum, mas sua versão disso não inclui culturas passadas ou autores estrangeiros. Quase todas as universidades escolhem livros, predominantemente da última década, de autores americanos vivos. Na pesquisa nacional da NAS, só 6% dos livros foram publicados antes do ano 2000, e menos de 2% antes de 1900. Os autores contemporâneos recomendados raramente são os peso pesado da literatura.
Existem romances para Young Adults (gênero voltado para jovens entre 14 e 21 anos) e histórias em quadrinhos, mas nada de Martin Amis, Annie Dillard, Alice Munro (é isso mesmo. Não precisa checar.), V. S. Nainpaul ou Tom Wolfe.
70% das leituras comuns são não ficções, sendo, em muitos casos, medíocres. Se o tema é gênero, os estudantes vão ler Roxane Gay: Bad Feminist ("Má Feminista. Ensaios Provocativos de Uma Ativista Desastrosa", no Brasil.) Ou as memórias transgênero de Janet Mock: Redefining Realness: My Path to Womanhood, Identity, Love & So Much More (“Redefinindo a Realidade: Meu Caminho à Feminilidade, Identidade, Amor & Muito Mais”, em tradução livre), ao invés de Segundo Sexo, de Simone de Beauvoir.
O relatório da NAS conclui que as obras mais lidas não estão introduzindo os jovens à grande literatura, mas, bem, esse nunca foi o ponto mesmo.
Para um administrador de Programas do Primeiro Ano ambicioso, a recomendação da leitura-comum aos novatos é apenas o início. A mensagem do livro e outros temas progressivos ainda são ampliados durante a "programação extracurricular", que incentiva o "diálogo entre colegas" e o "engajamento civil" através da "experiência de aprendizado baseada na justiça social", como citava uma apresentação em power point na Convenção de San Antonio.
Durante a orientação, estudantes trabalham o livro em grupos de discussão, competições de artigos e exercícios como preencher uma tabela de "privilégios brancos". As lições continuam durante o ano acadêmico em workshops e palestras, como descrevem de forma entusiasmada os líderes da Texas Tech Honors College.
Todos os calouros dessa universidade precisam ser aprovados em um teste semanal de "Aprendizado em Comunidade". O teste abrange tópicos como "Gênero e Sexualidade", "Cenários de Assédio Sexual", "Microagressões e Privilégios" e, claro, "Raça e Etnicidade".
Após fazer exercícios como o "Race Card Project", em que os estudantes escrevem seis palavras sobre o que significa raça para eles, os alunos demonstram seu conhecimento do tema ao responder questionários que perguntam se eles concordam ou discordam de afirmações como "Entendo que minorias étnicas ainda sofrem com a falta de privilégios nos Estados Unidos".
Será que você consegue adivinhar a resposta correta? Os estudantes também realizam um teste de atitudes implícitas, que supostamente detecta seu viés racial no inconsciente, ao avaliar tempos de reação a palavras e imagens.
A confiabilidade e aplicabilidade desses testes já foram tão desmascaradas pela literatura das ciências sociais que até mesmo aqueles que o desenvolverem admitem sua incapacidade de prever comportamentos.
Suas limitações são óbvias até mesmo para os administradores do Programa de Primeiro Ano de Texas Tech, que lamentavam contar como uma estudante iluminada – "muito pró-feminismo, de esquerda, e pró-questões de raça" – ficou devastada ao descobrir que seu resultado apontou um forte preconceito inconsciente contra negros. Os administradores consolaram a estudante: "Está tudo bem. Não é isso que o teste significa. Você não é racista". Porém, não foi dada nenhuma explicação sobre por que então o teste é aplicado aos calouros.
Após estudar justiça social nas aulas, as lições são expandidas, por meio de excursões e "projetos sociais". Se o tema da leitura-comum é encarceramento irregular, os calouros podem visitar as prisões e colaborar em projetos de arte usando pedaços dos uniformes dos detentos. No caso dos temas de sustentabilidade, são montadas hortas nos dormitórios ou feitas viagens ao mercado de fazendeiros para comprar comida local.
Já se a leitura-comum discorre sobre o tratamento ruim de imigrantes como Enrique's Journey (“A Odisseia de Enrique”, publicado apenas em Portugal), de Sonia Nazario, estudantes participam de atividades como dar as mãos a imigrantes e a criação de camisas de apoio à Dreamers Bill (projeto de lei que permitiria a muitos imigrantes o visto de residência permanente nos EUA).
Mas como esse ativismo social ajuda os calouros a obter sucesso nos seus cursos universitários?
A Conferência apresentou respostas maravilhosas. Em uma sessão intitulada "Entendendo e Apoiando Ativistas Estudantis no Primeiro Ano", Carli Rosate e Quan Tran, da Universidade de Ohio, apresentaram um estudo que mostrava "entrevistas, fotos provocativas e mapas de calor" para mostrar o "sentimento de pertencimento" dos ativistas.
Eles relataram que "o envolvimento em ativismo estudantil na universidade ajuda nas formações pessoais, profissionais e identitárias", o que levou a uma conclusão muito bem-vinda pela plateia: "Profissionais com ensino superior precisam se ver como aliados a causas ativistas".
Sejam lá quais são os benefícios para os estudantes, o ativismo com certeza é bom para os administradores. Assim como em 1970, quando a manifestação na Universidade da Carolina do Sul inspirou o primeiro programa, a primeira resposta dos presidentes das instituições aos protestos estudantis é injetar dinheiro nos Programas de Primeiro Ano e seus colegas de burocracia extracurricular – grupos com nomes como Vida de Estudante, Sucesso Estudantil, Diversidade e Inclusão, e Assuntos Multiculturais.
É uma das razões do crescimento do número de administradores nos campi, 10 vezes mais rápido que o crescimento do número de professores nas últimas décadas, de acordo com o Departamento Americano de Educação. Professores e estudantes não conseguem escapar da Lei de Ferro da Burocracia. Enquanto acadêmicos se preocupam com a falta de empregos em tempo integral, e os estudantes reclamam que seus cursos são ministrados por trabalhadores de meio-período, os burocratas estão expandindo seus programas para criar mais ativistas – e assim mais protestos – para expandir suas equipes.
Esse ciclo foi bem ilustrado por um gráfico chamado "Linha do Tempo do Ativismo no Campus", apresentado pelos administradores do Programa de Primeiro Ano da Universidade do Kansas.
A linha do tempo começava no final de 2015, quando houve uma série de protestos de estudantes e burocratas do Departamento de Oportunidade Institucional e do Departamento de Assuntos Multiculturais da Universidade. Os estudantes tomaram o palco durante um encontro da prefeitura, invadiram aulas e ocuparam o escritório do chanceler, com resultados previsíveis: a universidade criou mais um ente burocrático, o Grupo Consultor de Diversidade, Equidade e Inclusão, que concluiu que o combate ao racismo enraizado na universidade precisaria de "recursos adicionais".
"Os ativistas estudantes abriram a porta [para essa oportunidade]", diz Howard Graham, um dos administradores da Universidade do Kansas, ao relatar o "tremendo crescimento do programa".
A universidade então financiou workshops em "Diálogos Complicados" e "Desconstruindo Privilégios". Dúzias de palestrantes foram pagos para ir até o campus para conversas sobre raça. O Programa de Primeiro Ano trabalhou em parceria com o Museu de Arte da instituição para mostrar uma exibição baseada na leitura-comum do ano seguinte, “Entre o Mundo e Eu”, de Coates.
Além disso, professores foram incentivados a incorporar o livro em mais de duzentas classes. O ano seguinte viu nova exposição artística celebrando a leitura-comum, Citizen (Cidadão), de Claudia Rankine, uma obra sobre poesia e micro agressões contra negros, que acabou incorporada a ainda mais aulas. "Facilitadores" do programa promoveram discussões sobre o livro nos dormitórios, com sessões opcionais exclusivas para alunos negros.
Os administradores estavam claramente orgulhosos de seus esforços, mas confessaram estar um pouco desapontados com um resultado em específico. Em pesquisas feitas após as discussões sobre os livros de Coates e Rankine, mais de 80% dos facilitadores concordaram que "a discussão ensinou elementos que os alunos poderiam utilizar na vida no campus", mas a maioria dos estudantes discordou.
Eles não acreditavam ter aprendido algo útil. Alguns até comentaram que "raça era um assunto que eles estavam cansados de falar sobre", o que apenas provou para os administradores que ainda havia muito trabalho a ser feito.
"Sabemos que estudantes não são muito bons ao identificar seus próprios momentos de aprendizado", explicou Sarah Crawford-Parker, outra das administradoras.
Eles haviam visto ignorância estudantil parecida em outra pesquisa feita algumas semanas antes, quando a leitura-comum era A Farewell to Arms (“Adeus às Armas”, no Brasil), de Ernest Hemingway. Essa escolha atípica foi considerada uma falha pelos facilitadores, que criticaram a "misoginia" e "hipermasculinidade" de Hemingway.
Mesmo assim, de alguma forma, estudantes consideraram a experiência um sucesso. A maioria relatou ter aprendido algo útil a partir de um livro escrito por um branco que já morreu. Como isso seria possível?
Se houvesse um prêmio para o palestrante menos popular na Conferência de San Antonio, David Randall teria vencido facilmente. Ele é o autor do relatório da Associação Nacional de Acadêmicos sobre os programas de leitura-comum, concluído com recomendações detestadas pelos administradores.
O relatório pede que as universidades deixem professores, e não os burocratas extracurriculares, escolherem as obras. Ou seja, promover variedade intelectual ao invés de dogmas progressistas; enfatizar ficções e escolher livros baseado na sua qualidade literária, e não na sua "acessibilidade" ou "relevância" – ou a disponibilidade dos autores em discursar nos campi.
"Estudantes universitários são capazes de ler obras clássicas", Randall disse à audiência, citando os poucos exemplos usados em programas de leitura-comum: A Ilíada, em Columbia, Conto do Inverno, em Utah State e Oração Fúnebre, de Péricles, na Universidade da Flórida.
"Se funcionou para eles, pode funcionar para vocês", exclamou, adicionando recomendações dos trabalhos de Dickens, Twain e Tolstói. Mas ele não conseguiu atingir ninguém. Poucas pessoas apareceram para ouvi-lo, e os únicos comentários foram hostis, como o sermão feito por uma administradora britânica:
São todos livros de homens brancos. Queremos que as alunas se sintam empoderadas, que tenham o senso de que elas podem escrever livros. Você não está oferecendo uma experiência diversa.
Randall insistiu que a experiência oferecida era diversa: "Falar sobre diversidade para audiências modernas não é nada se comparado a entrar na cabeça de um guerreiro da Grécia antiga", argumentou, apontando a pouca diversidade ideológica existente nos programas de leitura-comum.
"Existem alguns livros conservadores, mas são muito poucos. Você tem a biografia de Sonia Sotomayor. Mas você nunca tem a autobiografia de Clarence Thomas", completou.
Ninguém questionou a tendência ideológica dos livros, mas ninguém pareceu se incomodar. A virtude do progressismo está acima do debate, como aprendi ao tentar discutir o assunto com pessoas na conferência. Perguntei se eles já haviam considerado discutir questões raciais utilizando autores não progressistas, como Thomas Sowell, Walter Williams ou Jason Riley.
Em alguns casos, fui recebido com hostilidade – "Por que iríamos promover as políticas conservadoras que colocam as minorias em desvantagem?" –, mas a principal resposta era a perplexidade. Eles olhavam para mim, sem entender: “quem?”.
Essa monocultura ideológica me lembrou outro princípio organizacional, sendo este promulgado pelo jornalista conservador John O'Sullivan: todas organizações que não são de direita, com o tempo, se tornarão de esquerda.
A lei de O'Sullivan é consequência da Lei de Ferro da Burocracia, pois os princípios esquerdistas promovem o crescimento da burocracia com maestria. "O problema do socialismo é que ele requer muitas tardes", reclamou uma vez Oscar Wilde.
Mas, para os esquerdistas, essas longas reuniões da tarde são uma qualidade, não um defeito. Eles prosperam em reuniões. Eles amam formar comitês para examinar problemas (reais ou imaginários). Com seu zelo pela reforma e pela regulação e sua paixão pela empatia, eles possuem a energia necessária para falar e durar mais que qualquer um – e então serem colocados no comando de um programa para resolver um problema. Se a solução apresentada cria problemas ainda maiores, bem, então teremos mais reuniões.
Essa é a história da indústria da Experiência do Primeiro Ano e do resto das burocracias extracurriculares. A academia foi tomada por esquerdistas que prometem resolver os problemas que eles mesmos criaram.
Os ativistas dos anos 1960 e 1970 criaram feudos étnicos e raciais com a promessa de promover a harmonia nos campi, mas na verdade eles acentuaram as divisões, promovendo um tribalismo tóxico e a intolerância.
Programas de ações afirmativas deveriam ajudar estudantes pertencentes a minorias a prosperar, mas estão, na verdade, preparando os alunos para a falha, ao admiti-los em universidades em que estão competindo contra colegas mais bem preparados.
Como foi demonstrado repetidamente em estudos (e no livro Mismatch, de Richard Sander e Stuart Taylor Jr), se estudantes pertencentes a minorias vão à universidade planejando uma carreira em ciências ou engenharia, aqueles admitidos via políticas de preferência racial são desproporcionalmente mais propensos a abandonar essas graduações por conta de dificuldades nos complicados cursos introdutórios de ciências e matemática.
Da mesma forma, a visão progressista do Ensino Superior para todos tem enchido os campi de alunos que não estão preparados para a faculdade, um problema que os administradores dos Programas de Primeiro Ano prontamente reconhecem. É a sua primeira linha de defesa quando explicam a escolha de livros simples. Eles apontam que alguns dos calouros nunca leram um livro inteiro em suas vidas. Então, por que recomendar a eles um clássico cuja leitura nunca será terminada?
Mas então, qual é o ponto de arcar com as despesas de estudantes despreparados para as atividades do nível universitário? A resposta é, como sempre, a Lei de Ferro da Burocracia.
Os alunos não aprendem nada útil e estão perdendo tempo em grupos de discussões, excursões e ativismo, ao invés de estudar. Seus custos estão pagando por grandes equipes e programas que as mantém nas universidades. Quanto maior a dificuldade, maior o orçamento extracurricular.
As faculdades e os estudantes podem sonhar com esse dinheiro sendo gasto com professores em tempo integral ensinando turmas menores, mas os burocratas têm outros planos.
John Gardner, fundador da indústria dos Programas de Primeiro Ano convidou seus colegas em San Antonio a participar de outra conferência organizada por ele, a Gateway Course Experience (“Experiência do Curso Porta de Entrada”, em tradução livre), dedicado a ajudar mais estudantes pertencentes a minorias a passar nas disciplinas introdutórias de matemática e ciências.
Esse esforço, ele explicou, requer novos programas para combater o "racismo institucional" responsável pelas notas baixas. Então, talvez, professores de cálculos dos calouros enfim utilizarão aquele romance de Trayvon Martin.
Era óbvio para Gardner e seus parceiros que os estudantes precisam de uma ajuda além daquela oferecida pelos Programas de Primeiro Ano. Felizmente surgiu um programa completamente novo para ajudá-los: a Experiência de Segundo Ano. Até aqui, ela só existe em algumas universidades, mas é só esperar que outras instituições também o adotarão. É a Lei de Ferro.
©2018 City Journal. Publicado com permissão. Original em inglês.
Tradução: Rafael Baltazar.
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