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 | Marcos Santos   / USP Imagens.
| Foto: Marcos Santos / USP Imagens.

Recentemente a CAPES (Conselho Superior da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) encaminhou ofício ao governo federal solicitando a preservação de sua verba, em uma tentativa de evitar um possível corte orçamentário. 

De acordo com o ofício, se houvesse o corte orçamentário teríamos a “suspensão do pagamento de todos os bolsistas de mestrado, doutorado e pós-doutorado a partir de agosto de 2019”, a “suspensão dos pagamentos de 105 mil bolsistas a partir de agosto de 2019, acarretando a interrupção do Programa institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid)”, a “Interrupção do funcionamento do Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB)”, etc. Parece assustador. Mas, de forma alguma, situações como essa são surpreendentes, imprevisíveis.

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A publicação do ofício causou imediata reação no meio acadêmico, havendo uma “quase unanimidade” quanto ao medo de que o corte orçamentário se torne real em 2019. Mas gostaria apenas de propor que refletíssemos sobre essa situação sob outra perspectiva. Sei que minha consideração será impopular e causa de ojeriza especialmente no âmbito acadêmico, mas tentemos ver retroativamente, para talvez identificarmos a causa dessa situação.  

Quando ingressei como professor em uma Universidade pública, em 2005, já estava em andamento uma política governamental de expansão das Universidades: novos cursos, novas vagas, novas Universidades, novos programas educacionais, novas pós-graduações. 

À época lembro-me de dizer (contrariando o mainstream) que tal expansão exacerbada em algum momento cobraria seu preço. A ideia em sua aparência era bonita. Mas me preocupavam suas consequências. E isso por algumas razões. Em primeiro lugar, tomando como inspiração Milton Friedman, diria que “não existe ensino gratuito”. Alguém paga a conta (nesse caso, os pagadores de impostos). 

De acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) o Brasil é um dos países que menos investe no ensino fundamental e médio, mas um dos que mais investe no ensino superior. Ou seja, formamos pessimamente os estudantes nos ensinos fundamental e médio e os “incluímos” nas Universidades, ainda que eles não estejam devidamente preparados para ingressar em um ensino supostamente “superior”.

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O despreparo desses estudantes pode ser mensurado mesmo ao concluírem o curso superior, como indica o estudo de 2016 intitulado ‘Estudo especial sobre alfabetismo e mundo do trabalho’, do Instituto Paulo Montenegro, onde vemos que “apenas 22% dos que estão para concluir ou concluíram a educação superior são proficientemente alfabetizados”. Imaginem, então, o que encontramos dentre os calouros. 

Analfabetismo funcional é um dos problemas que enfrentamos especialmente com estudantes que estão ingressando na Universidade, os quais muitas vezes sequer conseguem interpretar um texto simples ou expressar uma ideia. Dada a equivocada ideia de que todos têm o direito de estar em uma Universidade (independentemente de estarem devidamente capacitados), esses estudantes são “incluídos” e nela permanecem por algum tempo, sendo que, de acordo com o Censo da Educação Superior, de 2009 a 2016 um estudante em uma Universidade Federal custava anualmente em torno de R$ 37.5 mil.

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De acordo com o IBGE, milhões de candidatos ingressam anualmente no ensino superior, sendo que a cada 10 estudantes que se matriculam, 3 desistem. Desistências são crescentes (de 2012 a 2016 o número de vagas ociosas aumentou 36%). Embora certamente sejam várias as causas, certamente a incapacidade de se adaptar a um curso superior é uma delas (exceto, é claro, nas situações em que os cursos reduzem seus padrões de exigência para que todos obtenham seu diploma, algo atualmente comum, em verdade um corolário da ideia de “universidade para todos”). Daí a atual discussão sobre o problema da “permanência na Universidade”, o qual, em minha opinião, é um pseudoproblema: a permanência deveria estar ligada à capacidade e ao estudo (esforço). Simples assim. 

 Além desse custo para os pagadores de impostos, há o custo para o estudante que se desliga, o qual, além de ter afetada sua autoestima, acabará tendo que se adaptar tardiamente a uma atividade que não exige curso superior. E tudo isso em nome da equivocada ideia de que todos devem, para prosperar, entrar em uma Universidade. Esquecem que empreendedores como Steve Jobs, Bill Gates, et al, não têm curso superior. 

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Outro problema é a planificação desses programas. Ou seja, burocratas, “intelectuais”, et al, simplesmente decidem que cursos criar, quantas vagas gerar, etc. Eles inserem informações falsas no sistema educacional (e no mercado), gerando a expectativa de se encontrar um emprego na área em que se obteve diploma. Ora, dentre os que conseguem ir até o fim do curso universitário, quantos se inserem no mercado de trabalho, em uma atividade que exige seu diploma, sua formação acadêmica? A criação de alguns cursos, a geração de mais vagas, etc, simplesmente ignora que o melhor sistema que temos para mensurar se um empreendimento (ou curso superior) será bem sucedido é a análise de mercado (ou seja, sabermos o que as pessoas realmente querem, do que elas realmente precisam, etc). 

De que adianta criarmos nos estudantes a expectativa de que após alguns anos eles terão uma oportunidade quando estamos formando milhares como eles para algumas poucas (ou nenhuma) vagas de trabalho? Uma das alternativas criadas para a resolução desse problema foi a criação de novas pós-graduações e outras modalidades de programas que ofereciam bolsas. Ou seja, o estudante, embora não ingressasse no mercado de trabalho, conseguia algo compensatório: uma bolsa para permanecer na Universidade. E com isso fomos empurrando o problema. 

Resultado? Após bilhões investidos, temos um imenso contingente de graduados ou mal formados (lembrem-se do estudo do Instituto Paulo Montenegro) ou simplesmente desempregados (ou em empregos que não exigem diploma em curso superior), bem como mestres e doutores desempenhando funções que não requerem sequer alguma graduação. E eis o realmente preocupante: temos doutores altamente qualificados em profissões que não exigem esse nível de formação, como corretores de imóveis, garçons, etc. São os efeitos do aumento impensado das vagas na graduação e pós-graduação. E esses efeitos são terríveis para esses indivíduos, que não apenas perdem seu tempo, mas que também sentem a frustração e os efeitos terríveis disso em sua autoestima. 

Tudo isso porque alguns “intelectuais” (no sentido que lhes é dado por Thomas Sowell) criaram uma política educacional bela em aparência, mas nefasta em suas consequências. E eles são resolutos na perseguição de más ideias: em 2014 o Plano Nacional de Educação simplesmente colocou como meta o seguinte: formarmos 25 mil doutores por ano até 2020. Os “ungidos” que estabeleceram essa meta pensaram em suas consequências em longo prazo? Suspeito que não.  

Em suma, um dia a conta chega. Ela chegou. Algumas ideias equivocadas, desligadas da realidade, que geraram essas políticas educacionais populistas (expressas nos mantras “Universidade para todos”, “Universidade aberta”, etc), são a causa do problema que agora enfrentamos (esse problema não acaba de surgir: ele foi gestado ao longo de mais de uma década). 

Tais políticas ignoraram alguns fatos, como, por exemplo, o fato de que não existe ensino gratuito e o fato de que a universidade não é para todos. Nem sempre os fatos são belos e nos agradam. Mas como nos sentimos não muda a realidade. E, se a ignoramos, enfrentamos os problemas que são agora inescapáveis. Quantos danos ainda causaremos até nos apercebermos que devemos refletir sobre as ideias até suas últimas consequências, prospectivamente, para evitarmos os graves problemas que elas eventualmente irão causar?  

Creio que cabe, agora, rever tal política expansionista, estabelecendo limites, critérios rigorosos focados na qualificação daqueles que irão disputar uma vaga no ensino superior (em sua trajetória desde o jardim de infância até o final do ensino médio).

Não apenas isso, devemos priorizar a “excelência” daqueles que ingressam na Universidade, focando no desenvolvimento das capacidades, na inovação e na eficiência. Isso não apenas restringirá de forma legítima o acesso ao ensino superior: justificará ele se chamar “superior”. Como está, ele não é superior, mas prosaico. Não apenas isso, ele é caríssimo e causa de danos sociais, econômicos e individuais.

*Graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), Mestre em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), doutor em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), com estágio doutoral na State University of New York (SUNY). Foi Professor Visitante na Universidade Harvard (2010). Atualmente é professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) na graduação e no Programa de Pós-Graduação em Filosofia, no qual orienta dissertações e teses com foco em ética, filosofia política e filosofia do direito.

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