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Incômodo na comunidade acadêmica

Interesses do setor privado e corporativismo público: o que pode estar por trás das mudanças na Capes

Capes aperfeiçoou de alguns dos critérios de concessão de bolsas
Nomeação de nova presidente da Capes desagradou parte da comunidade acadêmica (Foto: Marcello Casal Jr / Agência Brasil)

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A mais recente troca na presidência da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), órgão vinculado ao Ministério da Educação (MEC), tem gerado profundo incômodo na comunidade acadêmica. Para interlocutores ouvidos em off pela reportagem, interesses do setor privado e corporativismo da área pública podem ser pano de fundo das mudanças na coordenação, que possui um orçamento de ao menos R$ 2,8 bilhões. Benedito Guimarães Aguiar Neto foi exonerado da presidência do órgão e, dias depois, houve o anúncio de que Cláudia Mansani Queda de Toledo havia sido nomeada para o cargo.

À Gazeta do Povo, Aguiar Neto afirmou que "apenas foi comunicado [sobre a demissão], sem qualquer justificativa". Sob sua gestão, a Capes começou a implementar um novo modelo de concessão de bolsas que, entre outras coisas, dava mais ênfase à meritocracia. A medida incomodou parte da comunidade acadêmica.

Também era esperada da gestão uma possível revisão do processo quadrienal de avaliação dos programas de pós-graduação (PPGs) das universidades. A mais recente edição deveria ser concluída neste ano, mas seu calendário está atrasado em função da pandemia. Na avaliação, realizada a cada quatro anos, programas de pós-graduação país afora, de instituições públicas e privadas, recebem uma nota que vai de 3 a 7 (que representa o nível de excelência do programa).

Mas as atuais regras de avaliação, em vigor há pelo menos 20 anos, são tidas como "ultrapassadas", fáceis de burlar as exigências de qualidade, incompatíveis com o cenário atual e as necessidades do país de uma ciência de ponta. Para alguns interlocutores, a modificação do modelo de concessão de bolsas e o sistema de avaliação, anunciada em 2019, significa "mexer em um vespeiro", uma vez que, para eles, órgãos como a Capes não possuem autonomia e são reféns de interesses do setor privado e do corporativismo público.

"Agências como a Capes estão capturadas por pessoas com pouca expressão educacional e científica, que não possuem ambições de promover melhorias", diz uma fonte, em off. "Mexer nisso é enfrentar um sistema que afeta muita gente do governo, do TCU, e pode chegar até os ministros do STF, pois alguns dão aulas em faculdades privadas. Conclusão: perdemos anos de melhoria da ciência".

Ligações pessoais e profissionais

Interlocutores têm especulado sobre possíveis intenções por trás da nomeação de Cláudia, cujo currículo e experiência não estariam à altura do cargo, além de serem tidos como "questionáveis". Em seu perfil no Twitter, Ribeiro afirmou que a pessoa escolhida para o cargo teria "perfil técnico e acadêmico".

Fontes com trânsito no Planalto - ouvidas pela Gazeta do Povo em anonimato - apontam ligações pessoais e profissionais entre figuras do MEC, da Capes e do Ministério da Ciência, Tecnologia e Comunicações (MCTC). Apesar de não comprovarem nada de concreto, as ligações "acendem um alerta vermelho". Além dos interesses "mercadológicos", há ainda quem tema uma condução mais "ideológica" do órgão.

"A nomeação de Cláudia acendeu muitos sinais vermelhos", diz uma fonte em off. "O fato de ela ter um histórico negativo, com fracassos da universidade, e ser defendida publicamente por autoridades, é questionável". Em seu perfil no Facebook, o ministro Marcos Pontes elogiou a escolha de Cláudia para o cargo: "Parabéns à Dra. Cláudia Toledo, ao Ministro Milton Ribeiro e ao Presidente Jair Bolsonaro pela recente nomeação da Presidência da CAPES. Historicamente, o CNPq/MCTI e a CAPES trabalham juntos, cada um nas suas funções específicas, para o sucesso da Educação, da Ciência e da Tecnologia do Brasil. Tenho certeza que o trabalho da Dra. Claudia será excelente à frente dessa importante instituição. Conte com o nosso pleno apoio! Sucesso!".

O ministro Milton Ribeiro, Cláudia de Toledo e o ministro Marcos Pontes são de Bauru, interior de São Paulo. Ribeiro se graduou em Direito, em 1990, no Centro Universitário de Bauru, antigo Instituto Toledo de Ensino (ITE), do qual Claudia é reitora. A instituição de ensino superior pertence à família da nova presidente da Capes. Em agosto de 2020, Ribeiro foi homenageado pelo centro universitário, em solenidade presencial. O ministro chegou a ser prestigiado com uma placa no hall de entrada do Prédio Pioneiro da instituição. Outro integrante do governo que passou pela instituição foi o advogado-geral da União e ex-ministro da Justiça André Mendonça, que se formou em Direito em 1993.

Há, além disso, uma ligação entre MCTC e Centro Universitário de Bauru. Edson Kiyotaka Yeiri Mitsuya, atual diretor-presidente da Fundação Astronauta Marcos Pontes, além de ter se formado em Administração no antigo ITE, é, há pelo menos 18 anos, coordenador e professor titular dos cursos de bacharelado em Curso de Ciências Aeronáuticas e do curso superior de Tecnologia em Pilotagem Profissional de Aeronaves do Centro Universitário de Bauru.

Conflito de interesses e mudança no sistema de avaliação da Capes

Por ter o poder discricionário de impor critérios de alocação de bolsas, avaliação de cursos e parcerias internacionais, a Capes lida com a sensibilidade do setor privado, com decisões que costumam sofrer "pressões". Um possível veto a qualquer mudança no modelo de avaliação é indicado pelas fontes como eventual pano de fundo da troca.

Após assumir, Cláudia sinalizou que poderia garantir a "irretroatividade" da avaliação. Os interlocutores esperam que isso não signifique que cursos com boa nota, sob os critérios antigos, não poderiam perder esse status no futuro - mesmo que se descubra, com os novos marcos de qualidade, que são ruins. Se ela fizer isso, todo o movimento iniciado para que o financiamento público fosse direcionado aos melhores pesquisadores do país terá ido por água abaixo. E, os recursos da União, para mãos de pessoas que não fazem pesquisa de verdade.

O curso de mestrado Sistema Constitucional de Garantias de Direitos do Centro recebeu nota 2 da Capes em 2017, época em que a própria Cláudia o coordenava. Como mostrou reportagem da Gazeta do Povo, o curso teve seu descredenciamento recomendado, sugestão mantida pelo Conselho Técnico-Científico (CTC). O relatório sobre o curso indicou que 23% dos professores não orientaram alunos, 20% não participaram de projetos de pesquisa e 35% não ofereceram nenhuma disciplina. Mesmo assim, a instituição recorreu e, em 17 de junho de 2020, o curso recebeu nota 4 e garantiu a manutenção da licença para ser ofertado.

Um dos possíveis desdobramentos na mira da comunidade acadêmica é uma nova reprovação do Centro Universitário Bauru pelo CTC na avaliação quadrienal. Se isso acontecer, a faculdade, da qual Cláudia é reitora, terá de fazer um recurso à própria presidente da Capes, provocando um conflito de interesses. Ainda que ela não participe da reunião do conselho, tem o poder de nomear ou demitir a direção do colegiado. Portanto, se a instituição de ensino superior eventualmente não conseguir os pontos do quadriênio, Cláudia poderia "salvar" sua própria faculdade.

"E, afinal, por que ela promoveria mudanças se isso pode prejudicar sua própria instituição? Ela poderia causar um prejuízo de milhões para sua família se, eventualmente, mudar o sistema de avaliação. Sua nomeação é um balde de água fria em qualquer tentativa de mudança", diz a fonte.

Outro interlocutor sugere: "Alguns presidentes da Capes chegaram a ficar muitos anos, porque, majoritariamente, universidades eram públicas. Ou seja, o lobby do setor público é muito menor. Já o lobby do setor privado é muito pesado. Hoje, a pós-graduação, cresceu muito no setor privado. Pelo fato de universidades precisarem manter seus cursos, até para manter status de universidade, caso contrário acabam sendo rebaixadas para centro universitário, ou faculdade".

Cenário de exoneração de Aguiar Neto da Capes

Aguiar Neto deixou o órgão após implementar uma reforma no modelo de concessão de bolsas e incomodar a comunidade acadêmica, em especial por dar ênfase à "meritocracia" na ciência. Os critérios para a categoria cota institucional, por exemplo - na qual o órgão fornece o benefício às universidades, que estabelecem suas próprias regras para o fomento - passaram a dar peso maior à meritocracia acadêmica e levar em conta, ainda, outros dois fatores. São eles 2) o número médio de titulados em cada área de avaliação e 3) o Índice de Desenvolvimento Humano dos municípios nos quais estão sediadas as instituições de ensino.

Na prática, isso também significa um modelo dinâmico, cujo número de bolsas pode mudar ano a ano. À reportagem, o agora ex-presidente da Capes afirmou que, na época do anúncio da mudança, houve ampla repercussão negativa. "No momento em que se estabelece critérios, valorizando a meritocracia, cursos com bolsas além do número ideal apontado pela nossa proposta de modelo naturalmente reagiram, disse ele. "Toda e qualquer mudança gera reação, isso já é esperado". Sobre a exoneração, ele afirmou à Gazeta do Povo que “apenas foi comunicado, sem qualquer justificativa”.

"Quando você implementa um novo modelo de distribuição de bolsas, há grupos que vão ficar mais tranquilos e outros, não. Se se tratassem apenas de universidades públicas, o próprio MEC segura essa pressão. Mas quando tem um setor privado envolvido, que cada vez mais tem aumentado, há uma outra pressão", diz uma fonte em off.

Outra fonte ouvida em anonimato sugere que dirigentes máximos de órgãos como a Capes e o CNPq deveriam ter mandato fixo, de perfil técnico e não político, a exemplo do modelo adotado em a agências semelhantes no exterior. Isso impediria, na visão dela, trocas constantes e a interrupção de trabalhos estruturantes e que demandam continuidade.

Uma última questão na mira da comunidade acadêmica é uma futura mudança no estatuto do órgão e no Conselho Superior da Capes. Os critérios para a mudança no estatuto estariam tramitando em "esferas governamentais", sob "análise do Ministério da Educação". Essa revisão, planejada há pelo menos dois anos, não teria sido debatida com a comunidade acadêmica em geral.

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