Quando se tratava de fazer a lição de casa, a probabilidade não estava a favor de Kebba Bojang. Assim como muitos adolescentes, ele admite que tem uma tendência a procrastinar. Sem computador em casa e com a biblioteca mais próxima localizada a uma longa caminhada de distância, as tarefas frequentemente variavam entre difíceis e impossíveis.
Diferentemente de muitos outros estudantes de ensino médio com dificuldades similares, entretanto, Mr. Bojang conseguiu achar uma solução em – quase literalmente – seu próprio quintal.
Bojang, agora com 24 anos e entrando no seu segundo ano da escola de farmácia da Universidade de Iowa, representa uma série de histórias de sucesso que saíram de Northport Apartments, um empreendimento de moradias populares no leste de Madison.
Integração
No centro do complexo de 140 apartamentos, tanto fisicamente quanto metaforicamente, há uma construção humilde de tijolos que abriga uma sala com computadores, algumas salas de estudo silenciosas, e um time de residentes que se transformaram em uma equipe pronta para ajudar os seus vizinhos a ter sucesso.
Depois de se mudar para Northport no segundo ano do ensino médio, Bojang, nativo de Gâmbia, começou a frequentar o centro de aprendizagem por conta própria, e depois passou a aproveitar o programa de tutoria em matemática oferecido por estudantes da Universidade de Wisconsin. Quando chegou a hora da formatura, o centro lhe ofereceu uma bolsa de estudos para ajudar a pagar pela sua graduação na Universidade de Dubuque, no estado de Iowa.
Acesso a uma estação de trabalho tranquila, com tecnologia de ponta, tutores experientes e dinheiro para bolsa de estudos foram de muita ajuda, segundo Bojang. Mas ele também encontrou algo menos tangível no centro de aprendizagem: altas expectativas. Um dos estudantes mais velhos no centro naquela época, ele relembra que uma das funcionárias o tomava como exemplo para as crianças mais novas. Ela sempre parecia feliz em vê-lo e percebia quando ele não estava lá.
“Ela estava meio que me pressionando”, diz. “Quando tenho essa sensação de que alguém espera que eu chegue a algum lugar, isso meio que me impulsiona para chegar lá, para eu não decepcionar aquela pessoa. O meu medo de decepcionar supera os meus problemas de procrastinação.”
Esse tipo de motivação, impulsionada por relacionamentos interpessoais e um forte senso de comunidade, é o objetivo principal dos centros de aprendizagem comunitários locais em Northport, na sua comunidade vizinha Packer Townhouses, e em duas outras moradias populares similares em Milwaukee, todas administradas pelo grupo filantrópico Housing Ministries of American Baptists in Wisconsin (HMABW).
Benefícios efetivos
A nível prático, os centros de aprendizagem, que são planejados e geridos localmente, geram empregos para os moradores locais e facilitam o acesso de jovens e adultos aos recursos educacionais que eles precisam. Mas além da sua conveniência, os residentes de Northport e Packer dizem que os centros estimularam um senso de comunidade e propriedade, incentivando os estudantes a ocuparem cargos de liderança em outros aspectos das suas vidas.
“As crianças estão vendo que não se resume a ter acesso a tecnologia e fazer a lição de casa”, diz Sainey Nyassi, morador antigo e atual gerente assistente em Northport Apartments. “Eles estão vendo o aspecto humano.”
As instalações em Madison e Milwaukee oferecem serviços aos moradores de todas as idades, desde crianças na pré-escola até adultos mais velhos. As ofertas incluem educação infantil, ajuda com lição de casa, aulas particulares para adultos, um programa de férias com excursões, e aulas de inglês para a grande população de imigrantes do sudeste asiático e do oriente médio.
Para recém-formados e adultos mais velhos que pretendem entrar na universidade, estão disponíveis bolsas de estudo. Tanto os serviços quanto as bolsas de estudo são financiados por uma porcentagem dos lucros com aluguéis.
Ao longo de mais de vinte anos de experiência, as moradias de Northport e Packer passaram a ser reconhecidas como um modelo de aprendizado comunitário na região de Madison, de acordo com o prefeito Paul Soglin.
“É mais do que pagar um aluguel e ter um apartamento com água encanada e aquecimento”, diz o prefeito, que em janeiro homenageou publicamente o reverendo Dr. Carmen Porco, CEO e diretor executivo da HMABW, com um prêmio humanitário oferecido pela cidade e pelo condado em honra àqueles que “refletem os valores do Dr. Martin Luther King Jr”. “É uma abordagem mais holística em relação à família inteira, considerando desde a necessidade dos bebês até o futuro dos pais.”
Modelo eficaz
Os números sugerem que o modelo é eficaz para melhoria do desempenho acadêmico. A porcentagem de alunos formados no ensino médio das moradias de Madison tem variado entre cerca de 90% a 100% nos últimos anos, números significativamente maiores do que o índice de formatura de 78% nas escolas públicas da cidade. Mais de 70% dos formandos do ensino médio dos centros da HMABW são aceitos em universidades.
Uma parte do sucesso dos centros de Madison pode ser devido à conveniência que eles oferecem em uma cidade que Gloria Ladson-Billings, professora na Escola de Educação da Universidade de Wisconsin, descreve como “rica em recursos e pobre em acesso”.
“Nessa cidade nós temos tudo que poderíamos querer em uma comunidade de alta qualidade”, diz. “Mas o acesso a isso é muito, muito pobre para algumas pessoas.”
Um desafio comum para muitas famílias de baixa renda, a professora aponta, é o transporte. Outras podem não ter os recursos financeiros para matricular as suas crianças em programas educacionais caros.
“Ter esses centros no local de moradia significa que tem uma barreira a menos para as pessoas superarem”, diz.
Para os jovens crescendo em comunidades de baixa renda, a exposição a pessoas de origens similares em posições de poder pode mudar as suas vidas, segundo pesquisadores. Muitas vezes, as escolas que atendem a estudantes de baixa renda trazem pessoas de longe para eventos sobre profissões, de acordo com Gloria, o que manda uma “mensagem sutil” que “o que as pessoas dessa comunidade fazem não tem valor”.
Ao empregar os moradores nos centros de aprendizagem, Dr. Porco e sua equipe buscam mandar uma mensagem oposta. “As pessoas veem que outras pessoas como elas estão no comando”, diz. “Finalmente, eles têm a base institucional. E isso faz a diferença.”
Existem algumas evidências, por meio de relatos, que a estratégia está funcionando, com jovens moradores assumindo papéis de liderança na escola em grêmios escolares, esportes e outros clubes.
Sandra Willis-Smith, moradora e gerente da Packer Townhouses, conta com orgulho sobre o papel do seu filho, aluno do ensino fundamental, ajudando assistentes sociais a falar com colegas de classe que tem problemas de comportamento, uma conquista que ela atribui “100%” à sua experiência no centro de aprendizagem.
Os laços de vizinhança entre os moradores permitem algum nível de flexibilidade na gestão dos centros, de acordo com Pat Wongkit, diretora de programa em Northport, onde ela vive há 33 anos e trabalha há 22 anos. Às vezes, ela deixa alguns jovens ficarem lá e fazerem o seu trabalho depois do horário para acomodar o cotidiano corrido e as exigências familiares. “Eu confio neles”, ela explica, “e eles confiam em mim”.
Esses relacionamentos entre os funcionários e seus vizinhos, cultivados por meio de piqueniques e festas comemorativas, são um dos maiores pontos positivos dos centros, de acordo com os moradores.
Sandra, moradora há mais de duas décadas, relembra sua participação em reuniões para projetar os centros de aprendizagem logo após se mudar de Joliet, Illinois, seguido da cerimônia de inauguração em 1993.
Nos anos seguintes, ela subiu do seu cargo inicial de recepcionista até chegar à gerência. Fazer parte da comunidade, segundo Sandra, permitiu que ela construísse relacionamentos mais próximos com os moradores que ela atende.
“Eles se sentem mais confortáveis comigo porque sabem que eu estive no lugar deles, eu fiz isso, eu passei por isso”, diz. “Então sou capaz de ajudá-los mais.”
Tradução: Andressa Muniz