O governo Bolsonaro lançou recentemente um programa que, se cumprir seus objetivos – e não faltam céticos, em meio aos cortes na educação –, ajudará a formar uma nova geração de cientistas no médio prazo.
Uma das grandes apostas do Executivo no primeiro ano de mandato, o Ciência na Escola envolve os Ministérios da Educação e da Ciência e Tecnologia. Os 114 milhões de reais reservados para o programa são modestos se comparados a outras iniciativas de governos anteriores – o Ciência Sem Fronteiras, controverso projeto de Dilma Rousseff, consumiu mais de 13 bilhões de reais. Mas a meta é ambiciosa. O objetivo principal é aumentar a afinidade dos estudantes com a ciência para, no médio prazo, reduzir o déficit de pesquisadores no país.
O projeto é dividido em quatro iniciativas. A mais importante delas reserva 100 milhões de reais para financiar projetos que serão selecionados por uma competição nacional. A ideia é beneficiar intercâmbios entre instituições de ensino superior e escolas, envolvendo inclusive mais de uma unidade da federação. As propostas selecionadas começarão a ser aplicadas ainda neste ano, e seguem até 2022.
Sem fórmulas prontas
Pesquisadores elogiam o fato de o programa não apresentar uma fórmula pronta, mas premiar propostas que demonstrem ser efetivas. De fato, iniciativas isoladas já acontecem país afora.
A Universidade Federal de São Carlos, por exemplo, mantém o programa Futuro Cientista, que seleciona alunos de escolas públicas e faz um trabalho de imersão para incentivá-los a seguir carreira na área. Curitiba lançou o programa “Cientista na Escola”, cuja lógica é simples: as escolas se cadastram e requisitam a presença de cientistas para falar aos alunos sobre o que eles fazem. Mais de 15 mil crianças foram beneficiadas, segundo os cálculos da prefeitura.
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Em Alagoas, um projeto estadual batizado de Cientista Mirim permite que crianças e adolescentes simulem a rotina de um pesquisador e sejam acompanhados por “padrinhos” cientistas.
O professor Márlon Barbosa Soares, professor de Química na Universidade Federal de Goiás, afirma que o programa Ciência na Escola é bem-vindo porque supre uma carência encontrada por cientistas país afora. “Estes pesquisadores têm muitos projetos de inserção na escola, que grande parte das vezes não tem o devido financiamento por parte do governo federal. Muitas vezes, há projetos nas escolas que são financiados com dinheiro do próprio pesquisador”, diz ele.
Ademir Valdir dos Santos, professor da Universidade Federal de Santa Catarina e historiador da educação, também afirma que a concepção do programa é boa. “Ideias do tipo, especialmente as que permitem essas associações entre instituições de ensino, são sempre bem-vindas”, afirma.
Entusiasmo com a ciência e formação de professores
A segunda parte do programa, em uma escala menor, é uma seleção de projetos de pesquisa que envolvam a popularização da ciência para alunos do ensino básico. Neste caso, a seleção será feita pelo CNPq e os projetos terão duração de 24 meses, ao custo total de 10 milhões de reais. O edital exige que os projetos sejam elaborados conjuntamente por pesquisadores do ensino superior e por professores de escolas. A meta é financiar 100 projetos de pesquisa. As inscrições acontecem durante o mês de maio e o resultado da seleção será divulgado em setembro.
A terceira parte do programa, batizada de “Ciência é 10”, funcionará como uma espécie de especialização de professores da rede pública, com foco nos docentes do 6º ao 9ºano. As aulas serão virtuais. O curso será oferecido de fevereiro de 2020 a junho de 2021, e o objetivo do governo é selecionar 2 mil professores para participar da especialização. Este item tem custo estimado de 3 milhões de reais e terá a participação da Capes e da Universidade Aberta do Brasil.
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Segundo alguns especialistas, esta parte do programa tem uma boa relação custo-benefício: o orçamento é relativamente baixo e a possibilidade de alcance é elevada, já que o efeito multiplicador da medida seria considerável. Entretanto, é preciso aguardar os resultados com cautela: “Não pode haver formação continuada onde não houve nem mesmo a formação inicial”, avalia Ademir Valdir dos Santos, historiador da Educação e professor da Universidade Federal de Santa Catarina. Na opinião dele, a falta de preparo adequado de boa parte dos professores pode diminuir o efeito do programa.
Olimpíada Nacional de Ciências
O quarto componente do Ciência na Escola é a ampliação da Olimpíada Nacional de Ciências - que já acontece anualmente. A promessa é que a edição de 2019, organizada pela Universidade Federal do Piauí, tenha 1 milhão de participantes (a maior parte, dentro das próprias escolas onde estudam), cinco vezes mais do que em 2018. O MEC planeja investir 1 milhão de reais nessa expansão. As inscrições serão abertas em junho e a etapa final deve ocorrer em novembro.
A Olimpíada tem o poder de incentivar jovens de todo o país a se dedicarem à pesquisa científica desde cedo. Mas o professor Márlon Barbosa Soares diz que aumentar o interesse dos estudantes pelas ciências só vai resultar em um aumento sólido no número de cientistas se essas carreiras se mostrarem atrativas. “Hoje, esses profissionais são extremamente mal valorizados em termos de carreira e em termos salariais”, diz ele.
Com corte de recursos?
Com o programa, o governo reforça sua promessa de priorizar as ciências exatas e biológicas em detrimento das humanas. “É justamente o que a gente quer fazer: manter investimentos em educação, pesquisa e conhecimento, mas em coisas que tragam bem-estar para toda a nossa população", disse o ministro da Educação, Abraham Weintraub, durante o lançamento do programa, no dia 17 de abril.
Embora elogiem o lançamento do programa para incentivar a formação de cientistas, especialistas lembram que a medida se dá em meio a um corte de recursos nas áreas de educação e ciência.
O professor Francisco de Assis Marques, do Departamento de Química da Universidade Federal do Paraná, é cético: “Esse programa de levar a ciência para as escolas a gente já faz sistematicamente, inclusive com projetos de treinar professores para fazer experimentos dentro de sala de aula. O projeto do governo federal é importante. Mas esse governo é o mesmo que cortou 30% do orçamento das universidades”, diz ele, que critica a tese de que as ciências exatas devem ser priorizadas. “A filosofia ensina a pensar. Ensina mecanismos de raciocínio. A criança vai ter dificuldades de entender alguns experimentos sem raciocínio”, afirma.
Ademir Valdir dos Santos também faz ressalvas. Ele alerta que o governo precisa ter uma visão abrangente e de longo prazo. “Não adianta só investir na aprendizagem de ciências quando os alunos têm deficiências sérias de matemática, por exemplo. Eles vão ter dificuldades de fazer os cálculos necessários na química, na física”, diz. Além disso, lembra ele, as escolas em situação mais precária - em zonas rurais, por exemplo - tendem a ser menos beneficiadas pelo novo programa do que as de áreas urbanas e mais ricas, já que estão longe de museus ou universidades. Para o professor, o programa Ciência na Escola parece ser um passo na direção correta. Mas é apenas um passo em uma longa jornada.
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