Revistas de ciência política do Brasil tiveram apenas 0,38 citações em 2017, ficando na posição 29 entre 31 países com pelo menos 100 publicações.| Foto: Reprodução do Scimago Journal & Country Rank.

Em termos de quantidade, a produção acadêmica nacional em ciência política é expressiva: o Brasil está em 13º lugar. Mas, em termos de qualidade, entre os 31 países com pelo menos 100 publicações, o Brasil estava em antepenúltimo, em 2017. As publicações brasileiras têm apenas 16,6% do impacto das produzidas na Suíça, a líder do ranking.

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O cálculo é do professor da Universidade de Brasília Marcelo Hermes, que há meses vem produzindo uma sequência de estudos a respeito da relevância internacional da produção acadêmica brasileira. O professor baseia sua análise nas listas comparativas produzidas pela Scimago Institutions Rankings, que indexa dados do Scopus, a maior plataforma que reúne dados científicos de todo o mundo.

Ao pesquisar por área, o professor percebeu que o país conta com apenas 0,38 citações por documento, contra 2,29 dos suíços. O Brasil está à frente apenas da Índia e da Argentina, e atrás de países como a República Tcheca, a Turquia e a África do Sul. “São revistas com impacto muito baixo, na comparação com as melhores do mundo. O impacto é 16 vezes menor do que a média dos países mais bem colocados”, afirma Marcelo Hermes.

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Por que a produção acadêmica nacional na área não é internacionalmente relevante? Esse é um problema comum às áreas de Humanas. Em direito, por exemplo, existem quase 2 mil revistas, e apenas oito são citadas pela Scimago. No caso específico da ciência política, qual seria a explicação para a baixa repercussão?

Falta de método

“Falta os alunos entenderem que ciência política é uma ciência, não é só descrição de alguma coisa. Precisa apresentar uma pesquisa científica de fato”, afirma Flávia Roberta Babireski, doutoranda e mestra em Ciência Política pela Universidade Federal do Paraná, pesquisadora do laboratório de Partidos Políticos e Sistemas Partidários e editora-chefe da Revista Eletrônica de Ciência Política, que reúne artigos de alunos de pós-graduação.

Outro problema, ela aponta, é a falta de atualização na bibliografia utilizada. “Os alunos em geral não leem revistas acadêmicas, muito menos do exterior. Existe uma resistência a olhar para os hábitos do exterior sem preconceito. Há uma rejeição preconceituosa do método científico, um pensamento anticientífico, antiamericano”. O resultado, diz ela, é uma defasagem na ciência política produzida no país. “Estamos muito atrasados. As pessoas de humanas não gostam de método científico no Brasil”.

“A edição de periódicos científicos no Brasil precisa ser profissionalizada. Ela é realizada por professores voluntários, que precisam conciliar essa com suas outras atividades. E quem publica são as universidades, e não editoras. O orçamento é muito pequeno”, afirma o cientista político Adriano Codato, que tem graduação, mestrado e doutorado na área, sempre pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Atualmente é professor associado na Universidade Federal do Paraná (UFPR), além de editor há 25 anos da Revista de Sociologia e Política e coordenador adjunto de Ciência Política e Relações Internacionais da Capes.

No entanto, diz o professor, quatro revistas brasileiras da área estão entre as cinco melhores da América Latina. O total de artigos publicados em coautoria (que tradicionalmente são mais citados) também vem crescendo, segundo Adriano Codato. Em 1999, 5,6% dos artigos da área eram produzidos em coautoria. Em 2016, eram 57,7%.

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“Não vamos tão mal, se compararmos com os países da América Latina, ou mesmo a França ou a Alemanha. O que não dá é comparar com os Estados Unidos, onde a edição é profissional, o idioma é universal e a cultura de citações é mais antiga”, diz Codato.

Por que não publicar, no Brasil, artigos em inglês?

“Com quem você quer conversar? Se você é financiado pelo governo brasileiro, quer conversar com o leitor brasileiro”.

Divulgação de pesquisas

Com 30 anos de carreira, graduação em direito e mestrado e doutorado em ciência política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Rodrigo Stumpf González, editor da Revista Debates, pontua que a publicação pode ter outros objetivos além de receber citações.

“Não estamos preocupados em aumentar nossa posição em algum ranking internacional. Nossa principal tarefa é divulgar a produção para a população leiga, mas interessada. Nossa tarefa não é de apenas pesquisa abstrata, criar teorias, discutir o passado, mas sim de debater nosso tema atual”.

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A revista Debates é focada na divulgação de resultados de pesquisas, voltadas para temas da América Latina. “A finalidade principal da revista é divulgar o que se está produzindo de novo em termos de pesquisa no continente”, afirma González.

O professor explica que a revista é produzida de forma voluntária. Diferentemente de outras áreas, como medicina, quem submete o artigo não paga nenhuma taxa, e quem aceita fazer a revisão também atua de forma voluntária.

“Muitas vezes precisamos convidar 60, 70 pesquisadores para chegar às 20 pessoas necessárias para fazer o parecer para os 10 artigos que publicamos por edição”, comenta ele – são dois especialistas fazendo a revisão cega para cada artigo. “Publicamos três edições por ano, o que significa que nosso prazo é menor do que o da produção de um livro, o que facilita que temas que sejam relevantes no momento possam ser rapidamente divulgados”.

Mudanças na avaliação

A discussão sobre a relevância da produção acadêmica foi um dos fatores que estimulou a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) a planejar um aprimoramento na forma como avalia as revistas acadêmicas e os cursos de pós-graduação.

Caso as citações por revistas estrangeiras passem a ter maior peso, a avaliação dos cursos de pós-graduação poderia cair – lembrando que os cursos mais bem avaliados recebem mais dinheiro do governo. A medida poderia evitar um problema real em alguns casos: o fato de que revistas acadêmicas sejam superavaliadas pelo comitê responsável ao fazer a análise da qualidade, o que injeta pontos de forma artificial nos cursos de mestrado e doutorado.

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“Há muito tempo o Qualis [o sistema oficial de classificação da produção científica brasileira] vem sendo discutido, porque até então cada área definia seus critérios para classificar um periódico. Às vezes adotava um critério de aderência à área, e não baseado tanto na qualidade, e isso gerava distorções”, explica Talita de Oliveira, Coordenadora Geral de Atividades de Apoio à Pós-graduação da Capes. “O Qualis tem essa distorção, porque foi utilizado para avaliar programas, mas muitas instituições utilizam o Qualis para a promoção do pesquisador dentro da universidade”.

As mudanças vão funcionar para a próxima avaliação quadrienal, que acontece em 2021. Elas tendem a retirar as revistas de uma situação de comodismo entre as revistas da área de humanas, afirma Talita de Oliveira. “Como o critério de internacionalização não contava tanto, muitas revistas ficaram acomodadas e não se preocuparam de publicar em inglês”.

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