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Nos dois primeiros anos de mandato, a gestão de Jair Bolsonaro destinou mais recursos para pesquisas científicas por meio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) nas áreas de Ciências Biológicas; Ciências Exatas e da Terra; e Ciências da Saúde, nesta ordem. No período, mais da metade (50,2%) dos recursos destinados a bolsas de pesquisa e fomento foram para essas áreas. A atual crise de saúde, com o consequente aumento na demanda de pesquisa em temas relacionados à pandemia, teve efeito direto na alocação dos recursos.
O CNPq, vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), é um dos principais órgãos de financiamento à pesquisa e à ciência no Brasil ao lado da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), que integra o Ministério da Educação (MEC). O órgão tem como foco a pesquisa científica e tecnológica e investe na formação de pesquisadores que poderão contribuir para o desenvolvimento e a inovação no país.
“O papel do CNPq é o desenvolvimento de tecnologias para poder desenvolver a economia brasileira, a indústria, o conhecimento. A ideia é criar modelos e técnicas que possam ajudar o país em áreas que vão desde a agricultura até a pesquisa aeroespacial”, explica Alexandre Chaia, economista e professor do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper).
Alocação de recursos na gestão Bolsonaro
No primeiro ano da gestão de Jair Bolsonaro, as áreas que tiveram aumentos mais significativos foram Ciências Sociais Aplicadas, com acréscimo de R$8,9 milhões frente ao ano anterior (11,5% de aumento); e Ciências da Saúde, com R$6,9 milhões adicionais (+4%). Por outro lado, Engenharias teve queda de R$34,3 milhões em 2019 (-15,1%); e Ciências Exatas e da Terra perdeu R$24,5 milhões (-8,9%).
Já em 2020, diante da pandemia da Covid-19, o aumento mais expressivo se deu em Ciências da Saúde, que passou de R$182 milhões para R$196,1 milhões – o equivalente a 7,7% de aumento. Logo atrás veio Ciências Biológicas, que passou de R$235,8 milhões para R$247,9 milhões (+5,13%). Em contrapartida, todas as demais áreas tiveram redução em seus orçamentos. Proporcionalmente, a maior queda foi na área de Tecnologias, com redução de 30,8%.
No acumulado dos dois primeiros anos da gestão Bolsonaro à frente do governo federal, Ciências Biológicas é a área com o maior investimento total no período. Nela foram aplicados R$483,8 milhões, o equivalente a 18,1% de todos os investimentos em bolsas de pesquisa e fomento. Logo atrás vem Ciências Exatas e da Terra, com 17,9% dos recursos, e em terceiro lugar aparece Ciências da Saúde, com 14,2% do total aplicado. Diante da pandemia da Covid-19, 2020 foi o primeiro ano da década (2011 a 2020) em que Ciências da Saúde entrou no “top-3” de investimentos, deixando Engenharias na quarta colocação.
Quanto às Ciências Humanas, diferentemente da Capes, que agrupa “Ciências Humanas”; “Ciências Sociais Aplicadas”; e “Linguística, Letras e Artes” em uma mesma área, no CNPq essas três áreas são separadas. Caso estivessem agrupadas, o investimento nessas categorias seria o maior em 2019 (19,5% de todo o orçamento) e o segundo maior em 2020 (18,1%). Em bolsas de pesquisa da Capes, Ciências Humanas foi a área de com o maior orçamento em 2020.
Recursos do CNPq nas gestões de Dilma Rousseff e Michel Temer
No governo de Dilma Rousseff, entre os anos de 2011 e 2016, as áreas que receberam mais investimentos foram Engenharias (22% de todo o orçamento no período); Ciências Exatas e da Terra (18%); e Ciências Biológicas (15,2%). A média anual de recursos em bolsas e fomento do CNPq na gestão da petista foi R$2,2 bilhões.
Já no governo de Michel Temer, nos anos de 2017 e 2018*, a área de Ciências Exatas e da Terra assumiu a primeira posição no recebimento de recursos, com 19,3% do orçamento total, deixando Engenharias na segunda colocação, com 16,9%. A terceira posição se manteve com Ciências Biológicas (16,6%). A média anual de investimentos no período foi de R$1,4 bilhão – ligeiramente acima da gestão Bolsonaro (R$1,3 bilhão).
O economista do Insper explica que no período de Dilma Rousseff como presidente houve um investimento maciço em bolsas para estudar fora do país, que acabou sendo exagerado e gerou dívidas que até hoje estão sendo pagas. “Dilma se endividou para aumentar gastos com pesquisa com o objetivo de ser vista como a ‘mecenas’ da pesquisa científica, que apoiava a educação, que mandou gente estudar fora do Brasil o tempo inteiro. Mas para isso é preciso colocar dinheiro do governo, e aí gerou uma dívida que está sendo paga até hoje”, diz Chaia. “Se há uma verba para dez anos e se gasta quase tudo em dois ou três, nos próximos anos não vai haver recursos suficientes”, aponta.
* O governo de Michel Temer teve início de forma definitiva em agosto de 2016 após concluído o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Entretanto, uma vez que o orçamento do CNPq é definido no fim do ano anterior, para fins de análise nesta matéria todo o ano de 2016 ficou vinculado à gestão Dilma e, a partir de 2017, avaliou-se a destinação do orçamento sob responsabilidade da gestão de Michel Temer.
Como são definidos os repasses
A definição dos recursos que serão disponibilizados para as áreas do conhecimento depende da aprovação do orçamento enviado pelo governo federal ao Congresso Nacional. Os parlamentares aprovam o orçamento geral dos gastos do governo – o que inclui a verba de pesquisa –, porém não influenciam na distribuição de recursos por área do conhecimento do CNPq. O principal fator que determina como serão feitos os repasses para cada área está relacionado à demanda, isto é, aos pedidos de bolsas e de fomento pelos estudantes e empresas, respectivamente. As solicitações, entretanto, são avaliadas pelo governo federal, por meio do MCTI, que pode aprovar ou não os projetos e, com isso, alocar os recursos para áreas consideradas prioritárias.
“Tem muito a ver com a demanda da própria sociedade, e o governo federal acaba alocando de acordo com essas demandas e necessidades. Porém o governo pode priorizar projetos de determinadas áreas, e aí acaba reduzindo os recursos para as outras”, explica Chaia.
O crescimento dos aportes em áreas ligadas à saúde em 2020, por exemplo, obedece a essa lógica: diante da demanda decorrente da pandemia, houve mais solicitações para pesquisas nesses segmentos. “As próprias universidades passaram a focar na pandemia diante dos problemas que surgiram, e aí entra a participação do MCTI na seleção e aprovação dos projetos que receberiam os recursos”, diz o professor do Insper.
Vale destacar que as bolsas são fornecidas durante todo o período da pesquisa, que pode durar vários anos. Uma bolsa de Iniciação Científica para estudantes de graduação, por exemplo, cujo valor atual é R$400,00 mensais, pode durar até 12 meses. Por outro lado, uma bolsa de Pós-Doutorado Júnior, com parcelas de R$4,1 mil, vigora entre seis e 12 meses, mas pode ser prorrogada por igual período. Já bolsas para Pesquisador Sênior (R$1,5 mil mensais) se estendem por cinco anos.
“Não é um dinheiro dado sem contrapartida”, aponta Alexandre Chaia. “A bolsa é concedida ao aluno, e a contrapartida é a produção de artigos, de relatórios. Já quando se trata de fomento – valor destinado ao setor privado, com objetivo de auxiliar a indústria –, a contrapartida é o desenvolvimento de uma nova tecnologia, de um novo produto”, explica.