| Foto: Marcelo AndradeGazeta do Povo

Um projeto de lei sugere que as Universidades Públicas não ofereçam mais cursos de Humanas ‒ Filosofia, História, Geografia, Sociologia, Artes e Artes Cênicas ‒ afirmando que esses cursos são “baratos e facilmente realizáveis em universidades privadas, presencialmente e à distância”. Diz ainda que "não é adequado usar dinheiro público e espaço direcionado a esses cursos, pois o país precisa de mais médicos e cientistas.” 

CARREGANDO :)

Renato Janine Ribeiro, professor titular de Ética e Filosofia Política da USP, discorda. Para ele, quando da organização de um curso de Humanidades naquela instituição, afirmou: “nem a universidade deve replicar o mercado, nem adianta escolher uma profissão pensando nos excelentes espaços de trabalho que ela proporcionará. Isso depende tanto de como cada um vai se inventar, no correr de sua vida. (…) O que a Universidade pode fazer é garantir uma formação de uma base sólida o bastante para que, em meios às mudanças, o aluno(a) saiba navegar”. E conclui: “lições de moral não adiantam. Mas conhecimento, sim. É nele que devemos apostar”. 

LEIA MAIS: Proposta quer extinguir cursos de humanas nas universidades públicas

Publicidade

Imaginar que a formação das Humanas atrapalhe o país, gastando recursos escassos sem retorno garantido, é como achar que de nada adianta investir em saúde, já que todos vamos mesmo morrer. Enquanto estamos vivos, vivemos juntos, em sociedade. E precisamos entender como viver da melhor maneira possível. 

Por isso, a Filosofia, há 2500 anos, auxilia-nos fazendo as perguntas com as quais refletimos sobre essa existência frágil, sem ensaio ou chance de repetir. 

Por isso, a História nos lembra quando, no passado, desastres sociais ou econômicos ocorreram, dando-nos a chance de pensar duas vezes antes de agir de maneira semelhante e reencarnar assim uma farsa ou uma tragédia; a Sociologia, por sua vez, explica-nos que as desigualdades que enxergamos em cada esquina não são naturais e que podem ser mitigadas com entendimento, consenso e ação; a Antropologia avisa-nos que as diferenças de cada um de nós também são produzidas socialmente e que não precisam ser barreiras, mas pontes; a Política explica as formas de dominação, muitas vezes por meio de regras democráticas, outras vezes, imposições autoritárias, e como reconhecer quando é uma e quando é outra. 

Somos seres eminentemente sociais e construímos formas de convivência e sobrevivência que são sempre sociais. O indivíduo que afirmamos ser só existe porque há o olhar do outro a nos reconhecer e aceitar. Se tivéssemos crescido em uma ilha solitária, não saberíamos sequer se somos altos ou baixos, gordos ou magros, brancos ou pretos.

LEIA MAIS: Por que o governo japonês está fechando cursos de humanas?

Publicidade

O olhar do outro nos diz quem somos e a linguagem é a forma de afirmarmos e respondermos a esse contato. O resultado disso é a sociedade que construímos. Querer rebaixar a importância de uma formação Humana é não desejar que possamos nos entender. Talvez aí resida a intenção da proposta: deixar-nos indefesos e assustados. Quando isso acontece, tornamo-nos violentos e destruidores. Para muitos, essa é a música que querem ouvir. 

Aliás, falando em música: no filme Mr. Holland (Meu Adorável Professor, 1995), o diretor da escola informa ao docente que não há mais verbas para o programa de música e por isso precisará encerrá-lo. O professor então responde: "faça isso! E logo não haverá mais física, nem química, nem matemática, porque não haverá alunos.” 

Mais obtuso ainda é acreditar que as humanas não servem para o “mercado”, para as coisas práticas e úteis e, portanto, as únicas que interessam. Lembro-me então do obituário do economista Alfred Marshall, escrito por John Maynard Keynes, que diz: 

“O economista excelente deve alcançar um elevado padrão em várias áreas diferentes e combinar talentos que raramente são encontrados juntos. Deve ser matemático, historiador, estadista, filósofo ‒ em algum grau. Deve entender os símbolos e falar em palavras, contemplar o particular em termos do geral e tocar o abstrato e o concreto no mesmo voo de pensamento. Ele deve estudar o presente à luz do passado para os propósitos do futuro. Nenhuma parte da natureza do homem ou de suas instituições deve estar inteiramente fora das suas considerações”. 

 Ah, você não sabe quem foram Keynes e Marshall? Não se preocupe. É só perguntar para algum bom profissional das Humanas.  

Publicidade

*Daniel Medeiros é Doutor em Educação Histórica pela UFPR e é professor no Curso Positivo.