O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico (CNPq), agência do governo, concedeu bolsas de produtividade a pesquisadores que não atendiam a critérios mínimos exigidos em edital para conseguir financiamento público. Além disso, acrescentou regras depois de ter recebido as propostas.
É o que mostra uma análise, feita a partir de dados conseguidos por meio da Lei de Acesso à Informação, de como foram julgados os pedidos de bolsas de produtividade na chamada do CNPq de número 9, de 2018, das áreas de Administração, Contábeis e Economia, para as quais foram repassados mais de R$ 2 milhões. (Para todas as áreas foram destinados R$ 335 milhões).
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Para escolher quem deveria receber recursos ou não, o Comitê de Assessoramento de Administração Contabilidade e Economia (COSAE-AE) cometeu várias irregularidades, começando por adotar pesos de julgamento diferentes aos definidos em edital. No requisito “Produção Intelectual”, por exemplo, o peso determinado para a categoria no documento era de 50%, mas o grupo utilizou um peso de 45%. No quadro abaixo é possível verificar as diferenças de pesos entre o previsto e o adotado no CNPq por esse comitê:
Depois, na análise dos currículos apresentados, é possível perceber que oito pesquisadores da área de Economia receberam recursos mesmo sem alcançar as exigências curriculares previstas. Veja abaixo, caso a caso(*):
1) Bolsa para KBS: R$ 1,1 mil mensais por 3 anos
KBS teve aprovada uma bolsa de produtividade Nível 2, apesar de não ter concluído quatro orientações de mestrado ou duas orientações de doutorado, como previa o edital.
2) Bolsa para LFRP: R$ 2,4 mil mensais por 4 anos
LFRP recebeu uma bolsa de Nível 1C, sem ter concluído três orientações de doutorado, como estava previsto no edital.
3) Bolsa para RA: R$ 2,2 mil mensais por 4 anos
RA recebeu bolsa de Nível 1D, apesar de não ter concluído duas orientações de doutorado, como estava previsto na regra do edital.
4) Bolsa para RM: R$ 2,2 mil mensais por 4 anos
RA recebeu bolsa de Nível 1D, apesar de não ter concluído duas orientações de doutorado, como estava previsto na regra do edital.
5) Bolsa para MB: R$ 2,8 mil mensais por 5 anos
A regra para receber a bolsa de produtividade de Nível 1A determina a conclusão de quatro orientações de doutorado. Segundo o currículo lattes, MB não realizou essas atividades.
6) Bolsa para CJCB: R$ 2,4 mil mensais por 4 anos
A regra para conseguir bolsa de produtividade de Nível 1C exige que, além de concluir três orientações de doutorado, o pesquisador deve ainda comprovar a publicação de três artigos em revistas acadêmicas classificadas no “estrato A” do Sistema Qualis (da Capes).
CJCB recebeu a bolsa mesmo sem ter um artigo publicado em um periódico “Qualis A” nos últimos 10 anos.
7) Bolsa para ABH: R$ 2,2 mil mensais por 4 anos
Para receber bolsa de produtividade Nível 1D é preciso, também, ter dois artigos publicados em revistas acadêmicas classificadas no “estrato A” do Sistema Qualis (da Capes).
ABH recebeu a bolsa mesmo sem ter um artigo publicado em um periódico “Qualis A” nos últimos 10 anos.
8) Bolsa para ECT: R$ 2,2 mil mensais por 4 anos
ECT também recebeu uma bolsa de produtividade Nível 1D mesmo sem possuir artigos publicados em revistas acadêmicas classificadas no "estrato A" do Sistema Qualis nos últimos 10 anos.
Critérios “sob medida” após receber pedidos de bolsa
Outro fato que chama a atenção de quem analisou como foram escolhidos, em 2018, os beneficiários das bolsas de produtividade do CNPq na área de Administração e Contábeis foi a mudança das métricas utilizadas para pontuar os candidatos, depois de receber os pedidos de bolsa – em relação ao que foi praticado em 2017.
Ou seja, após ter todos os pedidos de bolsas em mãos, o CNPq incluiu novos critérios para dar notas no item “Liderança e reconhecimento científico”. Como mostra a ata do comitê da área, de 30 de novembro (a data limite da submissão das propostas era 31 de julho), passou a receber nota “10” nesse item quem fosse editor de revista acadêmica classificada como “A1” no sistema Qualis. Quem organizou eventos concretos de administração (AOM, POMS, EUROMA, AIB, EIBA, EMAC, AMA, AAA, EAA, AFA, EFA, AMCIS e ECIS) passou a receber nota “8”. Ganhou nota “6” quem “coordenou divisão/área do Congresso USP de Controladoria e Contabilidade”; “assumiu funções de direção nas associações científicas SBFIN, SBEO, SBAP”; ou “coordenou divisão/área em um dos seguintes eventos: AOM, POMS, EUROMA, AIB, EIBA, EMAC, AMA, AAA, EAA, AFA, EFA, AMCIS e ECIS”.
Questionado, o CNPq não respondeu à redação da Gazeta do Povo até a publicação desta matéria.
*Observação: Os nomes dos beneficiados serão preservados. Os de Nível “1” influenciaram mais a distribuição das bolsas para o restante dos pesquisadores.
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