Imagine: a Universidade de Brasília (uma instituição federal) decidiu dar um curso sobre o criacionismo. O currículo se restringe a textos bíblicos, em blogs cristãos e em obras de pensadores criacionistas. Soou estranho?
Pois é mais ou menos isso que a universidade decidiu fazer ao criar uma disciplina para estudar o “golpe” contra Dilma Rousseff.
O curso, e a ementa que o guiará, parecem em dissonância com a ideia de universidade. Os fundadores do ensino superior no Ocidente eram católicos medievais, e mesmo eles questionavam os próprios pressupostos. A Suma Teológica, obra clássica de Tomás de Aquino, dá voz aos contra-argumentos, responde-os um por um e só depois apresenta uma conclusão.
Espera-se que o Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília pratique, de fato, a ciência. Especialmente porque é financiado com recursos públicos.
É cabível, e até desejável, que um instituto de ciência política analise as possíveis interpretações sobre o impeachment de Dilma Rousseff. Como hipótese, a afirmação de que a petista sofreu um golpe precisa ser levada a sério.
Mas isso é diferente de considerar certo que tudo não passou de um golpe e basear nisso todas as conclusões.
Não faz parte do método científico tomar como verdade aquilo que não foi provado para, com base em premissas inquestionáveis e ignorando as possíveis objeções, chegar a conclusões tendenciosas.
O professor Luis Felipe Miguel, responsável pelo curso da UnB, teria todo o direito de defender suas crenças em um grupo de estudos independente, na associação de professores, em sua vida de militante partidário. Esses são espaços mais apropriados para certezas que não exigem comprovação.
O caso, embora tenha poucas repercussões concretas (a disciplina é optativa, e dificilmente atrairá quem já não pensa como o professor) reforça a ideia de que a universidade pública brasileira está a serviço de uma doutrina ideológica – o que não é totalmente verdadeiro.
Se a reação incisiva do Ministério da Educação pode ser questionada por suas consequências (a principal delas, a de incentivar a criação de cursos semelhantes), a afirmação do ministro Mendonça Filho procede: o caso configura “apropriação do bem público para promoção de pensamentos político-partidário”.
Seguindo o exemplo da UnB, outras universidades públicas anunciaram logo em seguida aulas sobre o “golpe de 2016”: departamentos da UFBA (Universidade Federal da Bahia), UFAM (Universidade Federal do Amazonas) e Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), abordarão o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) pelo mesmo viés.
Na UFBA, a matéria “Tópicos Especiais em História - O golpe de 2016 e o futuro da democracia no Brasil” será coordenada pelo professor Carlos Zacarias – militante histórico do PSTU na Bahia.
Já na UFAM, a disciplina será ministrada pelo professor César Augusto Bubolz Queirós e também abordará o período governado por Getúlio Vargas e o golpe militar de 1964. Na Unicamp um grupo de professores promete preparar um curso livre sobre o mesmo tema.