O Brasil tem 49 milhões de alunos matriculados em 186 mil escolas de Educação Básica – definição que engloba os ensinos infantil, fundamental e médio. Para cada estudante, o país investe cerca de US$ 3,8 mil ao ano – o equivalente a R$ 13,4 mil. Os dados são do estudo “Um Olhar sobre a Educação”, divulgado em 2017 pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Entre os países-membro do grupo (posto que o Brasil passou a pleitear no ano passado) estão as nações mais ricas do planeta, como Estados Unidos, Alemanha e Japão. Entre estes, o investimento médio por aluno é de US$ 8,7 mil – mais que o dobro do que se gasta em solo brasileiro.
Se por um lado os aportes nacionais na educação básica estão longe do orçamento médio dos países de primeiro mundo, o assunto muda de figura em relação ao ensino superior. Ao comparar os sistemas de 45 países, a OCDE concluiu que a média de investimento para cada um dos 8 milhões de universitários existentes no Brasil é de US$ 11,7 mil (em torno de R$ 41,5 mil). O valor é próximo do praticado, por exemplo, em Portugal e na Espanha, de US$ 11,8 mil e US$ 12,5 mil, respectivamente.
Ou seja: com um sexto dos alunos, o Ensino Superior brasileiro recebe três vezes mais aportes do que a educação básica. “Associando um ao outro, pode parecer que o Ensino Superior ganha muito dinheiro”, afirma Luciana Marques, professora do Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Segundo ela, no entanto, o problema não é esse, mas sim o baixo nível de investimentos em educação básica.
Tamanha escassez de recursos costuma ser apontada como uma das razões históricas para o atraso educacional no Brasil. No último Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa, na sigla em inglês), por exemplo, o país ficou na 63ª posição entre as 70 nações analisadas. Os dados também mostram que 22% dos jovens de 15 a 17 anos estão fora da escola. Como consequência, parte deles acaba ingressando em outra estatística: dois terços dos estudantes brasileiros completam o ensino médio tardiamente, entre 25 e 34 anos. Na mesma faixa etária, apenas 17% conquistam o diploma universitário.
Repasses minguados
A crise econômica dos últimos anos agravou a educação brasileira. Impactado pela queda na arrecadação, o governo federal enxugou as verbas repassadas ao Ministério da Educação. No total, o valor caiu para R$ 84,04 bilhões em 2017, ante os R$ 84,19 bilhões no ano anterior, de acordo com a Confederação Nacional dos Municípios (CNM). Vista assim, a queda nominal parece baixíssima, de apenas 0,2%. Quando se leva em conta a inflação acumulada, a queda real é de 3,5%.
Além disso, ao aprovar o orçamento para 2018, em janeiro, o presidente Michel Temer vetou uma verba complementar de R$ 1,5 bilhão ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). Principal sistema de financiamento da educação fundamental e média pública no Brasil, o Fundeb é composto por uma parte das receitas dos impostos estaduais e municipais, somado a uma complementação da União – cujo valor atual gira em torno de R$ 14 bilhões.
Além de subsidiar 11 estados que não alcançam com a própria arrecadação o valor necessário para manutenção do sistema de ensino, o Fundeb está isento do regime que limitou os repasses federais. Mas há limite de vigência: 2020.
“De que adianta estar fora do teto dos gastos se, enquanto está em vigor, o Fundeb não consegue injeção de recursos?”, questiona Andressa Pellanda, coordenadora de políticas educacionais da Campanha Nacional pelo Direito à Educação (CNDE).
A CNDE é uma rede de organizações dedicadas a promover a qualidade do ensino no país. Em 2010, o grupo criou o Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi), que estipula, por aluno, um patamar de receita anual para o padrão mínimo de qualidade. Há também o CAQ, que calcula um padrão de qualidade mais elevado, próximo ao praticado nos países-membros da OCDE.
Ambos estão previstos no Plano Nacional de Educação (PNE), sistema que em 2014 determinou as metas, diretrizes e estratégias para a política educacional dos dez anos seguintes. Ao todo, o PNE é composto por 20 metas, 254 estratégias associadas e 14 artigos que sugerem o que Brasil deve fazer até 2024. Entretanto, pouca coisa avançou desde que entrou em vigor.
“Apenas seis dos 30 dispositivos relacionados à Educação Básica que deveriam ter sido cumpridos até o ano de 2017 foram realizados total ou parcialmente”, afirma o Observatório do PNE. O CAQi está entre os itens não cumpridos.
Comunidade pode ajudar, mas dinheiro é fundamental
Em vez de esperar pela boa vontade do poder público, imerso na escassez de recursos, a professora Viviane Rosa Bennert recorreu à comunidade. Em 2015, quando assumiu a direção da Escola de Ensino Fundamental Mont' Alverne, em Ituporanga (SC), sua primeira medida foi reunir alunos, pais e professores em um grande Conselho com o objetivo de somar forças e melhorar a aprendizagem e a infraestrutura da instituição.
“Não era nosso desejo retirar essa função do Estado, mas se não fizéssemos algo ninguém faria”, conta a diretora.
O Conselho mudou o status de estudantes e familiares. Em vez de meros consumidores, eles se tornaram parte do processo de ensino. Os pais passaram a auxiliar o planejamento das atividades e empenharam-se em reforçar os estudos em casa. Alguns deles, inclusive, uniram-se ao corpo docente para criar espaços de leitura, consertar a rede elétrica e até mesmo costurar materiais.
O resultado? Além de proporcionar maior crescimento social e desempenho intelectual aos alunos, a escola Mont' Alverne ganhou em 2017 o Prêmio Gestão Escolar, iniciativa do Conselho Nacional dos Secretários de Educação (Consed) que reconhece boas práticas de equipes gestoras de escolas públicas brasileiras. “Ser reconhecida nacionalmente entre mais de 4 mil escolas só mostra que estamos no caminho certo”, afirma Viviane.
Para a professora Luciana Marques, da UFPE, políticas de gestão integradas como as da Mont'Alverne estão entre as ações fundamentais para o avanço educacional. “Mas elas, por si só, não são suficientes”, ressalva. Para a educadora, a priorização do ensino básico precisa começar pela valorização profissional, com formação adequada, carga horária de trabalho melhor e salários mais competitivos.
Hoje, conforme levantamento da consultoria Idados, a média salarial do professor universitário de ensino público é de R$ 48,25 por hora/aula. Nos ensinos fundamental e médio, os valores caem quase à metade, estimados em R$ 26,09 e R$ 26,36, respectivamente. “É por esse tipo de situação que, em vez de escolher uma carreira no ensino básico, o profissional mais qualificado vai se voltar à pesquisa, transferir-se para o ensino superior ou até mesmo mudar de profissão”, diz Luciana.