Uma das principais bandeiras de aliados do presidente eleito Jair Bolsonaro, o projeto de lei apelidado de Escola sem Partido (ESP) poderá ser votado pela Câmara nesta quarta-feira (31). Se a proposta for sancionada tal como está, a chamada “ideologia de gênero” não poderá ser pauta de nenhuma disciplina, obrigatória ou facultativa, em sala de aula. O texto está em uma comissão especial e, se for aprovado neste colegiado, poderá seguir direto para o Senado, a não ser que 52 deputados requeiram que o tema seja analisado também pelo plenário da Câmara.
A proibição de questões de “gênero” em sala de aula foi incluída nos últimos dias pelo deputado Flavinho (PSC-SP), relator do projeto. O relatório produzido pelo parlamentar, ao mesmo tempo em que manteve a sugestão original, a afixação de um cartaz especificando seis deveres do professor, como “não cooptar os alunos para nenhuma corrente política, ideológica ou partidária”, inclui vetar qualquer menção aos termos “gênero” ou “orientação sexual” no conteúdo das matérias.
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Na prática, o projeto acrescenta o seguinte inciso ao artigo 3º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (lei 9.394 de 1996):
XIV - respeito às crenças religiosas e às convicções morais, filosóficas e políticas dos alunos, de seus pais ou responsáveis, tendo os valores de ordem familiar precedência sobre a educação escolar nos aspectos relacionados à educação moral, sexual e religiosa.
Parágrafo único: A educação não desenvolverá políticas de ensino, nem adotará currículo escolar, disciplinas obrigatórias, nem mesmo de forma complementar ou facultativa, que tendam a aplicar a ideologia de gênero, o termo ‘gênero’ ou ‘orientação sexual’.” (NR)
Ferrenha opositora à proposta, a deputada Érika Kokay (PT-DF) afirmou que o grupo parlamentar contrário ao texto tentará obstruir a sua votação na comissão. A última tentativa de votar a proposta aconteceu em julho e foi interrompida pela obstrução da oposição.
O que é o Escola sem Partido
O ESP se dedica a catalogar possíveis provas dessa propaganda ideológica, incluindo materiais didáticos, vídeos de professores em sala de aula e testemunhos de pais e alunos. O movimento é contrário, por exemplo, ao proselitismo político nas salas de aula e a abordagens de educação sexual nas escolas que mascarem a disseminação da ideologia de gênero.
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A ideologia de gênero é um conjunto de teorias que tentam separar o que se chama de “identidade de gênero” do sexo biológico dos indivíduos. Segundo o caderno de propostas da 3ª Conferência Nacional de Políticas Públicas de Direitos Humanos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, ocorrida entre 24 e 27 de abril de 2016, em Brasília, identidade de gênero seria “uma experiência interna e individual do gênero de cada pessoa, que pode ou não corresponder ao sexo atribuído no nascimento, incluindo o senso pessoal do corpo (que pode envolver, por livre escolha, modificação da aparência ou função corporal por meios médicos, cirúrgicos e outros)”. Segundo o mesmo documento, a teoria queer “propõe a desconstrução das identidades sexuais via discurso”.
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Em novembro de 2017, a Gazeta do Povo publicou, com exclusividade em língua portuguesa, o mais importante estudo sobre ideologia de gênero na medicina: “Disforia de gênero, Condições Médicas e Protocolos de Tratamento”, de Michelle Cretella, médica e presidente do American College of Pediatricians (ACPeds). O estudo aponta para os perigos de mudanças bruscas na compreensão médica sobre o fenômeno da disforia de gênero sem pesquisas sólidas que as recomendem.
Segundo o filósofo Ryan Anderson, autor de um livro sobre o tema, "no centro da ideologia está a radical afirmação de que sensações determinam a realidade. A partir dessa ideia surgem demandas extremas para a sociedade lidar com afirmações subjetivas da realidade".
Crescimento nacional
Esse combate passou praticamente despercebido até 2014, quando o deputado estadual Flavio Bolsonaro (PSC-RJ), eleito neste mês senador pelo Rio de Janeiro, apresentou um projeto de lei inspirado pelas ideias do movimento na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. A proposição, elaborada com base em um anteprojeto encomendado por Bolsonaro a Miguel Nagib, presidente do Escola sem Partido, colocou o movimento sob os holofotes e ajudou a divulgar os valores do grupo.
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O projeto ganhou corpo nos anos seguintes e tornou-se o Programa Escola sem Partido (PESP). A principal medida sugerida é a obrigatoriedade da afixação de um cartaz em salas de aula do ensino fundamental e médio, contendo seis diretrizes descritas como “Deveres do Professor”. Dentre elas, consta não favorecer nem prejudicar ou constranger os alunos em razão de suas convicções políticas, ideológicas, morais ou religiosas, nem promover seus próprios interesses, opiniões, concepções ou preferências ideológicas, religiosas, morais, políticas e partidárias.
A consolidação do PESP desencadeou o aparecimento de uma série de projetos de lei em níveis municipal, estadual e federal. Eram 62 em agosto de 2017, de acordo com um levantamento realizado pelo portal De Olho nos Planos – dedicado a acompanhar as propostas políticas no campo da educação. Já o mapa criado pelo grupo Professores Contra o Escola Sem Partido (PCESP), que se posiciona como uma reação ao crescimento do PESP, contabiliza 124 projetos em prefeituras, 24 em estados e 12 em instâncias federais. No último caso, a petição mais adiantada é a do PL 7180/2014, de autoria do deputado federal Erivelton Santana (PSC-BA).
Em março de 2017, uma decisão monocrática do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu, em caráter liminar, lei estadual em Alagoas que instituía o programa “Escola Livre”, uma variação do Escola sem Partido. Para o ministro, a iniciativa violaria o direito à educação e invade competência exclusiva da União. O processo sobre o tema, a Ação Direta de Inconstitucionalidade 5537, apresentada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee), ainda não foi julgado.
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