Portões fechados e estudantes em ordem na quadra da escola, pontualmente, às 6h45 da manhã. Alunos perfeitamente fardados, em ordem e em silêncio. Canções militares e noções de civismo são passadas pelos superiores. Todos batem continência.
Essa é a primeira parte da rotina nos colégios militares em Goiás. Nesse local, há muita disciplina e organização. Rigor e ensinamento militar que deram resultados em qualidade do ensino e segurança, o que levou comunidades a pedirem ao governo do estado que replicasse em outras escolas o modelo de parceria entre Secretaria de Segurança Pública e a Secretaria de Educação de Goiás.
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De meia dúzia de colégios militares no começo dos anos 2000, hoje são mais de 50, todos aprovados pela Assembleia Legislativa do Estado. Muitos com fila de espera, sendo que, em algumas unidades, a quantidade de alunos interessados em ingressar é maior que o total de vagas disponíveis.
As unidades foram criadas inicialmente para atender filhos e dependentes de policiais militares que eram transferidos e não acompanhavam o calendário escolar. A lei 8.125 de 1976 autorizou a criação do colégio militar na estrutura orgânica da corporação. Em 1999, foi implantada a primeira unidade do colégio militar em Goiás, com seis salas de aula na academia da Polícia Militar (PM). No mesmo ano, a PM assumiu as instalações da unidade do Colégio Vasco dos Reis, localizado no setor Oeste em Goiânia.
Em 2001, foi aprovada pela Assembleia Legislativa de Goiás uma lei que autorizou ampliação e a criação de mais quatro unidades no estado, nas cidades de Goiânia, Rio Verde, Itumbiara e Anápolis. O projeto de ampliação seguiu ainda em 2013 com a criação de mais 12 colégios em várias cidades. A expansão continuou e atualmente Goiás conta com 53 escolas militares.
Além da disciplina, os bons números na avaliação no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) e também a alta aprovação nos vestibulares, são os fatores que mais atraem as famílias para os colégios militares, que atendem alunos do sexto ano do ensino fundamental até o terceiro do ensino médio – anos em que a educação patina em todo o país.
Funcionamento
O Colégio Militar Dr. Cezar Toledo, em Anápolis, no interior de Goiás, é o melhor avaliado do Estado e é o 33º melhor do país, se considerado o ensino de 5º a 9º ano do ensino fundamental. Em 2017, atingiu um Ideb de 7,5 no 9º ano, muito acima da média nacional – de 4,7 –, e também acima da média das escolas particulares, que foi de 6,4 em 2017. No ensino médio, o Ideb do Cezar Tolego em 2017 chegou a 6,5; enquanto que a média nacional foi de 3,8 e a das escolas particulares, 5,8.
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O tenente-coronel Luciano Magalhães atribui esse bom desempenho aos três pilares nos quais se fundamenta a organização do sistema militar em parceria com a Secretaria de Educação de Goiás: disciplina, gestão e valorização do professor.
“Pela disciplina, aqui é um lugar onde os professores conseguem dar aulas, verdadeiramente. Outro grande diferencial é a gestão. Nos colégios da Polícia Militar, por natureza, todos os diretores são oficiais da Polícia Militar. São gestores que passam por um curso de gestão de oficiais e uma especialização”, afirma.
“Ao mesmo tempo, nós militares por excelência, valorizamos muito a figura do professor em sala de aula. É sem duvida uma autoridade dentro da escola. Ele é valorizado a todo o momento pelo aluno, também pelo respeito, pela admiração, pelo carinho. Colocamos o professor verdadeiramente aonde ele deve estar, no maior patamar dentro da escola, como a figura de maior importância”, enfatiza.
Os professores são concursados, não militares, e participam de todas as atividades realizadas pela Secretaria de Educação, junto com docentes de outras escolas da rede estadual de ensino, o que ajuda a difundir boas práticas.
“A Secretaria de Educação cede todos os servidores administrativos, professores, merendeiras, vigias (servidores da rede estadual) e ainda fazemos o acompanhamento pedagógico através da Tutoria Educacional. O currículo utilizado pelos militares é o mesmo das outras escolas da rede estadual de ensino”, explicou Sonia Maria Lacerda, Coordenadora Regional de Educação, Cultura e Esporte de Anápolis.
A Secretaria de Educação também mantém um sistema de bonificação, para todos os professores da rede de ensino, que funciona a partir de vários parâmetros de qualidade.
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Além disso, para o tenente-coronel, o fomento da participação dos pais nas escolas, por meio de uma associação de pais e mestres, com contribuição financeira, faz com que as famílias se sintam mais responsabilizadas pelo colégio.
“Temos uma associação de pais e mestres que auxilia na administração da unidade, por meio de contribuições financeiras voluntárias. É muito simbólico, e acaba por auxiliar de forma geral em outros investimentos, como no combustível, na alimentação, etc.”, explica o Tenente Coronel Luciano.
Disciplina e meritocracia
Demonizado por alguns educadores, o sistema de meritocracia funciona bem entre os alunos dos colégios militares de Goiás. Os melhores estudantes são premiados, devem ajudar os seus colegas, e os que não estão entre os primeiros recebem incentivos a cada passo conquistado.
Os alunos com média nove em todas as disciplinas recebem um “alamar”, uma cordoalha de fio metálico, utilizada nos fardamentos de gala dos militares. A nota dez é comemorada com um troféu. Para os alunos entrevistados pela reportagem, desfilar pelo colégio com a farda cheio desses adereços é motivo de orgulho e incentivo para ser melhor.
“Usar o alamar é uma honra porque nos instiga a melhorar sempre. É um orgulho pra mim, pra minha turma e para os meus pais”, disse a estudante Ana Luiza Taveira, de 16 anos, do Colégio Militar Dr. Cezar Toledo.
O Cel. Luciano Magalhães explica que essa prática tem dado resultados e é uma boa forma de valorizar os melhores alunos. “O alamar estimula os outros alunos porque todo bimestre a gente tem um crescimento em relação a isso. Aqueles que já obtêm boas notas, se esforçam pra manter, e aqueles que ficaram bem próximos dos melhores se esforçam para receber o alamar no próximo bimestre”.
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Polêmica
Apesar dos excelentes resultados comprovados, muita polêmica ainda envolve os colégios militares. Uma das principais preocupações é sobre o excesso da militarização no ensino. O jornalista Belini Roberto confessa que ficou um pouco apreensivo quando sugeriu para seu filho Roberto Lucas Macedo que ingressasse em uma escola militar de Goiás.
“Quando eu e meu filho decidimos que ele deveria concorrer a uma vaga no colégio miliar, ficamos, no início, com receio do excesso de disciplina militar, pois eu temia que o rigor pudesse inibir a liberdade de expressão e de pensamento do aluno, e até mesmo moldando a sua ideologia política ou filosófica conforme os ditames militares. Mas isso não ocorreu e acredito que cada aluno possui o seu objetivo, e pra ele foi muito importante o aprendizado”, afirmou.
Sobre o ensino oferecido nos colégios militares, o jornalista afirma que a disciplina dos alunos em sala de aula é um dos mais importantes referenciais dessas instituições. Segundo ele, o método colabora essencialmente para que os estudantes aprendam melhor as disciplinas que são aplicadas.
“O que verificamos hoje é que existe um excesso de desrespeito dos alunos em relação aos professores, principalmente nas escolas públicas. Isso atrapalha muito o ensinamento e o aprendizado. O professor fica limitado em oferecer um melhor ensinamento e nas escolas militar isso é diferente, não há essa indisciplina entre aluno e educador”, afirmou o jornalista.
O aluno Paulo Vitor, do 2º ano do ensino médio, também conta que ficou receoso quando sua família preferiu que ele ingressasse em um colégio militar. “Muitas pessoas falavam que era exploração, que a escola iria me limitar até na vida pessoal e que eu iria sofrer muito. Mas chegando aqui, vi que a realidade é bem diferente”, disse. Paulo contou que a organização é realmente diferente dos outros lugares que estudou, mas conseguiu se adaptar sem problemas. “Aqui a disciplina é realmente mais puxada, mas se você conseguir entender e respeitar todas as regras é muito fácil se adequar à escola”, complementou.
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“Febre” por colégios militares
Segundo o coronel Julio César Motta Fernandes, comandante em Goiás do ensino gerido pela Polícia Militar, depois dos bons resultados dos primeiros colégios militares, houve uma “febre” de pedidos para que as escolas da rede estadual fossem geridas por militares. “Muitas vezes as pessoas esperam muito mais do que ouvem falar. De qualquer forma, o governo foi aumentando a gestão partilhada. Mas nunca houve iniciativa da PM, esta sempre foi provocada, sempre o governo foi provocado pela comunidade”, disse.
Ele lembra que nem todos os 53 colégios tiveram avaliações excelentes, mas acredita que um dos motivos que move as comunidades a pedir a atuação dos militares no ensino público é o desejo de maior segurança e disciplina nos colégios.
Djalma Rolin, vizinho do Colégio José Ludovico, por exemplo, na região leste de Anápolis, reclama da insegurança e diz que a falta de disciplina das escolas contribui para a libertinagem – o que o faz querer e pedir pela gestão militar.
“Muitos alunos não respeitam os horários das aulas e acabam ficando nas proximidades do colégio, fazendo algazarras e muitas vezes até consumindo álcool ou drogas. Isso é um perigo, porque só atrai mais gente ruim”. Disse Djalma. Pra ele, se a unidade fosse nos moldes de um colégio militar, o quadro mudaria de figura. “Se essa escola fosse transformada em um colégio militar, como foi o caso do Gabriel Issa, isso dificilmente aconteceria, porque lá os alunos respeitam as aulas, os colégios e os professores. E a escola também jamais permitiria que seus alunos ficassem ociosos na rua”, ressaltou.
Ingresso por sorteio
O meio de ingressar nos colégios militares de Goiás hoje é por meio de sorteio, mas nem sempre foi assim. No início, as escolas destinavam vagas apenas para filhos de militares. Depois, com a fama e pedidos da sociedade, a metade das vagas passou a ser reservada para a comunidade, por meio de concurso, e, posteriormente, com a intermediação do Ministério Público de Goiás (MP-GO), o sistema de sorteio passou a ser universal.
“Tem alunos excelentes que não entram por causa do sorteio. Antes queríamos reservar 80% das vagas para sorteio e 20% por meio de seleção, mas o MP achou que isso era uma forma de segregação”, lembra o coronel Julio César Motta Fernandes.
Para o MP, como as unidades escolares eram públicas, não poderiam ser reservadas apenas para filhos de militares. Um procedimento administrativo foi aberto pela promotora de Justiça Maria Bernadete Ramos Crispim, depois de questionamentos de cidadãos sobre a inconstitucionalidade e ilegalidade da prática. Atendendo a essa recomendação, o Comando de Ensino da Polícia Militar excluiu os processos seletivos em dezembro de 2017.
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