O Brasil tem 11 milhões de analfabetos entre cidadãos com mais de 15 anos, o equivalente à soma da população de Rio de Janeiro, Brasília e Porto Alegre. O Plano Nacional de Educação, de 2014, previa como meta reduzir essa quantidade de pessoas e, para os jovens menores de 15 anos, erradicar o analfabetismo até 2024.
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Cinco anos depois, em 2014, ainda havia 1,1 milhão de crianças e adolescentes de 6 a 17 anos fora da escola. Com a pandemia, outros 3,7 milhões de estudantes da mesma faixa etária que estavam matriculados não receberam nenhuma atividade educacional em 2020, segundo o Unicef.
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Desse total, 41% têm entre 6 a 10 anos, a faixa que cobre o período de alfabetização. Sinal de que o período sem aulas, que segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) alcançou pelo menos 18 meses e atingiu 1,5 bilhão de estudantes em 188 países, provocou um grave prejuízo para uma etapa crucial da formação, as idades de 6 a 7 anos, que estão em processo de alfabetização.
Uma realidade confirmada pelo Instituto Datafolha: 51% das crianças em processo de alfabetização da rede pública do país ficaram no mesmo estágio de aprendizado. Ou seja, mais da metade não aprendeu nada durante a pandemia. O levantamento foi feito por encomenda da Fundação Lemann, do Itaú Social e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
Impacto para alunos de escolas públicas e privadas
Especialistas alertam que as consequências da falta de aula caem sobre alunos tanto das escolas públicas e privadas. Os estudantes de famílias cujos pais têm escolaridade maior, tendem a ter alguma vantagem, mas todas as crianças nessa fazem saíram perdendo. “O impacto de quase dois anos sem escola foi uma tragédia. Perdeu-se a conexão com a rotina escolar, com a ambição por aprender e adquiriram-se terríveis vícios com a ‘vida virtual’ e irreal proporcionada pelas telas”, avalia Ilona Becskeházy, doutora em educação pela Universidade de São Paulo (USP) e ex-secretária de Educação Básica do Ministério da Educação (MEC).
“Na escola, as atividades estão planejadas e inseridas num ordenamento cronológico, com horários e uma rotina voltada para o aprendizado. Com a pandemia, houve uma perda, especialmente para as crianças no momento de alfabetização”, afirma o professor Luiz Carlos Faria da Silva, que integrou o Grupo de Estudos da Academia Brasileira de Ciências (ABC) sobre aprendizagem infantil.
“O impacto da alfabetização foi muito forte, é difícil ensinar a ler e a escrever a distância”, avalia, por sua vez, Claudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da Fundação Getúlio Vargas. “O impacto de tanto tempo de escolas fechadas é enorme. Secretários de educação para os quais faço mentoria relatam casos de crianças do terceiro e do quarto anos que não estão alfabetizadas”.
João Batista Oliveira, presidente do Instituto Alfa e Beto, lembra que o primeiro ano do ensino fundamental é marcante. “É quando a criança é introduzida ao mundo das organizações formais, da escola formal, do ensino formal, uma transição para a última etapa da infância. Nesse rito de iniciação, a alfabetização e o domínio da tabuada são os marcos de referência”. Essa é a principal missão das escolas, diz ele. “Infelizmente isso ainda é pouco compreendido no Brasil, e certamente o fechamento das escolas durante a pandemia não terá contribuído”.
Existe, portanto, uma crise educacional em curso, com consequências graves para toda a formação de uma geração. Como lidar com crianças que chegaram aos oito anos de idade, ou seja, ao terceiro ano do ensino fundamental, sem saber ler?
Abordagem fônica é o melhor caminho para ricos e pobres
Um problema existente antes da pandemia, tanto nas escolas particulares quanto das públicas, é o desprezo pelo ensino sistemático dos fonemas e de outras etapas essenciais da alfabetização, como a leitura de textos dos adultos para as crianças e o treino com elas de fluência e compreensão dos textos. Em troca, no Brasil se usam, em geral, abordagens construtivistas, que ao invés de ensinarem a codificar e decodificar a língua, querem que a criança “descubra” como ler, o que não é natural para o cérebro, e por isso já foi abandonado em outros países e também em lugares com excelência em alfabetização no Brasil. Depois da pandemia e com mais de 8 anos, se a criança for submetida a esses métodos construtivistas terá muita dificuldade para ser alfabetizada, desenvolverá baixa autoestima por não entender e poderá progredir nos anos escolares com lacunas graves, o que refletirá em seu futuro profissional. E esse cenário ocorre não só em escolas públicas, mas também em instituições de ensino privado.
É por isso que os pais precisam estar em alerta para que o processo de alfabetização utilizado pela escola inclua todos as etapas que possibilitem que uma criança possa ler e compreender o lido em um tempo adequado (já ao final do primeiro semestre de 2022), ensinadas de forma sistemática e progressiva, de forma lúdica. E quando se fala de abordagem fônica, não significa utilizar elementos antigos, como os utilizados em cartilhas como a "Caminho Suave", mas uma série de sistemas de ensino eficazes descobertos pela neurociência:
- treinar a criança a prestar atenção consciente em unidades sonoras de fala;
- treinar a criança a manipular conscientemente unidades mínimas de fala;
- ensinar a criança de forma explícita o princípio alfabético, ou seja, mostrar à criança que a escrita é um código que relaciona unidades mínimas de fala com unidades mínimas de escrita;
- treinar as regras de decodificação, como aplicar essas regras;
- levar as crianças a aumentar a fluência no processo de leitura de palavras, ou seja, ajudá-la a ler de forma rápida, precisa e sem esforço;
- costurar tudo isso com estratégias de compreensão e de aumento de vocabulário.
“Quem ainda não sabe ler, seja na idade que for, deve entrar em um programa de alfabetização competente imediatamente”, defende Ilona Becskeházy. Ela cita como parâmetro de qualidade o programa online “Tempo de Aprender”, elogiado pela OCDE por seguir a ciência internacional de sistemas de alfabetização, do Ministério da Educação (MEC), que ensina pais e professores como são feitas todas essas etapas de aprendizagem em centenas de videoaulas e experiências práticas (veja aqui como funciona). Outro recurso que tem ajudado de forma simples as crianças é o Graphogame, projeto da Finlândia também replicado pelo MEC.
Para esses primeiros momentos, a sugestão de João Batista Oliveira, que desenvolveu avaliações em uma série de municípios, nos primeiros meses de reabertura das escolas, é a de fazer triagens para ver quais são as lacunas dos alunos. “A maioria dos alunos do terceiro ano não havia sido alfabetizada antes da pandemia e não o foi durante a pandemia. É essencial avaliar essas crianças e alfabetizá-las de forma adequada. Essa deve a prioridade, e aqui não há espaço para improvisação. É preciso usar materiais, método e estratégias adequadas”.
Claudia Costin avalia que, numa situação de emergência como a atual, pode ser recomendável selecionar os alunos não alfabetizados, separá-los em turmas e iniciar um processo intensivo de recuperação. “Precisamos de novas metodologias, menos focadas em descobrir o que está escrito na palavra. Teremos que reconhecer o som das letras, retomar seu significado, de forma até lúdica, sem cobrança nem pressão sobre as crianças”.
Ferramentas úteis
Os pais podem, portanto, exigir das escolas atitudes em caráter emergencial, visando acelerar a recuperação desse processo tão importante. “Na medida do possível, os pais devem prestar mais atenção à formação das crianças, acompanhar as atividades escolares, cobrando dos professores”, diz Silva. “O vínculo formado entre pais e docentes durante a pandemia não deveria se perder”, reforça Claudia.
Em casa, ler para os filhos e utilizar ferramentas de aprendizagem, como o aplicativo Graphogame mencionado por Ilona, pode fortalecer o vínculo com as crianças em casa, e ao mesmo tempo contribuir para o fortalecimento dessa etapa tão importante do processo de formação.
“Em tese alunos do 2º e 3º ano podem ser alfabetizados no primeiro semestre de 2022, se forem usadas estratégias adequadas. “O que os pais sempre podem fazer é ler e conversar muito com os filhos, a leitura sempre pode ser um bom pretexto para prolongar conversas”, afirma Oliveira.
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