Imagine usar um aparelho auditivo no volume mais alto e não poder fazer qualquer ajuste. Você pode ouvir a fala da pessoa que está ao seu lado; porém, no mesmo volume, também ouve pássaros cantando do lado de fora, o ar condicionado zumbindo e o ronco do tráfego na rua. A diferença nas camadas de som não pode ser filtrada, resultando numa cacofonia. Somado a isso, imagine alguns de seus sentidos sendo embaralhados, como linhas cruzadas numa ligação telefônica ruim – só então você começará a entender como algumas pessoas no espectro autista se relacionam com o mundo. Não é de admirar que ensinar uma criança autista seja um desafio.
Dentro do espaço em que vivemos, todos nós somos bombardeados com uma série de estímulos sensoriais – som, odor, tato, sabor, movimento – e um dilúvio de informações visuais. Muita gente consegue filtrar e lidar com isso, mas pessoas com autismo se relacionam com o mundo de forma diferente. Dificuldades sensoriais podem causar hipersensibilidade (sentir muito), hipossensibilidade (sentir muito pouco), ou uma combinação de ambas as condições. O ambiente torna-se um lugar confuso quando o autista tenta processar “uma quantidade excessiva de informações”. Mudanças inesperadas causam ansiedade, que dificilmente pode ser controlada, e o nível de estímulos pode causar desequilíbrio e sobrecarga sensorial, o que às vezes é mal interpretado como “birra”.
Um ambiente otimizado para a aprendizagem é vital para todas as crianças. Para as crianças autistas, a importância do ambiente é ainda maior, bem como os benefícios que podem ser alcançados quando o design e a arquitetura são adequados.
Nos últimos cinco anos, fiz diversas pesquisas sobre como ensinar futuros designers a criar ambientes amigáveis para o autismo, com casos de estudo em oito escolas e faculdades. A pesquisa identificou uma série de maneiras pelas quais as escolas podem ajustar seus espaços para ajudar crianças e jovens com autismo a lidar com seu entorno e, portanto, aprender de forma mais eficaz.
Como as escolas podem ajudar
As recomendações levam em conta a importância, para os autistas, da preparação antes de uma atividade, uma vez que isso permite que a informação seja processada de acordo com o ritmo de cada indivíduo. A preparação dá às crianças tempo para entender o que se espera delas, o que reduz a ansiedade, proporciona segurança e aumenta a receptividade à aprendizagem.
Aproveite ao máximo cantos ou espaços abertos. Esvazie quaisquer espaços pequenos, como nichos embaixo de escadas ou em uma área externa, proporcionando uma oportunidade para o aluno recuar, recalibrar e processar as informações. Às vezes, basta remover a porta de um armário ou armar uma tenda de acampamento. Isto é particularmente importante quando a atividade requer a transição de um edifício para outro – quando a diferença entre os ambientes é significativa.
2. Várias entradas podem ajudar
A entrada principal de uma escola pode ser muito movimentada, por isso é importante oferecer uma entrada lateral alternativa, mais calma. As escolas também podem ajudar estabelecendo um percurso mais longo e lento do pátio às salas de aula, bem como um percurso curto e rápido – mais uma vez, proporcionando alternativas e tempo para processar informações.
Da mesma forma, elas podem suavizar a transição de um espaço interno para um externo. Uma área externa com cobertura, por exemplo, pode criar um espaço de aprendizagem ao ar livre, ideal para ajudar a minimizar a ansiedade produzida por uma mudança sensorial súbita.
3. Janelas podem oferecer segurança
Algumas crianças têm ansiedade, apresentam comportamentos ritualísticos e podem querer voltar ao espaço que acabaram de ocupar para se sentirem seguras. Se houver aberturas estrategicamente localizadas, elas não precisam voltar fisicamente para esse espaço no intuito de se tranquilizar; basta que possam olhar para lá de uma curta distância. Isso permite mais tempo para a aprendizagem em sala de aula.
4. Junte os pontos
As escolas também devem procurar oferecer atividades que imitem as tarefas da vida real, pois isso ajudará as crianças autistas a enxergar padrões e conexões. Uma simples loja de mentirinha, por exemplo, tanto dentro como fora da sala de aula, no pátio, ajudaria as crianças a aprender a generalizar a habilidade de trocar pagamento por mercadorias em diferentes ambientes.
Uma experiência mais rica de aprendizagem
Os chamados “espaços de degustação” também são uma ótima ideia, uma vez que oferecem às crianças um conhecimento prévio de uma atividade. Exemplos disso são tocar uma parede de sons antes de tocar um instrumento, brincar com um canal de água antes de entrar em uma piscina, etc.
Todas essas ideias mostram a necessidade de um ambiente receptivo e controlado para conseguir o aprendizado de crianças e jovens autistas. Vale lembrar que duas pessoas autistas não terão a mesma experiência em um mesmo ambiente, então não existe uma abordagem ou solução única para questões sensoriais. Contudo, pequenos ajustes feitos caso a caso (como os exemplos descritos acima) podem fazer uma diferença fundamental e realmente ajudar a melhorar a aprendizagem e a qualidade de vida dessas crianças e suas famílias.
© 2019 The Conversation. Publicado com permissão. Original em inglês.
Tradução: Ana Peregrino.
Boicote do agro ameaça abastecimento do Carrefour; bares e restaurantes aderem ao protesto
Cidade dos ricos visitada por Elon Musk no Brasil aposta em locações residenciais
Doações dos EUA para o Fundo Amazônia frustram expectativas e afetam política ambiental de Lula
Painéis solares no telhado: distribuidoras recusam conexão de 25% dos novos sistemas