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Os alunos desconfiaram quando Débora Garofalo, 39, propôs que construíssem em sala de aula um carrinho com materiais recicláveis , que iria se mover sozinho, usando apenas uma bexiga de festa. Alguns minutos depois, as crianças de 11 anos comemoravam ao ver o brinquedo que montaram se locomovendo. "A partir desse dia, minhas aulas mudaram. A ideia se espalhou e todas as turmas queriam fazer o mesmo", conta a professora, que depois dessa experiência criou o projeto “Robótica com Sucata”.

O trabalho desenvolvido na Escola Municipal Almirante Ary Parreiras, na Vila Babilônia, zona sul de São Paulo, levou Débora a ser uma das dez finalistas do Global Teacher Prize, considerado a maior premiação de educação do mundo. É o terceiro ano que o Brasil tem um professor concorrendo a US$ 1 milhão (cerca de R$ 3,7 milhões) na final. A condecoração acontecerá em Dubai, nos Emirados Árabes, em 24 de março.

“De cidades e aldeias remotas às escolas urbanas, esses professores lutam pela inclusão e direitos das crianças, integram os migrantes em sala de aula e alimentam a confiança e habilidade dos estudantes através da música, tecnologia, robótica e ciência”, diz a descrição do prêmio. “Todos eles são campeões por mudar e inspirar seus estudantes e comunidades, e nós os aplaudimos!”.

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Trajetória 

Formada em Letras e Pedagogia, Débora conta que desde criança sonhava em ser professora. Quando terminou o ensino fundamental, ingressou no antigo magistério, onde confirmou sua opção profissional. "Na época, muitos professores me perguntaram se eu tinha certeza de que era esse caminho que queria seguir. Eles falavam que trabalhavam muitas horas e ganhavam muito pouco. Eu sabia que seria difícil, mas ainda assim quis tentar”, conta.

O principal apoio para seguir a carreira veio da mãe, que trabalhava como assistente de estacionamento em um clube de elite da cidade e nunca conseguiu concluir o ensino médio. "Minha mãe não teve um estudo formal, mas lia muito e valorizava a educação", diz Débora. "Ela sempre dizia que a única coisa que poderia me deixar e que nunca ninguém iria me tomar era a educação”.

Robótica com Sucata

O projeto “Robótica com Sucata” teve início em 2014, quando Débora começou a trabalhar no laboratório de informática da Escola Municipal Almirante Ary Parreiras. Ela percebeu que os alunos adoravam os minutos em que iam para esse espaço, mas por acreditar que era para jogos de computador. "Para as crianças, era o momento dos joguinhos. Percebi que eles podiam aproveitar melhor esse tempo, descobrindo, de fato, o que é tecnologia", conta. 

Ela diz que queria ensinar robótica para os alunos, mas faltavam recursos. No entanto, a solução para o problema estava no entorno da escola: o entulho e lixo descartado nas ruas pelos moradores do bairro. "Levei os alunos para dar uma volta e pedi para que recolhessem materiais recicláveis. Quando voltamos para a sala, pensamos em como poderíamos usá-los”, relata a docente.

Em três anos, Débora e os cerca de 700 alunos de 1º ao 9º ano do ensino fundamental recolheram mais 700 quilos de recicláveis e produziram protótipos de aspirador de pó, mão mecânica e até placas para a produção de energia solar. "Apesar de animados com a ideia de construir sozinhos, muitas vezes eles não acreditavam que conseguiriam. Eles diziam que robótica era só para alunos de escola particular”, compartilha.

Carros se movendo por causa de uma bexiga, mão mecânica feita de papelão, fonte de água com caixa de isopor e muito mais. Neste vídeo, é possível ver alguns dos trabalhos que Débora realiza com seus alunos:

A professora também conta que o maior desafio foi convencer os alunos de que eles tinham capacidade e condições de construir o que quisessem. "É uma região muito carente, sofrem com a pobreza. Entendo esse sentimento porque vim de uma família carente também. Foram meus professores que me fizeram acreditar que eu podia ser o que quisesse, e eu queria fazer o mesmo para os meus alunos”, explica. A escola fica no distrito do Jabaquara que, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), tem 18,3% dos domicílios em favelas. 

Resultado inesperado

O projeto teve impactos que Débora não imaginava, como a redução de lixo descartado irregularmente no bairro. "No começo, cada vez que eu saía com uma turma para a coleta de materiais, voltávamos com 30 a 40 quilos de recicláveis. Agora, quase não achamos mais. Os alunos chamaram a atenção da comunidade para um problema que ocorria há anos e ninguém se dava conta”, relata a professora.

O colégio enfrenta ainda bastante dificuldade com a defasagem de aprendizado. Dados da Prova Brasil, avaliação do Ministério da Educação, mostram que só 31% dos alunos do 5º ano tinham, em 2017, desempenho considerado adequado em Matemática para a série - bem abaixo das médias estadual e nacional, (61% e 42%), respectivamente, no nível adequado. 

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Apoio

A indicação da professora é também comemorada por pais, alunos e colegas de trabalho. A educadora é vista como motivo de inspiração por quem convive com ela. "Comecei a gostar mais de matemática depois de aprender a montar as coisas com ela. Também não jogo mais lixo em qualquer lugar", afirma Kaique Alexsander da Silva Justino, 14, estudante do 9º ano.

A aluna Lívia Kaylane dos Santos Fernandes, 14, também do 9º ano, é só elogios e sonha alto com tudo o que aprendeu. "Fiz até um labirinto elétrico, com luzes que se acendem. Já pensei até em montar um carro voador", afirma.

"Dá muito orgulho da professora e também dos alunos, por tudo o que eles fazem. A minha filha fala muito bem das aulas, gosta muito do que aprende", afirma a auxiliar de limpeza Tairine Santiago dos Santos, 27, que além de mãe da aluna Tauane, do oitavo ano, também trabalha no colégio.

Professora do ensino fundamental 1, Alva Garcez, 47, elogia a colega. "São professores que se importam com as condições de vida dos alunos", afirma.

O coordenador pedagógico Luiz Fernando Machado, 33, é um dos incentivadores de Débora e viu de perto a transformação. "Até alunos que têm dificuldade em língua portuguesa e matemática desenvolvem coisas impressionantes. Eles se apropriam da escola. O aprender não precisa estar relacionado só a papel e lousa”, diz.

Coordenador do curso de Pedagogia da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Ítalo Francisco Curcio afirma que o reconhecimento conquistado pela professora Débora Garofalo é merecido, por ela conseguir envolver os alunos mesmo em uma realidade adversa. "Para mim, é a verdadeira professora. Se colocá-la em um colégio de alto nível, ela será brilhante, como também é brilhante em uma escola em uma região carente", afirma.

Segundo Curcio, a habilidade demonstrada pela professora não isenta os governos da responsabilidade de fornecer recursos para a educação. Porém, diz que um bom educador faz diferença na sociedade. "Quando chama o aluno, ela o desperta, o útil e protagonista. Ficamos maravilhados, porque são poucos", afirma.

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