Um vírus mortal foi desenvolvido em um laboratório do governo americano. Chama-se Valza. As pessoas comuns não foram informadas desse perigo porque o desenvolvimento e o vazamento proposital são secretos e quem tenta divulgar o tema corre grande perigo. Mas pesquisadores corajosos, de instituições acadêmicas renomadas, vieram a público denunciar o crime contra a humanidade.
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Entre o final de abril e a primeira semana de maio de 2020, 532 voluntários participaram de um estudo realizado por três pesquisadores da Universidade de Illinois, nos Estados Unidos, Thomas C. O'Brien, Ryan Palmer e Dolores Albarracin. Publicado em julho deste ano pelo Journal of Experimental Social Psychology, o trabalho “Misplaced trust: When trust in science fosters belief in pseudoscience and the benefits of critical evaluation” consistiu em apresentar para os participantes informações sobre o vírus Valza – que não existe.
Metade leu um texto em estilo jornalístico, com declarações de supostos militantes denunciando a conspiração. A outra parte recebeu um falso artigo acadêmico, com referências bibliográficas e linguagem mais técnica. Sem saber qual era a motivação da pesquisa de que faziam parte, todos preencheram uma ficha em que avaliaram a veracidade das informações que tinham acabado de acessar.
O resultado foi o esperado pelos pesquisadores: aqueles que leram o texto com linguagem acadêmica ficaram muito mais propensos a acreditar na história do que aqueles que receberam o conteúdo em formato jornalístico. A experiência foi repetida, dessa vez com uma suposta pesquisa que comprovaria de forma definitiva a relação entre alimentos geneticamente modificados e maiores chances de desenvolver câncer.
Novamente, dois textos de linguagem diferente foram apresentados. Mais uma vez, a parcela de pessoas enganadas foi maior entre quem teve acesso ao conteúdo supostamente científico. A conclusão dos acadêmicos foi: “A confiança na ciência, ainda que desejável em diferentes aspectos, faz as pessoas ficarem vulneráveis à pseudociência”.
Trabalhos pseudocientíficos
“O impacto da ciência depende de as pessoas aceitarem o conhecimento científico”, argumentam os autores, “o que por sua vez requer confiança. Seja encorajar comunidades a seguir medidas de mitigação da Covid-19 ou convencer gestores públicos a reduzir emissões de carbono, a informação científica só vai promover esses objetivos se as pessoas acreditarem neles”.
Em outras palavras, para os pesquisadores, existe um componente de crença na ciência, sem a qual suas descobertas não são implementadas na sociedade. “A confiança na ciência fortalece o apoio público e o investimento em pesquisas, o que por sua vez aumenta o impacto das descobertas. Indivíduos não religiosos podem também usar a fé na ciência como uma forma de amortecer a ansiedade”.
Infelizmente, prosseguem os autores, essa crença dá margem a aceitar com maior facilidade trabalhos pseudocientíficos ou fraudulentos. E eles são recorrentes, a ponto de diferentes autores elaborarem trabalhos falsos, de propósito, a fim de confirmar que o sistema de publicação de artigos é falho.
Fraudes recorrentes
Em 2013, o americano John Bohannon, jornalista que cobre ciências, enviou para 304 revistas científicas um artigo sobre um suposto fungo com poderes milagrosos contra o câncer. O texto era assinado com um nome claramente falso: Ocorrafoo Cobange, pesquisador de um Wassee Institute of Medicine, que também não existe. Pois 157 revistas aceitaram o artigo, apesar de todos os seus problemas evidentes.
Mais recentemente, diferentes pesquisadores se dedicaram a denunciar absurdos semelhantes, mas no campo das ciências humanas. Um deles, o matemático James Lindsay reescreveu um trecho do livro Minha Luta, de Adolf Hitler para parecer um tratado feminista. O texto acabou publicado na revista “Affilia: Journal of Women and Social Work”.
Já o filósofo e pedagogo Peter Boghossian escreveu um artigo mentindo ter examinado os órgãos genitais de 10 mil cães para entender mais sobre a “cultura do estupro e a performatividade queer”. Também emplacou o texto, este na revista Gender, Place & Culture.
“A fraude acadêmica é uma prática antiga, entretanto, as características da sociedade contemporânea – rapidez, tecnologias digitais e globalização – podem contribuir para sua banalização na atualidade”, aponta François Silva Ramos em dissertação apresentada na Universidade de Uberaba. Como a pesquisa da Universidade de Illinois aponta, a crença sem questionamentos na ciência pode aumentar o alcance desse tipo de conteúdo pseudocientífico.