Há duas semanas, a internet brasileira se agitou com imagens vindas de uma pequena cidade no sudoeste da Bahia. Em Jequié, a 356 quilômetros de Salvador, a prefeitura havia distribuído 18 mil mochilas – tamanho único – para os alunos da rede municipal. Cento e vinte delas foram parar nas mãos de crianças matriculadas em creches, gerando piadas e memes sobre as dimensões desproporcionais do material. Em uma das imagens, um menino aparecia dentro da mochila que recebeu, apenas com a cabeça para fora.
Pode ter sido sem querer, mas, como uma pesquisa rápida na internet comprova, Jequié alcançou a fama. Nas redes sociais, além das piadas, muitos criticaram o município pela falta de planejamento e o que temiam ser mais um caso de desperdício de verbas públicas. A preocupação faz sentido em um país como o Brasil. Mas os memes passaram por cima do fato e não deixaram margem para discutir os problemas reais: com alta evasão e reprovação, Jequié é uma das cidades com pior desempenho nos índices de ensino do Brasil. A distribuição das mochilas e de outros itens escolares é parte de um projeto que tenta mudar essa situação na cidade de 160 mil habitantes.
Um ensino em apuros
Uma longa história de escassez e má gestão levou as escolas municipais de Jequié a passar por dificuldades. Mesmo quando comparados aos de outros municípios baianos de tamanho similar, os índices educacionais da cidade ficam muito abaixo da média.
Jequié aparece apenas em 4.978º lugar entre os 5.570 municípios brasileiro no Índice de Oportunidade da Educação Brasileira (IOEB), que mede a qualidade do ensino a partir de dados como o desempenho dos alunos, a formação dos professores e a carga horária.
Em outros critérios, a situação não é muito melhor. No último ano letivo, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), a cidade registrou alarmantes 27,9% de abandono ou reprovação entre os alunos do Ensino Fundamental nas escolas municipais. A média nacional é de 11,5% .
Nos estudos que medem a proficiência em disciplinas fundamentais, Jequié também fica para trás: em língua portuguesa, apenas 24% dos alunos da cidade são considerados proficientes no nível esperado ao final do 5º ano, contra uma média nacional de 51%. A história se repete em matemática.
Revertendo a situação?
A Secretaria Municipal de Educação admite que o tamanho das mochilas, é sim, inadequado para alunos de creche. Mas o secretário Roberto Gondim, que assumiu a pasta no início do ano após a troca de prefeitos, diz que o episódio foi aproveitado politicamente para tirar o foco de outras medidas que a cidade tem implementado para tentar reverter o ciclo negativo do ensino local.
Uma das primeiras iniciativas desde a mudança de gestão foi promover uma campanha de matrículas na rede municipal, que vinha perdendo alunos nos últimos anos. Gondim afirma que, hoje, são mais de 17 mil estudantes, contra cerca de 14,6 mil no início do ano passado.
“Precisamos criar condições materiais de atrair estudantes da nossa cidade que estavam estudando em cidades vizinhas”, argumenta Gondim. “Isso, além do prejuízo financeiro para a educação da cidade, que perdia recursos oriundos do Fundeb, também fazia com que nossos alunos menores ficassem em situação de vulnerabilidade nas estradas todos os dias”. argumenta. Fez parte dessa estratégia a composição de um kit mais equipado, que incluísse, além de uniforme e material básico (estojo, lápis e borracha), as agora famosas mochilas.
A cidade também acaba de receber recursos federais de 148 milhões de reais para serem aplicados na educação. Um dos primeiros passos, diz o secretário, será reestruturar as escolas municipais.
A compra das mochilas
Na licitação para a compra do material escolar, a Prefeitura de Jequié orçou as mochilas com um valor de referência de R$ 16,00. No fim, o preço pago foi de R$ 11,40 por unidade. A vencedora foi uma empresa de Santa Catarina. “Uma mochila de qualidade é cara. A mais barata que temos custa R$ 9,90 na promoção, e é muito menor do que aquela que a prefeitura distribuiu”, disse à reportagem uma funcionária do comércio local que preferiu não se identificar.
Para a professora e coordenadora pedagógica Karla Lima, que atua na rede municipal de Jequié, a polêmica sobre as mochilas foi descabida. “A criança de creche não leva mochila. Quando carrega, é vazia, é porque ela quer ter a experiência de levar uma mochila para a escola”, diz. Se for feita uma substituição, Karla não acredita que haja interesse dos pais em trocar o material recebido por um menor: “Antes da mochila, tinha mães que chegavam lá de sacolinha, com toalha, cobertor, às vezes travesseiro, porque tem criança que só dorme com o travesseiro que ela gosta. São creches de tempo integral. Eles precisam de uma mochila grande para levar tudo o que precisam”.
O argumento da Secretaria de Educação é semelhante. Conforme a nota divulgada após o caso explodir na imprensa, a intenção não era que as crianças levassem a mochila por conta própria: o Ministério da Saúde recomenda que uma criança não carregue mais do que 10% do seu peso. “Confesso que no primeiro planejamento não estava na nossa linha de visão construir esse kit para as creches. Mas, quando o recebemos, nós avaliamos que seria uma atitude discriminatória não destinar uma demanda para elas também”, diz o secretário Gondim.
Após a controvérsia, o Ministério Público Estadual instaurou procedimento preparatório de inquérito civil para apurar a compra de itens “supostamente incompatíveis com o tamanho dos alunos da educação infantil”. Segundo Gondim, o processo licitatório permite um aditivo de 25% do valor inicial, que poderia ser usado para uma demanda de mochilas menores, mas a situação ainda está sendo avaliada. O secretário se defende: “Para mim, quem cometeu o grande crime foi quem expôs aquelas crianças dessa forma, para o Brasil inteiro, sem conhecer a verdadeira situação”.
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