Fachada do IMPA, instituição de ensino administrada no modelo de “Organização Social”. Foto: IMPA | Divulgação.| Foto:

O que aconteceria se as universidades públicas federais passassem a utilizar o modelo das organizações sociais (OS)? Essa é uma das ideias apresentadas pelo Ministério da Educação (MEC) na manhã desta quarta-feira (17). O pacote de iniciativas para aumentar a eficiência e estimular o contato das instituições federais de ensino superior com a iniciativa privada é amplo e inclui a possibilidade de enviar uma proposta ao Congresso para mudar a legislação, até para transformar parte da gestão pública em privada.

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“É positivo que o ministério, depois de uma relação meio atabalhoada com as universidades federais, tenha chamado os reitores para conversar e apresentado suas propostas para uma consulta pública. As reformas educacionais que vingaram no mundo são aquelas que ouviram a sociedade”, afirma Cláudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da Fundação Getúlio Vargas e da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (FGV/EBAPE).

“A proposta em geral, parte de um diagnóstico correto: as universidades federais, em sua gestão, estão um pouco distantes das sociedades em que elas estão inseridas, tanto do setor produtivo quanto dos setores mais vulneráveis da sociedade”.

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Sobre a proposta de aderir à gestão com OS, Costin afirma que elas funcionam especialmente bem em três setores específicos: cultura, pesquisa e gestão de hospitais. “As organizações sociais foram criadas para modernizar um pouco a gestão pública no Brasil, que é excessivamente rígida, e particularmente inadequada para essas três áreas”.

Case de sucesso

Organizações sociais são entidade privadas, sem fins lucrativos, que recebem suporte do governo para prestar serviços de interesse público. Elas foram criadas pela Lei 9.637, de maio de 1988. São OS que gerenciam, atualmente, boa parte dos equipamentos culturais de São Paulo, incluindo a Sala São Paulo, o Museu Catavento, o Museu da Língua Portuguesa, o Museu do Futebol, a Pinacoteca e a Biblioteca Mário de Andrade. Neste modelo de gestão, a OS, que não visa lucro, atua de forma a atender uma demanda contratada pelo Estado, que repassa recursos e cobra resultados – e a participação da iniciativa privada não só é bem vista como estimulada.

O modelo pode funcionar em instituições de ensino? Já funciona, na verdade. O Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA) é gerido com OS. Os resultados são expressivos. “Fui aluno de doutorado no IMPA, e na sequência passei um semestre fazendo pós-doutorado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O contraste entre as duas instituições era gigantesco”, conta Flávio Abdenur, bacharel em economia, doutor e pós-doutor em matemática e fundador de uma consultoria voltada para data science e machine learning aplicados a finanças, previsão e risco. “O IMPA é muito mais flexível, e essa é uma chave para seu sucesso”. Flávio lembra que, quando o instituto aderiu ao modelo de OS, a polêmica foi grande.

“O IMPA não é dominado por nenhuma ideologia, de esquerda ou de direita, mas tinha um pessoal que dizia que aderir à OS equivalia a fazer uma privatização branca. Mas a resistência foi vencida. Com isso, o IMPA pôde modernizar a contratação de profissionais”. No lugar dos concursos públicos, diz Flávio, entraram os procedimentos mais utilizados no exterior. “Antes, para contratar um professor estrangeiro, a burocracia era enorme. Hoje o IMPA contrata como fazem em Harvard e Yale: o candidato apresenta os artigos que publicou e cartas de recomendação de pesquisadores de renome”.

Cátedra financiada

Esse tipo de versatilidade, diz ele, ajuda a reter talentos do porte de Artur Avila Codeiro de Melo, o primeiro latino-americano a receber, em 2017 a Medalha Fields, o maior prêmio concedido a matemáticos de destaque antes dos 40 anos. Artur pôde iniciar os estudos de graduação no IMPA antes mesmo de concluir o ensino médio e hoje ocupa uma cátedra financiada pelo economista e ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga. “As cátedras financiadas ajudam a manter profissionais de altíssimo nível”, aponta Flávio Abdenur.

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Enquanto isso, na UFRJ, a neurocientista Suzana Herculano-Hoisel deixou o Brasil porque não conseguia manter seu laboratório de pesquisas funcionando. “Ela precisava de pouco dinheiro, mas a universidade não tinha condições de gerar um contrato de financiamento para uma única profissional. A instituição atua de forma muito engessada”, critica Pedro Menezes, editor e fundador do instituto Mercado Popular.

“O caminho das OS é factível, é uma boa ideia. E não compromete a característica da universidade pública”, afirma Pedro. “Não acaba com os mecanismos de gestão pela comunidade acadêmica, como a eleição para reitor. Quem acha que autonomia universitária se resume a contratar por concurso e fazer licitação tem uma visão muito estreita sobre autonomia universitária”.

Críticas

No modelo de gestão que o Ministério da Educação pretende expandir, o IMPA não precisa contratar por concurso, não faz licitações, negocia os salários de cada profissional, recebe doações privadas mas se compromete, por contrato com o governo federal, a não cobrar mensalidade, a não ser em cursos de especialização específicos, voltados para demandas do mercado de trabalho. É, portanto, uma instituição pública, fiscalizada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e gerida de forma a atrair parcerias privadas em nome da qualidade de ensino.

A proposta também recebe críticas. Para Cláudia Costin, aderir a uma única OS para gerenciar toda a parte pedagógica representa um risco. “Vejo com bons olhos as OS gerindo museus, hospitais universitários. Não vejo tão bem para a sala de aula, porque colocaria em risco a liberdade de cátedra”, ela argumenta.

Para a pedagoga Helena Albuquerque, professora da Pontifícia Universidade de São Paulo (PUC-SP), “o foco deveria ser na qualidade de ensino. Educação precisa de recurso econômico. Não é contratando terceiros que vai resolver o problema”. Presente no IMPA durante a transição para as OS, para Alípio Cazali, também professor da PUC-SP, aderir a esse sistema é o mesmo que iniciar um processo de privatização incomoda. “Reduzir o problema da universidade a uma questão de gestão é ter uma visão reduzida a respeito das instituições de ensino superior”, ele afirma.

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“A universidade é uma missão de estado, e não pode ter seu modelo reduzido. Essa sugestão é covarde, porque esconde o próximo passo, que é o da privatização, com base num argumento falacioso: o Estado não dá o que a universidade precisa, por isso ela não tem a qualidade que merece, e então o próprio Estado cobra a falta de qualidade de ensino e se utiliza desse argumento para destruir a universidade pública”.

Processo longo

De toda forma, a adoção de uma mudança deste porte depende de uma longa negociação, como lembra o biólogo Jaime Martins de Santana, que já atuou como pró-reitor de pesquisa e graduação da Universidade de Brasília e é o atual gestor do Instituto de Ciências Biológicas da instituição. “A legislação brasileira é muito estrita em relação ao serviço público e a seus procedimentos, pagamentos e contratos. Pela minha experiência como gestor, precisa mudar a legislação, e esse é um processo demorado, que depende de uma longa negociação com a sociedade”, afirma. “Mas, caso essa tramitação seja concluída, acho muito interessante que as universidades sejam parceiras de organizações sérias, que tenham transparência e sejam submetidas aos órgãos controladores”.