Por quase trinta anos, o governo norte-americano financiou o que hoje é considerado o maior projeto educacional da história. Conhecido como Follow Through e iniciado em 1968, na administração do então presidente Lyndon Johnson, o extensivo estudo prosseguiu até os dias de Bill Clinton, parando de receber financiamento apenas em 1995. O programa chegou a atender mais de 350 mil crianças em idade pré-escolar e tinha como objetivo entender qual modelo de instrução era mais eficiente para ensinar aquelas em desvantagem socioeconômica. Mais de 24 anos após o fim do Follow Through, porém, sua principal conclusão surtiu pouco efeito prático, e o modelo consagrado na época não foi adotado em ampla escala. Por quê?
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A ideia do Follow Through era manter um acompanhamento estrito, partindo de uma premissa simples: as escolas participantes podiam optar por uma entre várias metodologias desenvolvidas por especialistas e segui-las à risca enquanto sua participação no projeto durasse. Após alguns anos, uma avaliação compararia a evolução dos estudantes frente à performance média de alunos de escolas tradicionais.
Os dados mais robustos, coletados na primeira década do projeto, compreendiam o período até 1977, e um dos modelos se destacava claramente dos demais: a instrução direta, também chamada “instrutivismo”, trazia resultados melhores que todas as outras em relação aos conhecimentos acadêmicos básicos, à capacidade de resolver problemas e, inclusive, à autoestima dos estudantes.
Ensino explícito
Na instrução direta, o professor apresenta o conteúdo explicitamente aos alunos e segue um roteiro claro não apenas no que diz respeito à forma como isso é trazido à aula, mas em relação às respostas que os alunos podem vir a dar. Um extenso estudo de revisão publicado em 2018 pela Review of Educational Research, uma das principais publicações do mundo no campo da pesquisa educacional, reafirmou a efetividade do modelo “instrutivista”. Os pesquisadores analisaram 328 artigos publicados desde 1966, com cerca de 4 mil efeitos reportados. Ainda assim, esse método continua sendo preterido pelos diferentes sistemas de ensino, no Brasil e no exterior.
Segundo os autores da análise, uma razão pela qual a instrução direta pode não ser mais utilizada “envolve a crença de que os professores não vão gostar dela ou que ela reprime a habilidade do professor de trazer sua própria personalidade ao ensino. No entanto [...] uma implementação adequada da instrução direta não esconde ou apaga o estilo único de um professor. Na realidade, as apresentações cuidadosamente testadas nos programas deixam os professores livres de preocupações sobre como explicar seus exemplos ou a ordem em que apresentam as ideias, permitindo que foquem mais inteiramente nas respostas dos estudantes, garantindo seu entendimento”.
Apesar dos estudos favoráveis, o modelo costuma ser visto como excessivamente tradicional por ser centrado no professor e é deixado de lado por outras abordagens, como a construtivista.
“Há sempre uma certa tensão entre o que é mais conservador e mais centrado no aluno. O chamado progressivismo contra o que é mais tradicional atrai mais”, entende o psicólogo João Batista Oliveira, presidente do Instituto Alfa e Beto.
“Todo mundo tem a sua teoria e na alfabetização não é diferente. É próprio da nossa cultura educacional. Mas ou você respeita a ciência ou você não respeita, e age contra as evidências”.
No caso da alfabetização, haveria uma supervalorização do conhecimento sobre a função social dos textos, como forma de motivar as crianças para a leitura, em detrimento de aspectos técnicos fundamentais para o ato de ler.
Para Oliveira, o uso de uma abordagem construtivista no processo de alfabetização parte de uma premissa equivocada, segundo a qual a aprendizagem da leitura partiria de dentro para fora - e não o contrário. “Nesse pensamento, existem etapas no desenvolvimento da criança que levariam inexoravelmente à leitura”, explica. “Mas o ato de ler é diferente de andar, de nadar, de falar. A leitura, a escrita, foram invenções. É muito improvável, do ponto de vista antropológico, o cérebro chegar sozinho a algo que não existe. Não há estudos empíricos que comprovem que esses métodos funcionem para alunos que vêm de ambientes socioeconômicos menos favorecidos”, aponta.
Na visão do professor Luiz Faria, doutor em educação e membro ad hoc do Grupo de Estudos sobre Aprendizagem Infantil da Academia Brasileira de Ciências, a distinção entre a leitura (ou a habilidade de fazer cálculos matemáticos simples) e a capacidade de andar ou falar não é contemplada pelas abordagens construtivistas: “essa é uma crença mais ou menos generalizada de que a melhor maneira de aprender é imitando o aprendizado natural. Mas existem aprendizados biologicamente primários, programados no processo evolutivo, e os biologicamente secundários, códigos como a leitura e a matemática, que exigem algo diferente. Você não precisa dar aula para a criança caminhar, mas precisa fazer isso para ela começar a ler”, exemplifica.
“Nós precisamos deslocar mais nossa prática na direção do instrutivismo”, afirma Faria. “Isso não significa aplastar as características individuais, não levar em conta o sujeito, mas utilizar o que acumulamos de conhecimento sobre o processamento de informação no cérebro e sobre os procedimentos eficazes e ineficazes para gerar aprendizado”. Usar esse conhecimento, sublinha o especialista, inclui abraçar resultados como os levantados pelo Follow Through:
“No final das contas, os modelos instrucionais que ensinavam habilidades básicas de forma explícita e direta geraram melhores resultados não só nessas habilidades, mas também nos testes que exigiam capacidade de pensar sobre o pensar, e na autoestima dos alunos”.
Os pesquisadores costumam coincidir que, nas discussões sobre abordagens educacionais, o debate acabou sendo contaminado por uma politização excessiva - a opinião e o “feeling” do professor se sobrepondo ao que diferentes estudos demonstram. Um conhecido artigo de Douglas Carnine, professor emérito do Departamento de Educação da Universidade do Oregon, questiona justamente a dificuldade de os especialistas de sua área adotarem “práticas eficientes”.
“Uma profissão madura”, escrevia Carnine no ano 2000, “é caracterizada por uma mudança dos julgamentos de especialistas individuais para julgamentos restringidos por dados quantificáveis que podem ser inspecionados por uma ampla audiência, por uma menor ênfase na confiança individual e mais na objetividade, e um papel maior de medidas padronizadas e procedimentos informados por investigações científicas que usam grupos de controle”.
Em sua leitura, a educação ainda não havia atingido a maturidade de áreas como, por exemplo, a medicina, onde tamanho volume de evidências científicas a favor de um determinado modelo não seria ignorado.
Hoje, acredita Luiz Faria, essa maturidade ainda não teria se assentado na área. “Nós fomos colocados em um caminho que até era científico no início do século 20, mas a ciência avançou desde então”, entende. “O que aconteceu é que boa parte do que era negado pelas pedagogias novas do início do século 20 encontrou, posteriormente, confirmação conforme as ciências cognitivas e as neurociências avançaram nos últimos 50 anos. Muitas das teses da pedagogia tradicional, em vez de serem enfraquecidas ou falseadas, foram confirmadas. Essa atualização científica não ocorreu na sala de aula”, conclui.
* Para saber mais:
The Effectiveness of Direct Instruction Curricula: A Meta-Analysis of a Half Century of Research - Publicado na Review of Educational Research