Representantes dos conselhos federais de Medicina, Veterinária, Farmácia e de outras entidades da área de saúde defenderam a proibição de qualquer modalidade a distância de cursos de graduação do setor. As manifestações foram feitas em audiência pública realizada nesta terça-feira (27), na Câmara dos Deputados.
Concretamente, os conselhos lamentaram a autorização dada pelo Ministério da Educação (MEC) de abertura de 913 mil novas vagas na modalidade, em 2019, sem fiscalizar a fundo, segundo os conselhos, a qualidade das faculdades. Em alguns casos, segundo relatos das entidades de classe, futuros profissionais aprendem em condições deploráveis.
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As críticas aconteceram durante audiência pública que tratou do Projeto de Lei (PL) 5.414/2016, do ex-deputado e atual senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG). Se aprovado, o texto alterará a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), que prevê o EaD, mas proibindo essa modalidade em cursos da área de saúde.
Walkírio Almeida, do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), apontou que durante recente vistoria em polos de faculdades, os fiscais encontraram estudantes em condições precárias.
“Se hoje temos ressalvas ao EaD é em razão de termos registrado problemas. Vimos polos em açougues e em praças. Vimos polos com apenas uma televisão, sem biblioteca e laboratórios. O que nos preocupa não é a inovação, mas o que produzimos à sociedade. Quem lidará com o profissional não é a instituição, mas os conselhos”, pontuou.
Essa não é a primeira vez que conselhos se posicionam contra a modalidade a distância. No início deste ano, algumas entidades editaram resoluções dificultando o registro profissional de graduados nesse modo de ensino.
A batalha dos conselhos contra o EaD aumentou após o crescimento acelerado do número de cursos nesta modalidade nos últimos anos no Brasil. De 274.603 novas vagas autorizadas pelo MEC, em 2017, o número saltou para 913.300, em 2019. Já em 2018, o credenciamento atingiu o patamar de 616.532. Atualmente, existem 396 diferentes tipos de cursos vigentes na modalidade a distância no país.
As autorizações mostram, na opinião de Zilamar Costa, do Conselho Federal de Farmácia (CFF), que a política pública do governo no ensino superior está "direcionada à quantidade em detrimento da qualidade, beneficiando financeiramente as faculdades".
“Atingir metas através de quantidade sem qualidade não significa inclusão social, mas mercadológica. Essa democratização do ensino foi uma clara transferência de responsabilidade e função que seria do MEC. Não existe fiscalização. Tem autorização de EaD sem atuação nenhuma depois”, disse.
O MEC, durante a audiência, defendeu o modelo híbrido de EaD nas áreas de saúde, com aulas presenciais e a distância.
“A posição do MEC é não ter curso 100% EaD na área de saúde. Mas o que é matéria de conhecimento teórico, não vemos obstáculo. O que for de atividade prática, cada caso deve ser estudado. Se eu furar uma veia, com certeza isso deve ser feito presencialmente, com um médico ao lado. Essas questões não são objetos de discussão”, declarou Marcos Heleno Júnior, do MEC .
Preocupação de entidades é com a prática
Os conselhos federais, porém, também não acreditam no modelo híbrido. As entidades de classe temem que o aumento da oferta diminua a qualidade das graduações, o que afetará, dizem, o serviço prestado pelos futuros profissionais.
O presidente do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV), Francisco de Almeida, pediu na audiência que o MEC passasse a convocar as entidades para avaliar os pedidos de novos cursos, deixando de ser uma tarefa exclusiva da pasta.
“Falo estando na ponta do sistema capaz de fiscalizar o exercício profissional. Por que os conselhos não participam com o MEC na análise da qualidade da faculdade para saber se realmente atende às exigências? Oferecem cursos sem hospital veterinário e não é um curso barato. A graduação precisa de um carinho especial”, destacou.
Na área da saúde, a Medicina Veterinária foi o curso com o maior crescimento de matrículas na modalidade a distância no Brasil, passando de 500 em 2017 para 21.400 em 2019. O crescimento no período chegou a 4.188%. Mas o curso de saúde com o maior número de matrículas em EaD ainda é Fisioterapia, com 135 mil vagas.
“Como vou analisar um animal a distância, o seu comportamento e sua pelagem? Eu preciso do contato na hora do ensino (...). Como eu vou fazer uma inspeção num frigorífico a distância, por exemplo?”, exemplifica Almeida.
A prática, segundo o Conselho Federal de Medicina (CFM), abrange a maior parte da graduação médica. Somente na especialização em residência, são mais de 3 mil horas.
“O treinamento prático é substancial na formação daqueles que têm como principal função cuidar da vida humana. Não é ser contra a tecnologia, mas isso deve ser feito com responsabilidade”, frisou Dalvério Madruga, um dos membros da cúpula do CFM, acrescentando que a posição da entidade está definida e irredutível: “é contrária a modalidade de ensino a distância para graduação das profissões da saúde”.
Faculdades defendem modernidade
Segundo o MEC, 93% das matrículas de alunos no EaD são de instituições privadas. As faculdades garantem que pelo menos 50% das aulas são presenciais.
“É importante que em nenhum momento a gente confunda conteúdo entregue com tecnologia com baixa qualidade de ensino, com picaretagem. Também existem cursos presenciais de baixa qualidade e de pouca credibilidade. Precisamos defender o ensino de qualidade e entender que nós não podemos condenar um garoto que está nascendo agora a aprender da mesma forma que a gente. Precisamos ter uma regulação que acompanhe a modernidade”, justificou a presidente da Associação Nacional de Universidades Particulares (ANUP), Elizabeth Guedes, irmã do ministro da Economia, Paulo Guedes.
Para o presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE), Luiz Curi, atualmente, o debate sobre o EaD está permeado pelo fator ideológico. Ele compreende que o problema na educação superior brasileira está no currículo e não na maneira como a graduação é ofertada.
“A educação a distância não pode ser discutida como fator ideológico, se faz mal ou se faz bem. Precisamos discutir a educação superior e no âmbito dela o processo de inovação e modernidade dos cursos. Talvez o problema não seja a educação a distância, mas os currículos conservadores e pastosos”, ponderou.
Os argumentos não convenceram alguns dos deputados federais da Comissão de Seguridade Social – colegiado onde atualmente tramita a proposta de lei que pretende proibir cursos EaD na saúde.
“Falo com toda propriedade porque sou médico e cientista: o Brasil tem deficiência de faculdades? Tem, de fato, mas devemos cobrar dos governantes. Eu, como relator, sou contra [o EaD]. Já dou meu voto aqui e irei até o fim, pelo menos até que alguém consiga me convencer de que esse programa na área de saúde funcione”, declarou Zacharias Calil (DEM-GO).
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