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No Brasil, quatro a cada cinco crianças e adolescentes estão matriculados em escolas públicas, sendo 48,1% nas redes municipais e 32% nas estaduais, conforme dados do Censo 2019. Apesar de ainda haver baixa adesão, boa parte dos estados e capitais brasileiras já autorizaram o retorno às aulas presenciais na rede particular de ensino. Na rede pública, porém, esse retorno tem sido bem mais lento, e os alunos ainda passam por grandes indefinições quanto à volta às aulas presenciais.
Além disso, há um outro agravante: escolas públicas tendem a apresentar capacidade mais lenta de recuperação da aprendizagem perdida em 2020, de acordo com especialistas em educação consultados pela reportagem.
Com a indefinição do calendário de volta às aulas presenciais, alunos de instituições públicas, que desde o início da pandemia passam por maiores desafios e complicações referentes ao aprendizado ainda podem permanecer por meses fora das escolas, sujeitos a impactos relacionados não somente à educação, mas também à saúde, ao desenvolvimento emocional, à assistência social e até mesmo à própria segurança.
O Unicef tem se manifestado com frequência a favor da reabertura das escolas. Em um comunicado oficial divulgado em 11 de dezembro, a agência da ONU informa que, nove meses após o início da pandemia no Brasil, a situação de crianças e adolescentes se agravou, particularmente, entre as famílias mais pobres. Com dados da segunda etapa da pesquisa “Impactos Primários e Secundários da Covid-19 em Crianças e Adolescentes”, realizada pelo Ibope Inteligência a pedido do Unicef e divulgada na semana passada, a entidade reforça a preocupação com o direito à educação e joga luz aos demais impactos gerados pelo fechamento das escolas.
“A pandemia tem atingido crianças e adolescentes desproporcionalmente, sobretudo, aqueles que vivem nas famílias mais pobres. A queda da renda familiar, a insegurança alimentar e, praticamente, um ano de afastamento das salas de aulas terão impactos duradouros na vida de meninas e meninos”, diz Florence Bauer, representante do Unicef no Brasil. Florence afirma que o longo tempo de fechamento de escolas e o isolamento social têm impactado profundamente não apenas a aprendizagem, mas também a saúde mental e a proteção de crianças e adolescentes.
“O Unicef pede urgência aos novos governantes municipais para a reabertura de escolas com segurança e a implementação de políticas para garantir o direito à educação, olhando especialmente para as crianças e os adolescentes mais vulneráveis, que foram mais duramente impactados pelos efeitos da pandemia no País”, declara.
Veja abaixo as 5 principais consequências da suspensão prolongada das aulas presenciais para crianças de escolas públicas.
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1. Impactos diretos no aprendizado
O prejuízo decorrente do fechamento das escolas que é mais facilmente observado relaciona-se às perdas no aprendizado. Para Carolina Campos, educadora e fundadora do Instituto Vozes da Educação, a desigualdade educacional no Brasil já era crônica e passou por um aumento agudo desde o início da pandemia. “Aquela desigualdade que já havia antes da pandemia, ou porque alguns pais não eram alfabetizados, ou porque algumas crianças tinham mais acesso a recursos educacionais do que outras, sempre existiu. Agora temos também a desigualdade da criança que não teve acesso ao ensino remoto porque não tinha internet ou recursos tecnológicos, porque não teve acesso à merenda escolar, não teve apoio dentro de casa para os estudos, não teve recursos oferecidos pelas próprias escolas”, declara a educadora.
Carolina destaca que evidências científicas apontam que crianças que ficam fora da escola por longos períodos não somente deixam de adquirir novos conhecimentos, mas também perdem parte dos conhecimentos que já estavam consolidados.
De acordo com João Batista Araujo e Oliveira, doutor em Educação e presidente do Instituto Alfa e Beto, a faixa etária que terá maiores impactos em seu aprendizado será a de crianças em idade de alfabetização. “Todas as crianças que ainda não foram alfabetizadas terão mais dificuldades porque ainda não têm autonomia para os estudos. É a alfabetização que dá autonomia, e por isso essas crianças terão mais prejuízos”.
A fundadora do Instituto Vozes da Educação endossa que alunos em fase de alfabetização foram mais impactados neste ano, da mesma forma que alunos que estão terminando o ensino médio ou encerrando etapas de ensino. “É muito ingênuo achar que vamos recuperar essa aprendizagem no ano que vem. É um processo de anos”, observa.
2. Maior probabilidade de evasão escolar
54% dos pais de alunos de escolas públicas declaram que seus filhos estão desmotivados com a rotina de ensino remoto e 30% temem que eles abandonem os estudos durante a pandemia, aponta a pesquisa “Educação não presencial na perspectiva dos estudantes e suas famílias”, do Datafolha. O estudo, divulgado em outubro, foi feito com 1.021 pais ou responsáveis de estudantes com idade entre 6 e 18 anos das redes públicas municipais e estaduais.
De acordo com a pesquisa PNAD Contínua 2019, do IBGE, a necessidade de trabalhar foi o principal motivo para a evasão escolar (com 39,1%) seguido da falta de interesse (29,2%). Entre as mulheres, a gravidez soma 23,8% das causas de desistência. Segundo fontes ouvidas pela reportagem, os três motivos tendem a ser potencializados pelos efeitos socioeconômicos da pandemia e do fechamento das escolas e contribuem para o aumento do abandono escolar.
“Para o ano que vem a evasão escolar será uma das grandes questões. Muitas dessas crianças e desses adolescentes não voltam porque as meninas engravidaram ou entraram no mercado de trabalho para ajudar em casa, os meninos também começaram a trabalhar ou até mesmo entraram para o tráfico”, afirma Carolina. “Para trazer esses adolescentes novamente à escola é muito difícil. Muitos deles estão entrando no mercado de trabalho porque as famílias precisam da renda que eles trazem”.
Como já mostrado pela Gazeta do Povo, a formação educacional incompleta decorrente da evasão escolar se traduz em salários mais baixos, pior qualidade de vida e maior exposição à violência, além de prejudicar a coletividade e o crescimento do país, já que esses jovens vão contribuir menos para a produtividade econômica.
3. Impactos na saúde emocional e física
De acordo com Daniel Becker, pediatra e mestre em Saúde Pública pela Fiocruz, o fechamento das escolas pode impactar diretamente a saúde emocional das crianças e adolescentes. “Com a pandemia e o fechamento das escolas, o direito à educação ficou ainda mais restrito. E as crianças, dentro da sua realidade, estão sujeitas não só às consequências da perda de conhecimentos, capacidades e habilidades, mas também de outros elementos essenciais da escola, como a socialização com outras crianças e o contato com os professores, que para elas são figuras-guia”, afirma o pediatra, que é um dos coordenadores da campanha “Lugar de Criança é na Escola” – iniciativa com o objetivo de mobilizar a sociedade e o poder público para aumentar o investimento nas escolas públicas e garantir estrutura mínima para o retorno seguro às aulas presenciais.
Becker explica que a escola, sendo o primeiro espaço público da criança, oferece aprendizados importantes não somente em sala de aula, mas nos intervalos, nos encontros, no recreio, nas conversas. “Nesses momentos elas aprendem tanto quanto na sala de aula. Essa perda é muito significativa”, afirma.
O pediatra também aponta possíveis perdas relacionadas à imunidade das crianças. “Há falta de interação com outras crianças e falta de contato com a natureza, que são fortalecedores da imunidade”. Becker afirma que há vários outros fatores decorrentes da pandemia e do isolamento social, que incluem o sedentarismo, a alimentação inadequada e até mesmo o uso excessivo de álcool-gel, que podem contribuir para que as crianças tenham pior imunidade nos próximos meses. “Estamos diante de uma terceira onda, digamos assim, que virá em março e abril. É uma época de muitas viroses, e é perigoso enfrentar essa onda sem vacina, sem escolas abertas – que são protetoras das crianças – e sem um controle mínimo da pandemia”.
4. Prejuízos à alimentação
Segundo levantamento do Unicef, apenas 45% das famílias que possuem crianças e adolescentes em idade escolar matriculadas em instituições públicas de ensino receberam alimentação da escola durante o período de fechamento por causa da Covid-19. Entre as famílias com renda de até um salário mínimo, 42% deixaram de ter acesso à merenda escolar durante a pandemia. A alimentação recebida na escola é fundamental para garantir a segurança alimentar de crianças e adolescentes em situações de vulnerabilidade.
“Na rede pública, muitas das crianças vão para a escola para poder se alimentar. É incontável a quantidade de famílias brasileiras que mandam suas crianças para as escolas porque lá vão ter a única refeição de qualidade do dia”, aponta a fundadora do Instituto Vozes da Educação.
A educadora explica que apesar das iniciativas de vários estados para fazer com que a alimentação chegue à casa das famílias carentes durante a pandemia, os estados não são responsáveis por toda a educação em seus territórios, então os níveis de ensino atendidos pelos municípios não estão sendo beneficiados com essas medidas.
“O estado do Ceará, por exemplo é responsável só pelo ensino médio. Os níveis infantil e fundamental são de responsabilidade dos municípios. Já em Minas há creches que são de responsabilidade do estado. Mas a responsabilidade dos entes federados varia muito. No Ceará, as crianças da rede estadual estão recebendo vale alimentação. Mas e as crianças que estão vinculadas à rede municipal?”, observa Carolina.
5. Maior exposição à violência
A escola pública, além de um local propício para o aprendizado, o lazer e a alimentação, também é um local seguro para que pais que trabalham fora de casa deixem seus filhos. Durante a pandemia, muitos desses pais ou responsáveis não têm condições de trabalhar em home office e se veem obrigados a deixar os filhos em creches clandestinas, na casa de outras famílias e, na impossibilidade de um local com o mínimo de segurança, muitas vezes crianças e adolescentes ficam sozinhos em casa ou nas ruas, o que aumenta a possibilidade de exposição a todos os tipos de violência.
Desde os primeiros meses da pandemia do coronavírus, o Unicef tem alertado que crianças e adolescentes se tornam especialmente vulneráveis no contexto da pandemia do coronavírus, e podem estar expostos a situação de violência física, sexual e psicológica.
“Na época da epidemia de ebola, em algumas comunidades de Serra Leoa houve aumento de 65% na gravidez na adolescência como consequência da ausência do ambiente escolar. Daqui a algum tempo vamos entender o impacto dessa pandemia na gravidez de adolescentes”, lamenta Carolina Campos.