Cientistas veem horizonte incerto para seus projetos| Foto: Rovena Rosa/Agência BrasilRovena Rosa/Agência Brasil

O controle do mosquito da dengue, a economia de energia, maiores índices de reciclagem dos centros urbanos e tratamento mais eficaz do câncer de pele. Parece claro que tudo isso é relevante. Mas cientistas ligados a essas e outras pesquisas veem um horizonte incerto para seus projetos. Além de cortes de verbas em 2016, o pagamento de bolsas concedidas pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a emissão de novos editais não estão mais garantidos desde que o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) teve quase a metade do orçamento reduzido em março deste ano. As bolsas a serem pagas até setembro foram garantidas, mas o restante é um enigma. 

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O que impressiona é que áreas fundamentais, como saúde pública, estejam entre os primeiros a sofrer com a tesourada. É o caso de uma pesquisa para o controle da reprodução do mosquito da dengue em 10 capitais. O projeto investiga o efeito das mudanças climáticas na maior reprodução do inseto – que transmite quatro doenças diferentes e foi protagonista de um dos maiores pânicos sanitários do país nos últimos anos. 

Dos R$ 500 mil que seriam financiados pelo CNPq e Ministério da Saúde, necessários para pagar pessoal e comprar equipamentos, entraram R$ 150 mil e não se falou mais nisso. “Estamos tendo que transformar bexiga em avião”, compara o coordenador da pesquisa, o geógrafo Francisco Mendonça, que também é pró-reitor de Pesquisa e Pós-graduação da Universidade Federal do Paraná (UFPR). 

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A perspectiva de enxugamentos maiores faz profissionais enxergarem um futuro gravíssimo para a ciência no país, na contramão do que fizeram países como a Coreia do Sul, um caso de sucesso em que o investimento continuado em educação e pesquisa tirou o país da pobreza e o levou ao topo dos indicadores econômicos. 

Por aqui, o que se vê é a possibilidade de uma “pane nacional da Ciência e Tecnologia”, afirma o economista Christian Luiz da Silva, professor da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). Seu grupo de pesquisa realiza um mapeamento da situação de capitais brasileiras após a implantação da nova política nacional de resíduos, em 2010. Para se ter uma ideia, Curitiba, que já foi a casa da Família Folha e dava exemplo ambiental, hoje registra oficialmente menos de 5% de reciclagem, contando a coleta do “Lixo que não é Lixo” e de cooperativas associadas à prefeitura. 

Sabe-se que o número real é maior, dada a grande rede informal de carrinheiros espalhada pela cidade. O projeto da UTFPR, associado a cerca de 30 cientistas em todo o mundo, busca saber o tamanho exato do mercado informal de reciclados de forma a municiar não apenas políticas ambientais dos municípios, mas também as empresas. “As indústrias hoje não podem contar [com reciclados como matéria-prima] com regularidade de entrega”, explica Silva. “É preciso enxergar a reciclagem como mercado.” 

Ele lamenta que o financiamento para pesquisas como a sua tenha ficado agora mais incerto. No seu caso, são necessários livros importados e sistemas de georreferenciamento, entre outros equipamentos, além do custeio de viagens para a pesquisa de campo em outras capitais. 

Contra o câncer 

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Algumas áreas requerem dedicação exclusiva do aluno, devido aos longos processos laboratoriais. É o caso da bioquímica, campo em que são desenvolvidas as bases para inúmeras aplicações na medicina e na indústria farmacêutica. Uma dessas frentes é a pesquisa que tenta entender por que em algumas pessoas não funciona o tratamento contra o câncer de pele do tipo melanoma. A hipótese está relacionada com a maior taxa de melanina – a resistência viria do fato de a célula ser pigmentada. 

Mas até ser possível indicar com segurança uma relação de causa e efeito que possa orientar o tratamento médico leva tempo. “É preciso entender como a produção de melanina interfere na célula, os processos de morte celular e as proteínas envolvidas, como ocorrem os danos ao DNA e como o pigmento afeta a manutenção da célula”, enumera a professora do departamento de Bioquímica e Biologia Molecular da UFPR Gláucia Regina Martinez. 

Para piorar, é justamente nas áreas experimentais que o custo da pesquisa é mais elevado e requer financiamento para existir. Além dos equipamentos, só com a presença constante de alunos pesquisadores os resultados têm qualidade. São 35 os bolsistas do CNPq de Bioquímica na UFPR, somando mestrandos e doutorandos. "Se ficarem sem bolsa, os alunos terão que procurar trabalho externo, e a produtividade e a qualidade dos trabalhos ficarão muito para trás”, lamenta Gláucia. 

Não é raro as pessoas usarem o salário ou bolsa para dar andamento às pesquisas, algo que a coordenadora da pós-graduação em Direito na UFPR, Clara Maria Roman Borges, tem visto muito ocorrer. Nessa área, são frequentes as viagens para debater casos e sentenças e participar de fóruns. Um exemplo foi a participação recente de uma professora em uma audiência pública que discutiu os limites éticos de se manter bancos de perfis genéticos para perfilar criminosos – quando se recolhe amostras de sangue da pessoa detida para documentar o DNA. “Não sei até quando as pessoas vão aguentar pagar do próprio bolso”, avalia a coordenadora. 

Iniciativa privada 

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Uma alternativa seria ampliar a busca por recursos na iniciativa privada, algo ainda muito pontual no país. “O diálogo é tênue com as empresas, que nem sempre podem esperar um retorno financeiro por até seis anos”, explica Christian Luiz da Silva, da UTFPR. 

Um exemplo bem-sucedido é uma pesquisa da UTFPR que insere equipamentos mais inteligentes em sistemas de energia renovável, como na captação da luz solar – capazes de economizar e garantir o retorno do investimento, seja em residências ou empresas. A pesquisa, coordenada por Paulo Cézar Stadzisz, do departamento de Informática, foi selecionada pela norte-americana National Instruments, fabricante de equipamentos da área energética, para receber financiamento. 

Por outro lado, nem toda pesquisa interessa ao mercado, a exemplo da investigação a respeito da desigualdade no ambiente de trabalho relacionada à tecnologia e gênero, do programa de pós-graduação em Tecnologia e Sociedade da UTFPR, coordenado por Nanci Stancki. “Infelizmente, a pesquisa, que deveria ser considerada investimento, é considerada um gasto”, ela resume.