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“Eu tenho um sonho de que meus quatro filhinhos, um dia, viverão numa nação onde não serão julgados pela cor de sua pele e sim pelo conteúdo de seu caráter”Martin Luther King

“Todos têm perguntado ... ‘que devemos fazer com o negro?’ Eu tenho apenas uma resposta desde o início. Não façam coisa alguma para nós! Vocês terem feito algo para nós já nos causou dano. Não nos façam coisa alguma! (...) se o negro não puder se apoiar em suas próprias pernas, então o deixe cair”. 

Frederick Douglass

Gazeta do Povo publicou recentemente um artigo (“Eu me declaro pardo”: reprovados por comitê de cotas, alunos protestam contra UFPE”) que reacende o problema insolúvel das cotas nas Universidades. Por que insolúvel? Ora, porque a questão das cotas é motivada não por razões, mas por uma ideologia. E por essa razão cotas deveriam ser banidas: não há como resolver racionalmente essa questão, uma vez que ela está corrompida em sua origem. Em verdade, as cotas mesmas são uma política ineficiente, irracional e insensata, como já foi demonstrado, de forma amplamente justificada e documentada, por autores como Thomas Sowell, Walter Williams, Richard Sander e Stuart Taylor.

Assim, o tema das cotas faz parte dos dogmas adotados por nossas universidades, juntamente com os mantras da “diversidade”, da “inclusão”, etc. Tais são apenas alguns dos dogmas dos quais partem nossos gestores, os quais eles simplesmente não questionam (afinal, são dogmas). Assim, ao evocarem seus dogmas, nossos ungidos “justiceiros sociais” (geralmente parte de uma “elite” acadêmica branca de esquerda), desde dentro da universidade, recorrem a uma forma de atuação cujo propósito é simplesmente manipular o público mediante o apelo emotivo, especialmente na defesa de políticas e ideias destinadas ao fracasso (como o sistema de cotas). Dessa maneira, eles partem desses dogmas e, ao invés de se deixarem orientar por argumentos racionais voltados para a verdade (que deveria, aliás, ser o propósito mais elevado de uma Universidade), imergem em apelos emotivos, deixando de lado qualquer resquício de razoabilidade.

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Um desses dogmas é o das “cotas”, especialmente (mas não apenas) o das “cotas raciais”. Aliás, um dogma de tal forma enraizado no universo acadêmico que qualquer um que o questione será imediatamente chamado de ‘racista’ (ou, como mais na moda atualmente, de ‘fascista’ e ‘intolerante’). 

Dessa maneira, temos sido reiteradamente ensinados, em nossas Universidades, que o sistema de “cotas” é a solução para o problema das assim chamadas “minorias”. Atualmente vários grupos são beneficiados com essa denominação. Mas cabe perguntarmos: tal sistema é, realmente, eficiente? Não apenas isso, é ele justo? Ou, ainda: essa política visa realmente beneficiar as chamadas “minorias” ou assegurar a promoção daqueles “posers de moralidade” (a “elite” acadêmica branca de esquerda) que adotam tais “minorias” como ‘mascotes’ para seu próprio proveito?

Bom, a questão da eficiência é, aqui, irrelevante. Não apenas o termo “eficiência” é politicamente incorreto em nossas universidades, como também elas têm sido tradicionalmente geridas pela esquerda. Ou seja: são administradas por quem não precisa pensar em ideias que as tornem eficientes. Como disse Thomas Sowell, “não deveríamos ficar surpresos por encontrar a esquerda em instituições nas quais as ideias não precisam funcionar para sobreviver”. Assim, dado o dogma da “imaculidade da universidade” (concebida sem o “pecado original” do aliciamento pelo mercado), segundo o qual ela não pode se imiscuir com interesses de mercado e com a ideia de empreendedorismo, falar em “eficiência” das políticas adotadas nas universidades é uma heresia acadêmica (uma heresia que, felizmente, vem sendo cometida por algumas áreas em particular, por seu mérito e virtude).

E quanto à (in)justiça de tais políticas? 

Eu diria, primeiramente, que quando o que importa é ser “politicamente correto” e perpetuar o discurso emotivo, pouco importa considerações racionais (e, mesmo, fatos) atinentes à legitimidade de tais políticas. Mas, embora nossos gestores sejam cegos para elas, essas considerações existem. Dois estudos seminais esclarecem, de forma persuasiva e amplamente documentada, não apenas a injustiça dessas políticas, mas também seu destino ao fracasso. Refiro-me às obras “Ações Afirmativas ao redor do mundo” (2004), de Thomas Sowell, e “Mismatch: How Affirmative Action hurts students It is intended to help, and why Universities won’t admit It” (2012), de Richard Sander e Stuart Taylor. 

Essas são duas obras fundamentais para analisarmos racionalmente a questão, sem sentimentalismos tóxicos, sem demagogia e sem populismo. Urge o estudo de tais estudos, especialmente nesse momento em que ações ditas “afirmativas” se impuseram dogmaticamente desde nossas universidades. 

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Com efeito, um dos dogmas solapados pelos autores dessas obras é o dogma dos efeitos positivos das ações afirmativas. A obra de Thomas Sowell, por exemplo, nos oferece um estudo empírico que revela toda a hipocrisia e demagogia por detrás das ações afirmativas. Ele analisa circunstanciadamente os resultados empíricos das políticas preferenciais implantadas em países como Índia, Malásia, Nigéria, USA, etc, chegando a conclusões que certamente seriam aplicáveis ao Brasil. Em resumo, em lugar algum do mundo as ações afirmativas funcionaram como uma política pública minimamente razoável. Ou seja, nossas universidades (mediante seus gestores) estão tão atrasadas (e desligadas da ideia de eficiência) que não apenas recorrem a ideias fracassadas: elas o fazem mesmo havendo exemplos que demonstram o fracasso dessas ideias. 

Como constatado pelos autores dos livros referidos (e por Frederick Douglass no século XIX), os negros, por exemplo, nunca foram beneficiados pelo assistencialismo (do qual fazem parte as ações afirmativas). Em verdade, eles não foram beneficiados por qualquer programa de assistência social. A economia de mercado (capitalismo) sempre foi o mecanismo mais eficiente para assegurar a prosperidade geral (inclusive das “minorias”). 

Nesse sentido, Sowell ataca duramente a dominante “mentalidade vitimista”. No contexto de suas abordagens acerca da ação afirmativa ele demonstra que o racismo (ou a escravidão) nunca foi causa de pobreza, criminalidade e desempenho medíocre nos estudos. Dentre as causas estão, por exemplo, a dissolução da estrutura familiar (algo observado inclusive pelo Senador estadunidense de esquerda, Daniel Patrick Moynihan, ainda nos anos 1960, ao demonstrar que a então crescente dissolução da família negra seria causa de caos e miséria), o relativismo moral, a ideia de que todas as culturas têm o mesmo valor, o vitimismo, um ensino elementar medíocre (que impede a igualdade de largada), etc. 

E qual a alternativa diante desse quadro? Ora, a alternativa seria, dentre outras coisas, a rejeição do estado de bem-estar social, o fim do monopólio da educação pública (adesão à ideia de um sistema de vouchers, por exemplo) e, claro, a adoção de um comportamento autônomo, responsável. Não apenas isso, seria preciso reconhecermos, contra o “multiculturalismo”, que há, sim, culturas melhores que outras, culturas que asseguram de forma mais eficiente a autorrealização individual e a prosperidade social. Ou seja, culturas que prezam valores como individualidade, liberdade, propriedade privada, empreendedorismo e, claro, livre mercado, bem como que protegem a estrutura familiar, evitando sua dissolução. 

Outro ponto que pode ser extraído de ambos os livros é o seguinte: quando “incluímos” na universidade estudantes tendo em vista aspectos que não sejam suas qualificações intelectuais, causamos dano ao indivíduo (que muito provavelmente fracassará caso as disciplinas mantenham sua exigência) e à própria instituição, que decairá inevitavelmente (o que terá impacto social, econômico, etc.). Parece óbvio para qualquer pessoa que pense um pouco a respeito, mas nossos atuais gestores jamais o admitirão. Eles não admitirão que tais ações “afirmativas” causam nos indivíduos a perda da confiança, fazendo com que tenham um desempenho cada vez mais baixo, o que consolida o abjeto preconceito segundo o qual eles são estudantes inerentemente medíocres se comparados ao que não ingressaram pelo sistema de cotas. 

Com dados ainda mais atualizados do que os de Sowell, os autores de ‘Mismatch’ corroboram as teses de Sowell e oferecem evidências esmagadoras quanto ao dano que as ações afirmativas causam às “minorias” estudantis. Observem, por exemplo, que hoje escutamos discussões sobre “políticas de permanência” na Universidade. Ou seja, temos as “ações afirmativas” para incluir e consideramos “políticas de permanência” para assegurar que os “incluídos” receberão, ao final, seu diploma. Em breve teremos, além das “ações afirmativas”, “avaliações afirmativas”. Na verdade, elas talvez já estejam ocorrendo, o que explica estarmos formando estudantes que sequer são alfabetizados proficientemente (algo mensurado por pesquisas como aquela intitulada “Estudo especial sobre alfabetismo e mundo do trabalho”, do Instituto Paulo Montenegro, a qual descobriu que apenas 22% dos que estão em vias de concluir – ou que recém concluíram – um curso “superior” são proficientemente alfabetizados). 

Eis um dos grandes embustes que se consolidou em nossas Universidades mediante políticas destinadas ao fracasso. 

Mas finalizemos com um exemplo polêmico e preocupante, a saber: talvez estejamos admitindo na medicina, mediante cotas, alunos que estariam qualificados para cursar, quem sabe, alguma licenciatura cuja exigência para acesso seja mais flexível. Ou talvez estejamos incluindo alunos que não estariam qualificados para a universidade de forma alguma, o que não é demérito: poderiam desempenhar atividades importantes e rentáveis que não exigem curso superior algum. Afinal, a universidade não é para todos.

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Não obstante, estamos autorizando indivíduos com habilidades controvertidas a cuidarem da saúde de outras pessoas. E aqui podemos citar um caso paradigmático, a saber, o de Patrick Chavis. Admitido na Faculdade de Medicina da Universidade da Califórnia em 1973, Chavis foi beneficiado pelas “ações afirmativas”. Por anos ele foi o “modelo” brilhante e midiático do suposto sucesso das “ações afirmativas” nos USA. Com o diploma de médico ele voltou às comunidades negras para servir como exemplo e para cuidar da saúde das pessoas. No entanto, também por anos se ocultou algo terrível: diversos de seus pacientes morriam de forma suspeita. Resultado: após muitas mortes e sofrimento em diversos outros pacientes, a verdade emergiu. Patrick Chavis não era sequer capaz de realizar procedimentos médicos básicos. Após uma investigação que durou um ano sua licença foi revogada. 

E seu exemplo não foi algo isolado. Ainda nos anos 1970 um Professor da Harvard Medical School declarou que Harvard estava permitindo que estudantes negros se graduassem sem que tivessem atingido certos padrões mínimos para ingresso e permanência no curso. Ele foi obviamente acusado de fazer declarações racistas, embora sua preocupação não fosse com os estudantes negros, mas com todo estudante não qualificado para ingressar e concluir o curso de medicina. Isso seria, segundo ele, “permitir que pacientes que confiam em nós paguem pela nossa irresponsabilidade”.

Assim, temos atualmente uma abrangente defesa das ações afirmativas, especialmente na forma de ‘cotas raciais’. Elas seguem avançando cegamente nas Universidades. Mas o ponto é que a ação afirmativa se impôs como um ‘dogma’, o que significa dizer: ela foi estipulada sem uma discussão sobre sua legitimidade e, mesmo, sobre seus efeitos (individuais e sociais) em longo prazo. Em verdade, ela se apresenta hoje quase de forma inquestionável (daí seu status de ‘dogma’). Assume-se que ela é legítima e disso se depreendem diversas ações com o propósito apenas de assegurá-la (mediante cotas em concursos, cotas na graduação, cotas na pós-graduação, etc.). Questioná-las não é, como sabemos, bem visto, de tal forma que o discurso sobre sua [suposta] importância ganha força especialmente na fala de demagogos sem grande envergadura intelectual, os quais pervertem nossas Universidades.

Resgatemos, pois, as visões de negros como Martin Luther King e Frederick Douglass, homens judiciosos e excepcionais cuja visão asseguraria a todos uma prosperidade fundada na dignidade da pessoa humana. 

* Graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), Mestre em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), doutor em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), com estágio doutoral na State University of New York (SUNY). Foi Professor Visitante na Universidade Harvard (2010). Atualmente é professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) na graduação e no Programa de Pós-Graduação em Filosofia, no qual orienta dissertações e teses com foco em ética, filosofia política e filosofia do direito.

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