Tema polêmico, as cotas nas universidades ganharam mais um capítulo no último dia 29 de dezembro com a sanção, pelo presidente Michel Temer, da lei n° 13.409/16, que incluiu pessoas com deficiência no sistema de reserva de vagas das instituições federais de ensino.
O argumento do governo para sustentar a ação afirmativa, também defendido pelos especialistas, é o de que a nova legislação promove uma “equidade ao equipar direitos e estender esse benefício” a esta população, uma vez que ele já contemplava estudantes autodeclarados pardos, pretos e indígenas, além de alunos de baixa renda.
A destinação de vagas para as pessoas com deficiência é considerada uma consequência natural por pesquisadores como a doutora em Sociologia e professora do departamento de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Angela Randolpho Paiva, organizadora do livro “Entre dados e fatos: ação afirmativa nas universidades públicas brasileiras”. Para ela, a decisão está alinhada com o movimento de inclusão desta população em andamento no país.
“Até poucas décadas atrás o portador de deficiência era [tido como um] ‘problema’ da família [e não da sociedade]. Se ela tinha poucos recursos, ele ficava confinado em casa”, lembra.
Angela acrescenta ainda que, assim como ocorre com as cotas sociais e raciais, a ação afirmativa voltada aos portadores de deficiência também visa compensar exclusões históricas ao estimular o ingresso no ensino superior de pessoas que, muitas vezes, não teriam condições de entrar na universidade.
“Não adianta um assistencialismo tolo, no sentido de ‘põe lá dentro’. Isso tem que ser feito com consistência, com qualidade.”
“Há prejuízos históricos nos dois casos, mas eles são distintos. O preconceito étnico racial e social tem característica extremamente agressiva com discriminação que se expressa, inclusive, em termos de violência. No caso das pessoas com deficiência, existe uma discriminação presente no fato de elas serem consideradas menos capazes, inclusive pelo mercado de trabalho”, acrescenta Daniel Cara, coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. “O Brasil tem uma distorção gravíssima no fato de muitos jovens, mesmo com bons diplomas, ingressarem no mercado em uma condição de subemprego. No caso das pessoas com deficiência, esta trajetória de subemprego é mais grave”, completa.
Desempenho
A necessidade de acompanhamento do desempenho dos cotistas, incluindo os portadores de deficiência, é outro ponto destacado por Manuel Thedim, diretor do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade do Rio de Janeiro (Iets). Isso porque, na opinião dele, não basta somente se garantir o acesso de alunos que, em alguns casos, possam não vir a ter condições para seguir o curso.
Revisão
Assim como nas cotas sociais e raciais, a reserva de vagas para portadores de deficiência nas instituições federais tem validade de dez anos, contados a partir da publicação da chamada Lei de Cotas (12.711), de 2012, que foi alterada pelo texto sancionado em dezembro pelo governo federal. Desta forma, a revisão do programa especial de cotas está prevista para 2022.
“Se a nota desta pessoa [no vestibular] estiver abaixo da última [da concorrência geral], ela teria que fazer aulas de reforço. Não adianta um assistencialismo tolo, no sentido de ‘põe lá dentro’. Isso tem que ser feito com consistência, com qualidade”, defende.
Tal qualidade, inclusive, se estende às condições básicas de acessibilidade que o estudante deveria encontrar nas universidades (como rampas de acesso, tradutores de libras e livros em braile, por exemplo), e que são deficientes em boa parte delas.
Neste sentido, Daniel Cara salienta a falta de um debate mais amplo e da realização de estudos técnicos por parte do governo para se analisar o desafio das universidades para incluírem os portadores de deficiência e o investimento necessário para que isso aconteça de maneira plena. Ainda segundo ele, a política de cotas foi muito prejudicada pelas últimas leis orçamentárias, dos governos Dilma e Temer, e com restrições no orçamento será ainda mais difícil para as universidades se prepararem.
“As ações afirmativas não solucionam o problema da educação no país. Elas podem ser definidas como um paliativo, uma política que minora o dano dessa desigualdade perversa no acesso ao ensino superior, até que se melhore a qualidade do ensino fundamental, o que leva tempo”, resume Angela.
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