Depois de passar pelo vestibular mais concorrido do Paraná e acompanhar a batalha judicial contra o sistema de inclusão social da Universidade Federal do Paraná (UFPR), os cotistas enfrentam agora o preconceito dos estudantes contrários à reserva de vagas.
"Nossa responsabilidade, como a primeira turma, é enorme. Estamos sendo avaliados por todo mundo", diz Neli Gomes, estudante de Ciências Sociais. Fernando da Silva, calouro de Engenharia Florestal, vai ainda mais longe. "Muita gente na sociedade está esperando o nosso tropeço", diz.
Mas, até agora, quem torce pelo fracasso dos cotistas não tem o que comemorar. Os alunos que entraram pela reserva de vagas não estão abaixo dos outros nos quadros de nota. O vice-coordenador do curso de Medicina, professor Hans Graf, disse em entrevista a uma publicação da UFPR que os cotistas não apresentam problemas de rendimento ou adaptação ao curso.
César Lopes, de 34 anos, é um dos afro-descendentes que estudam para se tornar médico. Ele e alguns de seus colegas quebraram um tabu de mais de uma década: não tinha estudantes negros no curso de Medicina havia cerca de 15 anos.
"O curso é difícil para todo mundo. No primeiro dia, o coordenador disse que todos devíamos nos ajudar", conta. É justamente na Medicina que se vê de maneira mais clara uma divisão entre os alunos, mas a cor da pele não é determinante. "Quem tem dinheiro pode comprar e até importar os livros. Quem não tem apela para o xerox ou para a biblioteca", diz Lopes.
"A divisão é social, não racial", define Ísis Sacramento, única cotista afro-descendente do curso de Geologia. Ela explica como a conta bancária influi dentro e fora da sala de aula: "Quando vamos a campo, alguns alunos têm filmadoras, câmeras digitais, eles têm mais condições de ir bem nas provas do que nós. E, na hora da festa, quem não tem dinheiro não pode entrar na balada de quem tem. E os ricos não querem ir às festas de quem não tem dinheiro", diz a aluna.
É no restaurante universitário que com-dinheiro e sem-dinheiro se encontram. E é lá que os cotistas ouvem todo tipo de comentário sobre sua presença na universidade. "Dizem que tomamos o lugar de outros, que não merecíamos estar ali, que entramos pela porta de trás", afirma Ísis, ressaltando que, apesar da contestação dos não-cotistas, nunca recebeu tratamento diferente.