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Uma das principais saídas do governo para diminuir a resistência à PEC dos precatórios (23/21) foi fechar acordo com parlamentares ligados à educação para que o pagamento das dívidas que a União tem com estados e municípios, relacionadas ao antigo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), fossem priorizadas em 2022.
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O acordo foi decisivo para que a matéria fosse aprovada em primeiro turno pelo plenário da Câmara dos Deputados na última semana, já que esse era um dos principais motivos de resistência de alguns partidos e pressão de representantes da educação. Nesta terça-feira (9), está prevista a segunda chamada da votação.
Em vez de ficar na fila "convencional" do pagamento de precatórios, esses débitos serão pagos de forma mais rápida que os demais, em três anos. Juntos, quatro estados têm direito a receber cerca de R$ 16 bilhões em precatórios relacionados ao Fundef. Representantes da educação pleiteiam que 60% do valor devido pela União seja destinado a professores - o que significa R$ 9,6 bilhões.
Precatórios são dívidas decorrentes de sentenças judiciais e que não são mais passíveis de recursos, uma vez que já percorreram todas as instâncias da Justiça. Neste caso, a União saiu "perdedora". No jargão jurídico, essas situações são chamadas de "trânsito em julgado".
O valor projetado para 2021 para pagar esse tipo de despesa (R$ 55,5 bilhões) equivale a quase quatro vezes o desembolsado no início da década passada, segundo dados do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siaf) compilados pela Associação Contas Abertas.
Em 2022, ano eleitoral, o número é ainda mais expressivo: serão R$ 89,1 bilhões em precatórios, o que corresponde a um aumento de mais de 60% em um único ano. O gasto estimado com as sentenças judiciais será equivalente a quase 70% de todas as despesas discricionárias (de livre manejo) programadas pelo governo.
O montante da dívida e as causas envolvidas
Do total de R$ 89,1 bilhões em precatórios de 2022, pelo menos R$ 15,3 bilhões dizem respeito a dívidas que a União tem com os alguns estados por causa de um erro no repasse de recursos do antigo Fundef, substituído pelo Fundo de Manutenção da Educação Básica (Fundeb).
Os estados da Bahia, Pernambuco, Ceará e Amazonas são os credores dos precatórios de 2022 relacionados ao Fundef. Eles têm direito a receber, respectivamente, montantes de R$ 8,8 bilhões, R$ 3,9 bilhões, R$ 2,6 bilhões e R$ 219 milhões.
O argumento dos então governadores dos estados que levaram a causa até o Supremo Tribunal Federal (STF) era de que houve erro no cálculo do valor mínimo anual por aluno repassado aos municípios por meio do Fundef. Os processos em que os entes cobraram a restituição dos valores não repassados foram ajuizados em anos distintos desde 2002, mas os julgamentos em si começaram ou aconteceram nos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020.
À época, a Advocacia Geral da União (AGU) recorreu, sob argumento de que o pagamento das dívidas atualmente traria "consequências práticas aos cofres públicos federais". A União também pleiteou pela possibilidade de parcelamento dos precatórios.
A Corte entendeu, no entanto, que diante da longa tramitação, a União teve tempo suficiente para "programar-se junto aos seus órgãos de controle orçamentário e fiscal, de modo a afastar qualquer justificativa quanto à imprevisibilidade da quantia a ser disponibilizada para a parte exequente". Ao longo de quatro anos, os recursos foram esgotados e apenas em 2021 o Supremo emitiu as ordens de pagamento dos precatórios.
Subvinculação de 60% do valor total para professores
A lei do Fundef, na qual se fundamentaram os governadores para reivindicar os precatórios, também definia duas subvinculações do recurso: pelo menos 60% da verba deveria ser destinada à remuneração dos profissionais do magistério; os outros 40% deveriam, segundo a lei, ser aplicados no financiamento e manutenção do ensino.
Porém, segundo o Sindicato dos Servidores Públicos lotados nas Secretarias de Educação e de Cultura do Estado do Ceará e nas Secretarias ou Departamentos de Educação e/ou Cultura dos Municípios do Ceará (APEOC), governadores que já receberam precatórios relacionados ao Fundef não respeitaram a subvinculação. E há o temor de que os precatórios que serão pagos em 2022 também não sejam direcionados a professores.
Para Anízio Melo, presidente da APEOC, a PEC dos precatórios, originalmente, colocava isso em perigo, ao permitir que os credores dos precatórios utilizassem o recurso livremente. "Como esse dinheiro não foi repassado, a situação prejudicou o salário e a carreira dos professores. Entendemos, por isso, que aos recursos mantêm a vinculação e subvinculação. Eles são devidos aos professores em forma de indenização", diz Melo.
"Para nós, o central, além de garantir o pagamento dos precatórios, é garantir essa subvinculação, com a qual a maior parte dos prefeitos e governadores não se compromete. O que importa para nós é garantir em lei objetivamente que esses 60% sejam dos profissionais da educação. Quanto à forma de distribuição dos precatórios, por outro lado, temos disposição e abertura para discutir, é algo secundário".
Hoje, pela Lei 14.057, ao menos 60% dos recursos relacionados ao fundo devem ir para professores. Mas a constitucionalidade do dispositivo tem sido questionada na Justiça e os representantes da educação apostam, agora, em outra proposta legislativa. Durante as negociações para votação da PEC, Lira se comprometeu a votar o PL 10.880/2018, que também garante o pagamento de 60% dos precatórios do Fundef diretamente aos docentes.
O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), tornado permanente em 2020, por sua vez, ampliou este percentual para 70%.
Em 2020, pelo menos 28 municípios eram suspeitos de terem desviado recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), segundo investigação do Tribunal de Contas da União (TCU). Apenas o estado de São Paulo, por exemplo, é investigado por ter supostamente desviado, em 2018, mais de R$ 3 milhões oriundos do Fundeb.
O que a PEC prevê para os precatórios do Fundef
Aprovada em 1º turno na Câmara dos Deputados na madrugada da quinta-feira (4), a PEC dos precatórios (nº 23/21) propõe, entre outras coisas, limitar o pagamento das sentenças judiciais ao teto de gastos corrigido pela inflação desde 2016. Dessa forma, o montante de R$ 89,1 bilhões que a União deveria desembolsar com os precatórios diminuiria para cerca de R$ 40 bilhões no Orçamento de 2022.
Originalmente, os precatórios do Fundef ficariam de fora do rol das dívidas que seriam quitadas em 2022. Teriam prioridade de pagamento no próximo ano, até então, apenas as chamadas Requisição de Pequeno Valor (RPV), que são dívidas de até R$ 66 mil. Na sequência, seriam priorizados débitos com idosos e pessoas com doenças graves e, por fim, o pagamento se daria por ordem cronológica, segundo a PEC.
Mas para conseguir votos suficientes para a aprovação da proposta, Lira teve de priorizar o pagamento dos precatórios do Fundef em 2022. Pelo acordo costurado poucas horas antes da votação, 40% dos precatórios do Fundef serão pagos em 2022, 30% em 2023 e outros 30%, em 2024. Com isso, o valor das dívidas priorizadas no ano que vem ficariam em cerca de R$ 26 bilhões (R$ 19,9 bilhões de RPVs e cerca de R$ 6 bilhões do Fundef).
A mudança foi exigida por representantes da educação e partidos da oposição, em especial PSB e PDT. "Embora não seja ratificada publicamente, tivemos conversas com governadores de 3 Estados, tivemos conversas com todos os sindicatos de professores do Norte e do Nordeste. Conversamos com partidos da base e da oposição. Vamos votar com todos os acordos que foram feitos em torno dela”, disse Arthur Lira em coletiva de imprensa na quarta. Juntos, PDT, PSB, PSDB e Podemos, inicialmente contrários à PEC, somaram 52 votos em seu favor após a mudança dos precatórios do Fundef.
Procurado, o Ministério da Educação (MEC) não respondeu aos questionamentos da Gazeta do Povo até a publicação desta matéria.