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Um dia após deixar o Ministério da Educação (MEC), sem mesmo ter sido empossado, Carlos Alberto Decotelli conversou com a Gazeta do Povo e falou sobre a saída da pasta, seu desligamento da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e sobre o apoio que recebeu do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). De acordo com Decotelli, após as polêmicas envolvendo seu currículo, o presidente teria prometido "aguentar o tiroteio” com ele. O professor, no entanto, preferiu deixar o ministério, cinco dias após ser anunciado por Bolsonaro, e entregou a carta de demissão na terça-feira (30).
"A iniciativa partiu de mim", afirmou o professor. "O presidente falou que se eu quisesse continuar comandando o MEC, ele aguentaria o tiroteio comigo. Mas eu disse que ele já estava com muitas frentes de ataque, e que eu não queria ser mais uma frente de ataque contra ele", contou ele à Gazeta, nesta quarta-feira (1º).
Ao mencionar o "tiroteio", ele se referia às críticas e apontamentos de inconsistências em seu currículo acadêmico. Entre elas, a que envolveu a própria FGV, onde lecionou por 20 anos em cursos de MBA e outros de educação continuada. A instituição de ensino veio a público afirmar que ele não fazia parte do quadro de professores efetivos, mas que era um "professor-colaborador".
Questionado, o agora ex-ministro preferiu não se pronunciar sobre seu currículo, mas ressaltou aquela que seria a posição de Bolsonaro. "O presidente me disse que essas questões de 'anotações curriculares' não o interessavam. O que interessava era eu fazer meu trabalho", afirmou. Nas palavras de Decotelli, Bolsonaro disse que ele "poderia ter papéis e papéis de currículo, mas que não era isso que interessava".
Ainda para o professor, opositores do governo tentaram usá-lo para desestabilizar Bolsonaro. "Estão querendo me usar para atingi-lo, então eu vou sair e vou lutar para poder fazer essa reparação", disse. "Agora, minha perspectiva é de estar colaborando com o próximo ministro e manter ajuda plena ao presidente Bolsonaro. Quero estar como soldado, servindo, no que for possível, ao presidente Bolsonaro”.
Desligamento da FGV
Decotelli também afirmou que ficou surpreso com a atitude da Fundação Getúlio Vargas e que foi “uma bomba gigantesca”. Essa foi a “gota d’água” para que decidisse pela demissão. Após o episódio, ele também resolveu se desligar da FGV.
"Operacionalmente, ficou inviável o meu trabalho. Se a própria instituição faz mentira para destruir, impedir ou complicar o meu trabalho, como eu poderia prosseguir, sangrando, tendo de explicar e explicar se eu era ou não professor da FGV?", disse.
Ainda na noite de terça, entre 19h e 22h, Decotelli ministrou aula no curso de pós-graduação em Finanças da FGV São Paulo. "Estava muito mal para dar aula, mas tive respeito aos meus alunos, eles não têm culpa disso. Foi meu último dia lá", afirmou à Gazeta do Povo. "Nunca mais terei vínculo com a instituição".
O professor atuou em MBAs e cursos lato sensu da FGV por pelo menos 20 anos. Segundo ele, lecionou para aproximadamente 1.200 turmas. Em homenagens concedidas a Decotelli pela própria instituição, ele foi considerado como "o professor mais representativo da turma 02 do MBA em Gestão Financeira com ênfase em Mercado de Capitais" e condecorado, pelo menos cinco vezes, por sua "atuação destacada como docente".
Procurada, a FGV afirmou, em nota, que o "professor Decotelli atuou apenas nos cursos de educação continuada, como professor colaborador, nos programas de formação de executivos. A respeito das denúncias contra ele, reafirma-se que uma comissão específica apurará todos os fatos relacionados a eventual plágio em sua dissertação de mestrado."
MEC como "grande sala de aula"
Antes de deixar o cargo, o professor chegou a se reunir com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e, virtualmente, com ministros de Educação integrantes do G20, para discutir políticas de enfrentamento à Covid-19 no âmbito da educação. Além disso, contou que já havia convidado reitores de universidades federais para uma reunião que ocorreria na próxima semana. "Eu estava muito animado e feliz pelo convite, com o voto de confiança do presidente. Queria transformar o MEC em uma grande sala de aula", disse.
Entidades educacionais, de início, mostraram expectativa com a nomeação do professor, que entrou para o ministério com a promessa de "restituir o diálogo" antes rompido, na gestão de Abraham Weintraub.
Inconsistências
Críticas a Decotelli pelas inconsistências apresentadas em currículo, porém, tornaram insustentável sua permanência no cargo Diferentemente do que constava em seu currículo Lattes, o professor não obteve título de doutor na Universidade Nacional de Rosário, na Argentina, segundo o reitor da instituição. Ele cumpriu os créditos, mas não chegou a defender a tese.
Na sequência, a Universidade de Wuppertal, na Alemanha, também negou que Decotelli tenha feito um pós-doutorado na academia, como constava em seu currículo. Depois do episódio, ele afirmou que fez uma pesquisa na instituição.
Houve ainda uma acusação de plágio na dissertação de mestrado dele, cursado na FGV. Decotelli negou que isso tenha ocorrido. A instituição disse que irá investigar a denúncia.