Bastou caducar no Congresso a Medida Provisória do governo (MP 914/2019) que obrigava as universidades federais a promoverem eleições diretas para reitor para que o atual dirigente da Universidade Federal de Sergipe (UFS) convocasse uma reunião do Conselho Universitário em que só o pequeno grupo de conselheiros votará.
A data escolhida é 15 de julho. As aulas presenciais ainda estarão suspensas e alunos e professores, distantes e desmobilizados para acompanhar o processo e pressionar o Conselho a seguir o que a maior parte da comunidade universitária deseja. Além da convocação repentina, para uma data tão próxima e distante dos olhos dos maiores interessados na gestão da universidade, a decisão do reitor Ângelo Roberto Antoniolli despertou críticas pela forma como será feita a votação: numa reunião virtual.
“Isso vai contra as regras que regem a escolha de reitores”, diz a professora de Direito, Denise Leal Albano, candidata a reitora. “A regra foi redigida para uma eleição presencial. Fala, por exemplo, que os conselheiros votarão em cédulas e que as cédulas serão depositadas em envelopes. Até hoje a gente não sabe como o procedimento [virtual] vai ser feito. Os conselheiros terão a oportunidade de questionar, de ouvir os candidatos? Quando isso ocorrerá? Quando poderá ser feita a impugnação das chapas?”
A UFS é uma das 20, entre 69 universidades federais, que terão troca de reitor este ano, porque o mandato dos atuais dirigentes está terminando. Com o fim da validade da MP das eleições diretas, voltou a valer a regra que vigorou nos últimos 25 anos. A Lei 9.129/1995 diz que um colegiado (Conselho Universitário) escolhe três nomes para compor uma listra tríplice a ser enviada ao governo. Depois, o presidente da República define quem será o novo reitor.
Além de não prever a participação de estudantes, técnicos administrativos e professores no processo, o maior questionamento a esse sistema é que os colegiados costumam ser formados pelos pró-reitores, integrantes do grupo que já administra a universidade. “Os conselhos superiores têm amplo domínio do reitor, porque os cargos de pró-reitor são de livre nomeação do reitor", comenta Denise Albano. "Como outros candidatos vão poder disputar num razoável equilíbrio se temos um Conselho formado por pessoas nomeadas pelo reitor?”
A MP 914/2019 pretendia acabar com esse sistema, porque eram recorrentes as denúncias de que os Conselhos apresentavam nomes de “laranjas”, apenas para figurarem na lista tríplice, junto ao nome do candidato preferido do reitor. Depois, sindicatos de professores, de técnicos administrativos e presidentes de diretórios estudantis pressionavam parlamentares para que eles atuassem de forma a convencer o presidente a escolher o nome alinhado ao reitor, o que garantia a permanência do mesmo grupo no comando da administração da universidade.
Governo tentou impedir eleições durante a pandemia
Quando o Congresso deixou caducar a MP das eleições diretas, o governo ainda fez uma segunda tentativa para ao menos evitar eleições durante a pandemia. Uma nova Medida Provisória (MP 979, de 9 de junho) previa que o ministro da Educação escolhesse reitores temporários para as instituições federais em que o mandato do reitor terminasse justamente no período de aulas suspensas por causa do risco de contágio do coronavírus.
Essa nova MP teve vida ainda mais curta que a outra, apenas três dias. Dessa vez, a pressão dos reitores e de sindicatos de professores caiu como uma bomba sobre o governo. Parlamentares de partidos ligados aos grupos que mantém o controle da maioria das universidades federais disseram que o documento feria a autonomia universitária, prevista no artigo 207 da Constituição Federal, permitindo intervenção indevida. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), acabou devolvendo a MP ao Poder Executivo, alegando que ela era “antidemocrática” e a medida foi revogada.
Na UFS, está sendo considerada antidemocrática a convocação a toque de caixa da reunião do Conselho para a escolha da lista tríplice de forma virtual, longe dos olhos da comunidade universitária e em plena pandemia, sendo que há tempo de sobra para esperar a volta às aulas. Faltam 5 meses para o fim do mandato do atual reitor, que termina em 8 de novembro, e a lei manda o envio da lista tríplice com dois meses de antecedência (8 de setembro).
“É estranha essa pressa toda, esse açodamento. O mandato dele só termina na primeira quinzena de novembro então é perfeitamente possível esperar para que se respeite o devido processo eleitoral, nos marcos da democracia, da transparência e da participação. Por que não esperar ter um quadro mais claro em agosto? Se não houver retorno às aulas, as chapas se reúnem, discutem como fazer um último debate online e vamos viabilizar a eleição pelo modelo remoto”, reclama a professora de Direito, que concorre à reitoria tendo um professor de Medicina como candidato a vice.
A chapa de Denise Albano é a única abertamente de oposição ao grupo que está no comando da UFS há quase duas décadas e é alinhado a partidos de esquerda. Das outras três chapas, uma tem ligação com o Psol; outra, com o PT e tem à frente um professor que foi vice do atual reitor há poucos anos. A terceira chapa é encabeçada por um professor que se diz de oposição, mas não vem sendo tão atacado por pessoas ligadas ao grupo que controla a UFS (como acontece com a chapa da professora Denise). E, agora, contra o que está previsto nas regras, o atual vice-reitor Valter Joviniano de Santana Filho entrou na disputa, como um quinto candidato, gerando ainda mais discórdia.
“Falta clareza. Se esse candidato da reitoria [o vice-reitor] for admitido, qualquer outro professor doutor também poderia se inscrever”, reclama Denise Albano. “E os outros quatro, que apresentaram seu plano, deram a cara à tapa, que foram panfletar, visitaram vários campi, foram à Associação dos Aposentados conversar com os aposentados? Quer dizer que tudo isso é desconsiderado e vamos começar do zero? Isso é um ato arbitrário”.
Como foi a campanha na UFS antes do fechamento do campus
Na Universidade Federal de Sergipe (UFS), o ano letivo começou agitado por uma forte campanha eleitoral. Mesmo com o mandato do atual reitor terminando só em novembro, a votação estava marcada para 20 de março, seguindo o estatuto da universidade. Seria a primeira vez que os votos de alunos e professores teriam força já que a MP das eleições diretas (MP 914/2019) estava em vigor.
A esperança de renovação era tanta que, depois de duas eleições com candidato único (em 2012 e 2016, quando o atual reitor foi eleito e reeleito), quatro chapas se inscreveram logo nos primeiros dias de aula. Em poucas semanas os candidatos estiveram em várias reuniões de Departamento para apresentar propostas, fizeram panfletagens, deram entrevistas e participaram de seis debates. Um sétimo e último debate ainda seria realizado antes das eleições, mas a pandemia atropelou o processo.
Com a universidade fechada três dias antes da data agendada para a votação, as eleições foram suspensas. Os candidatos passaram os últimos três meses em compasso de espera, até que foram surpreendidos pela convocação da eleição online, em que só os integrantes do Conselho Universitário terão direito a voto.
Denise Albano lembra que o atual reitor, Ângelo Roberto Antoniolli, já passou 16 anos na reitoria. Além dos últimos oito como reitor, já tinha sido vice-reitor (de 2004 a 2012).
“Faço um lembrete: ele [reitor] foi candidato duas vezes em chapa única. Nas duas vezes, embora fosse chapa única, houve consulta à comunidade. Agora ele quer, na base da arbitrariedade, manter seu grupo no poder com votação virtual e participação só do Conselho”, diz a professora de Direito.
Em resposta por escrito à Gazeta do Povo, o reitor afirmou que as consultas anteriores eram informais - ele reconheceu que as eleições que ele venceu não tinham valor jurídico, de acordo com a lei de 1995 - e disse que, agora, vai fazer valer o que está previsto.
Ângelo Roberto Antoniolli informou ainda que o Colégio Eleitoral Especial pode escolher nomes sem consulta à comunidade - o que Bolsonaro tentava impedir com as MP 914 (eleição direta para reitor) e MP 979 (evitar escolha definitiva de reitor durante a pandemia e sem consulta à comunidade acadêmica), que caducaram sem apreciação do Congresso e foram chamadas de "ditatoriais" por sindicatos de professores e partidos de esquerda.
MPF acompanha processo eleitoral
O Ministério Público Federal acompanha o processo eleitoral na UFS desde o começo do ano, mas ainda não se manifestou sobre a recente convocação para eleições virtuais em julho, pelo pequeno grupo convocado pelo reitor.
Além de todas as suspeitas que pairam sobre o processo, a chapa que entrou agora no páreo, tendo o atual vice-reitor como concorrente e um dos pró-reitores como vice, está sendo acusada de usar a máquina pública para fazer campanha. Nas redes sociais circulam banners com a logomarca da Coordenação de Relações Internacionais (CORI), ligada à Pró-Reitoria de Pós-graduação e Pesquisa da UFS, pedindo votos para eles.
Sobre o fato, o reitor afirmou apenas que o uso "indevido de marcas e brasões da Instituição devem ser denunciados para que a Universidade tome providências cabíveis quando identificado o uso indevido, por quem quer que seja". Mas não informou se fará algo específico sobre essa ação.
O que diz o atual reitor
Além de respostas enviadas por e-mail à Gazeta do Povo, em entrevista recente a uma rádio local, o reitor Ângelo Roberto Antoniolli reconheceu que há insegurança jurídica no processo eleitoral remoto, mas diz estar seguindo o estatuto da universidade, que prevê uma antecedência bem maior para a realização da eleição do que a de 60 dias, prevista pela lei 9.129, para entrega ao governo da lista tríplice.
“Cabe ao reitor seguir o estatuto da universidade. O reitor tem 150 dias para convocar os conselhos superiores para deflagrar o processo eleitoral dentro do Conselho, porque a eleição da Universidade Federal de Sergipe nos últimos trinta anos é feita no Conselho. Quem faz parte do Conselho são os diretores eleitos pela comunidade", disse Antoniolli.
“Eu imagino a angústia dos candidatos, mas estou cuidando do processo eleitoral como tem que ser. Não tenho que discutir com os candidatos as suas angústias, estou seguindo os caminhos e os trâmites legais. Tenho ouvido as críticas de todos eles. Todas são infundadas do ponto de vista legal.”
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