É bastante preocupante e deveras inusitada a suspensão do atual processo de avaliação quadrienal da CAPES, relativo ao período de 2017 a 2020, planejado para ser realizado este ano. Esse processo, em fase final de implantação, agora suspenso por decisão judicial por iniciativa do Ministério Público Federal, mesmo que em caráter de liminar, atinge diretamente 4.650 Programas de Pós-Graduação Stricto Sensu, 544 Instituições, envolvendo cerca de 105 mil Professores e 293 mil estudantes espalhados por todo o país.
Inconsequente, a medida pode trazer um prejuízo incomensurável para o Sistema Nacional de Pós-Graduação (SNPG) à medida que não só a comunidade acadêmica do país é atingida, mas também todo o país, pelo que representam os resultados do processo de avaliação da CAPES no âmbito do Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia (SNCT). Esses resultados não só representam insumos fundamentais para se aferir os avanços em ciência e tecnologia no país, como indicam a dinâmica de crescimento do capital humano altamente qualificado que é entregue à sociedade. Além disso, interferem na normalidade da atividade acadêmica, pois impactam a vida do pesquisador, seja professor ou estudante, e sobretudo as instituições quanto à percepção externa da qualidade dos seus Programas de Pós-Graduação Stricto Sensu e aos investimentos empreendidos ou planejados relacionados.
O nosso país, já tão carente de investimentos em Ciência e Tecnologia, com imensas assimetrias em termos de oportunidades de formação de pessoal com alta qualificação (mestres e doutores), com demandas reprimidas quanto ao seu desenvolvimento social e econômico, torna-se refém de medida como esta, que provoca retrocesso e, acima de tudo, impacta a credibilidade da CAPES como patrimônio da comunidade científica brasileira. Interromper a avaliação certamente contribuirá para agravar a situação do país em termos do descompasso ainda observado entre o seu volume de produção científica, na 14ª posição mundial, e a qualificação dessa produção em termos internacionais medida em Citação por Publicação (CPP) que nos remete para à 77ª posição.
Qual a razão de ser interrompido um processo de avaliação após decorrido todo o ciclo quadrienal de referência? Os critérios já eram conhecidos por toda a comunidade acadêmica e vinham sendo construídos desde o início do ciclo em tela. Ressalte-se que, sobretudo, ao longo dos últimos 2 anos tem sido levado a efeito de forma muito participativa e com total transparência.
Por outro lado, há de se considerar que mudanças sempre incomodam àqueles cujos interesses são considerados comprometidos mesmo que os impactos decorrentes representem avanços de alcance abrangente e sistêmico, como é o caso do processo de avaliação da CAPES. O atual processo de avaliação quadrienal do Sistema Nacional de Pós-Graduação representa um grande avanço nas suas várias dimensões. Caracterizado como um processo participativo consolidado - a comunidade acadêmica da pós-graduação é representada na CAPES por 49 Coordenações de Áreas do Conhecimento, cada uma composta formalmente por 3 Pesquisadores escolhidos dentre os seus pares -, historicamente os critérios têm sido amplamente discutidos e aprimorados a cada ciclo de avaliação realizado. No ciclo de avaliação em tela não foi diferente. Muito pelo contrário, pois especialmente desde 2019 foram estruturalmente melhorados. Impedir este aprimoramento sob o argumento de que devem ser respeitados os princípios da “previsibilidade” e da “não retroação ilícita” podem ser argumentos que escondem interesses calcados em tentativas de manter o status quo em uma zona de conforto que em nada contribui para melhoria da qualidade do SNPG. A quem interessa tudo isso? Não creio, pelas condições de contorno, que aqueles que defendem uma ciência e tecnologia de qualidade, rumo à utilização de padrões internacionais, mesmo entendendo-se serem estes ainda alvos a serem alcançados. Afinal, aprimoramentos contínuos precisam ser empreendidos mesmo que de forma paulatina em respeito ao ritmo e às características das áreas do conhecimento. Todas as áreas do conhecimento são importantes e a diversidade e características próprias precisam e estavam sendo respeitadas. Por outro lado, entendemos que todas as áreas, indistintamente, devem ter o propósito comum de galgar os maiores patamares de excelência acadêmica de padrão internacional que o país precisa alcançar.
Observa-se, contudo, diante do jovem processo de avaliação e grau de maturidade da CAPES que esses propósitos não poderiam ser alcançados senão por meio de um processo construído paulatinamente ao longo do próprio ciclo quadrienal. É o ideal? Ou seria melhor que todos os critérios e indicadores fossem definidos antes do ciclo avaliativo? Assim, diante da complexidade do processo tem sido o entendimento consensual, no âmbito do conjunto de atores do SNPG, em procedimento histórico, que a construção dos critérios deva ser levada a efeito ao longo do ciclo por se tratar de um processo comparativo, cujos elementos não estão disponíveis no início do ciclo. Este foi o procedimento que se apresentou viável para a atual quadrienal. Entendemos ter sido este o melhor procedimento a ser utilizado e como regime transitório para um modelo de definição prévia de indicadores e critérios para a próxima quadrienal.
O atual processo de avaliação quadrienal, portanto, foi construído com esse propósito e caracteriza-se pelos enormes avanços quanto aos seus critérios e indicadores de qualidade da produção intelectual dos Programas de Pós-Graduação. Ressalta-se, dentre outros avanços, a valorização do impacto social e econômico das atividades acadêmicas dos PPGs e as novas métricas de avaliação das publicações científicas, por meio do processo denominado Qualis Referência (QR), que busca padronizar os critérios de avaliação das publicações entre as áreas do conhecimento. Este processo QR realiza a estratificação do conjunto de publicações científicas, respeita características próprias das áreas e utiliza-se, de forma inédita, de indicadores baseados em métricas de avaliação internacionais. Pela primeira vez, também, medidas de impactos sociais seriam aplicadas.
Mantida a suspensão do atual processo de avaliação, o prejuízo será enorme, pois os mesmos critérios utilizados na quadrienal anterior não podem ser aplicados automaticamente. O sistema de coleta de dados dos Programas de Pós-Graduação e todo o ambiente computacional necessário para a avaliação, desde as suas etapas preliminares até a sua efetiva realização, vêm sendo parametrizados há pelo menos dois anos de forma intensiva. A retomada do processo, com base nos parâmetros da última quadrienal, só interessaria àqueles que não se dispuseram a enfrentar os desafios da busca da melhoria da qualidade dos PPGS e, consequentemente, sempre estiveram insatisfeitos com os avanços no processo de avaliação que vinham sendo alcançados desde o fim da última quadrienal.
Sem entrar no mérito quanto às ações, ou a falta delas, na CAPES, é hora de defender essa agência de fomento e respeitar o seu sistema de avaliação.
* Benedito G. Aguiar Neto é Prof. Titular da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Ex-Presidente da CAPES e Ex-Presidente do Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (CRUB).
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