Na década de 1990, em uma decisão surpreendente, o governo japonês decidiu diminuir a carga horária das aulas de matemática nas escolas. Até então, os estudantes nipônicos assistiam aos ensinamentos da disciplina de exatas cinco vezes por semana. Com a mudança, o número caiu para três. Em pouco tempo, porém, com base na análise de desempenho dos estudantes universitários, uma prática regular no Japão, notou-se uma queda significativa no rendimento dos alunos. A avaliação negativa da modificação fez com que o governo voltasse atrás na decisão imediatamente, retomando o quinteto de aulas de matemática nas escolas.
Esse é um dos exemplos da forte presença do governo japonês nas políticas públicas de educação, uma prática que, ao menos nos resultados do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), tem se materializado em bom desempenho escolar.
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Para a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o país asiático aparece entre os oito primeiros colocados nas três aptidões avaliadas: matemática, leitura e ciência. Nessa última, o Japão ostenta a segunda colocação, somente atrás de Cingapura. Em Matemática, os nipônicos estão em 5.º, com 532 pontos, bem acima da média dos países da OCDE, que é de 490. O Brasil, para se ter uma ideia, somou 377 pontos nessa disciplina; é o quinto pior resultados entre todos.
E a diferença de desempenho escolar entre os dois países, segundo um estudo de pesquisadores brasileiros, também pode ser percebida em uma análise de ancestralidade dos estudantes nacionais. É o que mostra o trabalho dos economistas Daniel Lopes, Leonardo Monasterio e Geraldo Silva Filho, que avaliou o desempenho de alunos brasileiros de acordo com a origem do sobrenome.
Lançando mão de dados até então nunca utilizados para um levantamento desse tipo, o estudo concluiu que descendentes de avós e bisavós japoneses que residem no Brasil estão um ano à frente dos de ancestralidade ibérica em matemática. Os números levantados mostraram que o desempenho aritmético de alunos do 3.º ano é 35% acima da média. No 5.º ano, a diferença em relação aos de sobrenomes ibéricos é de 22%.
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De acordo com os pesquisadores, que também avaliaram o desempenho de descendentes germânicos, italianos, sírio-libaneses e do leste-europeu, o levantamento ocorreu a partir da identificação da origem ancestral de 74.608 sobrenomes extraídos do Censo Escolar de 2013 e 2015. Em matemática, cerca de 2 milhões de provas foram avaliadas na pesquisa.
Segundo eles, os alunos avaliados são todos nascidos no Brasil, frequentaram as mesmas instituições de ensino, mas têm heranças culturais diferentes. O trabalho, porém, não leva em consideração fatores socioeconômicos, que podem variar de família para família.
“A maior preocupação que nossa análise precisa abordar é como separar os efeitos da cultura dos efeitos de fatores estritamente econômicos”, ponderam os pesquisadores.
Com base nos resultados encontrados, os economistas dizem que há um “prêmio de ascendência” no desempenho escolar. A partir do cruzamento de dados, eles concluíram que os estudantes de origem não ibérica, especialmente japoneses e italianos, absorvem a herança cultural e traduzem essa ancestralidade em bom desempenho escolar – o que seria, na visão dos autores, “uma transmissão vertical mais forte de preferências e crenças” dentro da família.
“Fornecemos provas de que estudantes que possuem sobrenomes europeus não-ibéricos [alemães, italianos, europeus orientais] ou ancestrais japoneses alcançam pontuações substancialmente mais altas no teste padronizado de matemática realizado nos 3.ª e 5.ª anos. À medida que os alunos passam do 3.º e 5.º, a diferença se torna mais ampla”, afirma a pesquisa.
Cidade nipônica
O Consulado Geral do Japão, que fica em São Paulo, afirma que o número estimado de cidadãos brasileiros com ascendência japonesa é de 1,5 milhão. Embora estejam espalhados por todo o país, a maior concentração de nikkeis, como também são conhecidos, fica nas regiões Sul e Sudeste. Só no estado paulista, há cerca de 400 mil japoneses. Até o ano passado, a cidade com maior concentração populacional dessa origem é Assaí, no Paraná, que tem 16 mil habitantes – 30% deles de origem japonesa. Alguns dados de desempenho escolar desse município mostram que a alta taxa de descendência japonesa pode, de fato, alavancar o resultado.
De acordo com os resultados da Prova Brasil de 2015, os alunos do 5.º ano do Ensino Fundamental (EF) de Assaí alcançaram uma pontuação de 223,75 em matemática. Um desempenho satisfatório, já que a média de municípios semelhantes é de 212,49. Para o 9.º ano do EF, o desempenho é ainda melhor: de 260,19 pontos, contra uma média de 246,32 das cidades que podem ser comparadas com a realidade local.
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A escola municipal com melhor desempenho na avaliação nacional realizada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira (Inep) é a Princesa Izabel. Também em matemática, ela obteve uma pontuação de 238,31. Desempenho bem acima das demais instituições similares, que tiveram uma média de 214,77 pontos.
Ainda conforme dados da Prova Brasil, o município conta com 52% dos alunos enquadrados nos níveis proficiente e avançado de aprendizado em matemática. No Brasil, a média é de 39%. No pior nível dessa escala, que seria o classificado como “insuficiente”, a cidade tem apenas 12% dos alunos, ante uma média brasileira de 21%.
Frente à baixa qualidade de ensino de matemática no país, Assaí pode ser considerada um oásis da disciplina. Para se ter uma ideia, no último Pisa, o desempenho médio dos jovens de 15 anos foi de 377 pontos – índice muito inferior à média dos países da OCDE, que foi de 490 pontos.
Os estudantes da rede estadual obtiveram uma média de 369 pontos, os da rede municipal, 311. O melhor desempenho foi dos estudantes da rede federal, cujo resultado foi de 488 pontos – número acima, inclusive, da pontuação alcançada por alunos de escolas particulares, que foi de 463. No geral, o Paraná apresentou melhor resultado, com 406 pontos, e Alagoas o pior, 339.
Explicação socioeconômica
Para Rodrigo Carvalho, professor e mestre em Educação pela Universidade de São Paulo (USP), as explicações da diferença de desempenho entre brasileiros e japoneses são, em grande parte, fruto das diferenças socioeconômicas.
Autor da dissertação “Um estudo comparativo sobre educação matemática entre Brasil e Japão”, o educador analisou, entre outros aspectos, as diferenças curriculares do ensino de matemática do 6.º ao 9.º ano nos dois países.
A conclusão de Carvalho foi de que há mais semelhanças do que distinções entre o que é ensinado na sala de aula de ambos. “É um conjunto de variáveis que define o desempenho dos alunos”, afirma o educador. Segundo ele, a diferença é que o currículo japonês é aprimorado constantemente, ao contrário do que ocorre no Brasil.
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Um dos fatores que atrapalha – muito – o desempenho do aluno brasileiro, conforme Carvalho, é o desamparo que os estudantes têm dentro de casa. Quando filhos de pais desempregados, por exemplo, os estudantes têm 40% de chance de ter um desempenho ruim na escola.
Mesmo nos casos de pais empregados, em geral, segundo o educador, os alunos acabam sofrendo com a ausência dos responsáveis, que ficam boa parte do dia longe de casa. “Nos últimos anos, com o crescente número de desempregados no país, isso pôde ser percebido nos resultados”, analisa.
Ainda segundo Carvalho, grande parte dos alunos brasileiros não conta com a ajuda dos pais na resolução de tarefas escolares. Esse desamparo familiar, muitas vezes alimentado pela ausência dos pais por conta do trabalho, faz com que os estudantes não encontrem incentivo por responsabilidade – ao contrário do que ocorre no Japão, onde os pais ensinam as operações matemáticas aos filhos desde os dois anos de idade.
Carvalho também menciona a falta de qualificação dos professores brasileiros como um dos vilões do ensino básico – um problema que é agravado por conta da liberação do Ministério da Educação para contratação de professores sem formação na rede pública. No Japão, para uma pessoa poder dar aula, é preciso realizar uma prova em que é conquistada uma espécie de licença para lecionar. No país asiático, mais de 99% dos docentes têm formação superior. No Brasil, esse percentual é de 87%.
O tempo de permanência na escola também pesa no aprendizado. No geral, os alunos no japoneses ficam no colégio em tempo semi-integral, das 8h30 às 15h30. “A carga horária escolar deles é maior, os alunos limpam a própria escola, criando um senso de responsabilidade e zelo pelo local, participam de atividades extracurriculares, clubes de matemática, clube de ciências”, compara.
Para Elza Yamamoto, gerente do setor de matemática do Kumon, o aluno brasileiro enfrenta dificuldades na escola no momento em que não consegue assimilar um conteúdo por ter defasagens anteriores. O problema se agrava com o passar do tempo, já que o professor não tem a condição de interromper o cronograma de aulas para atender, em especial, alguns casos. “Dentro da escola tradicional, o professor tem que trabalhar conforme a média da turma”, explica Elza.
Por meio de um método de origem japonesa, que trabalha inclusive com a autoestima do aluno, as escolas do Kumon tentam ajudar o estudante a criar uma maior afinidade com as contas aritméticas.
“O aluno vai fazer um teste de nivelamento e vai começar com contas simples, como soma e subtração. O intuito disso é que ele sinta uma autoestima, tenha sensação de conquistas, que ele consegue fazer, e isso vai despertando nele segurança”, conta a professora. Na matemática, segundo Elza, há um conexão lógica entre todos os assuntos. “O estudante precisa dominar as quatro operações básicas. Se isso não estiver consolidado, ele não vai conseguir avançar”, explica.
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