O ensino a distância e as circunstâncias da pandemia aumentaram ainda mais as desigualdades entre estudantes ricos e pobres. É o que mostra um estudo realizado por pesquisadores do Insper e que foi apresentado ao Conselho Nacional de Educação, em 26 de janeiro.
A pesquisa “Desigualdade educacional durante a pandemia”, publicada em dezembro de 2020 por Naercio Menezes Filho, Bruno Kawaoka Komatsu e Vitor Cavalcante, investigou a relação entre o fechamento das escolas e os diferentes impactos educacionais entre os estudantes brasileiros.
Dentre as principais conclusões, o estudo constatou que alunos de instituições privadas estão mais preparados para acessar materiais educativos durante o período de distanciamento social, já que as escolas particulares se adaptaram melhor ao ensino à distância em comparação com as gestões públicas, conseguindo oferecer atividades escolares para a maioria dos alunos dessas instituições. Além disso, o acesso à internet para esses estudantes é significativamente maior do que alunos mais pobres. De acordo com os pesquisadores, a desigualdade educacional entre alunos irá aumentar para todos os níveis de ensino (fundamental, médio e superior) em decorrência da crise de saúde.
A pesquisa também concluiu que a mobilidade social intergeracional (melhoria de condições socioeconômicas entre uma geração e outra) pode ser dificultada com o fechamento das escolas; que a desigualdade educacional entre as diferentes regiões do país devem aumentar, já que alguns estados tiveram limitações muito mais acentuadas na oferta do ensino remoto; e que as próprias deficiências dos sistemas de ensino públicos podem impulsionar a evasão escolar dos estudantes.
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Dificuldades no acesso à internet e problemas na entrega de atividades escolares
Para identificar quais grupos de alunos estão mais expostos aos efeitos negativos da pandemia, os pesquisadores utilizaram dados socioeconômicos da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) contínua, do IBGE, e da PNAD Covid-19 – pesquisa também do IBGE, lançada em 2020, que monitora mensalmente os potenciais impactos da crise de saúde na economia brasileira. Os principais fatores levados em conta para mensurar os desafios do ensino remoto foram o acesso à internet e o recebimento de atividades escolares por parte dos estudantes.
Para identificar se grupos de alunos com condições menos favoráveis para o ensino remoto coincidem com os grupos que possuem as menores notas em avaliações de desempenho acadêmico, o estudo utilizou as notas de 1,2 milhão estudantes do ensino fundamental na edição de 2017 da Prova Brasil (instrumento de avaliação educacional desenvolvida pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacional Anísio Teixeira - Inep) em associação aos dados socioeconômicos levantados previamente.
O gráfico acima mostra a diferença no acesso à internet e no recebimento de atividades escolares durante a pandemia entre alunos de escolas públicas e privadas, além do profundo contraste entre as notas de estudantes dos dois grupos na Prova Brasil de 2017. Os dados revelam que, de uma forma geral, estudantes com menor acesso à estrutura mínima necessária para o ensino remoto já possuíam menor desempenho acadêmico, o que indica o aprofundamento da desigualdade educacional a partir da crise de saúde.
Para chegar aos números, foram utilizadas as respostas (PNAD contínua) à pergunta “Algum morador tem acesso à internet no domicílio por meio de microcomputador, tablet, telefone móvel celular, televisão, ou outro equipamento?”. Foram registradas respostas de cerca de 80 mil famílias de estudantes a esse questionamento.
Para a coleta das informações sobre a entrega das atividades escolares por parte das instituições de ensino, foi utilizada a base de dados PNAD Covid-19 de agosto de 2020. “A combinação das bases de dados nos permitiu coletar dados referentes a cerca de 50 mil estudantes, com idades que variam de 6 a 29 anos, de todas as unidades federativas do país, de instituições públicas e privadas”, citam os pesquisadores.
Baixa educação dos pais é obstáculo para desempenho de estudantes no ensino remoto
O estudo relata que a dificuldade em obter bom desempenho no ensino remoto é aprofundada quando a família dos estudantes possui baixos níveis de educação formal. Para ilustrar essa realidade, os pesquisadores citam o exemplo da Bélgica e da Holanda – países em que o acesso às tecnologias de ensino, como a internet, é bastante difundido e que tiveram um período de isolamento obrigatório mais reduzido. Segundo os pesquisadores, as perdas educacionais constatadas nesses países foram maiores para estudantes cujos pais possuíam menores níveis educacionais.
No Brasil a lógica é a mesma, porém com um cenário socioeconômico menos favorável:
Quanto mais baixa é a escolaridade da mãe (fator utilizado na pesquisa), menor é o tempo que os alunos se dedicaram aos estudos durante a pandemia dentro do período analisado. O número de alunos cujas mães não têm instrução formal que estudaram menos de uma hora por dia é quatro vezes maior do que estudantes cujas mães possuem pós-graduação. Por outro lado, o número de alunos filhos de mães que possuem ensino superior que estudaram mais de cinco horas por dia é duas vezes maior do que estudantes cujas mães não possuem instrução – quando as mães possuem pós-graduação, esse número passa a ser quase três vezes maior.
A pesquisa aponta, ainda, que estudantes cuja mãe não possui instrução afirmaram não terem feito as atividades recebidas das escolas em volume quatro vezes maior do que alunos cuja mãe possui pós-graduação.
Aproximadamente dois terços dos pais de alunos pobres do ensino fundamental e médio do ensino público não possuem o ensino médio completo, o que representa uma dificuldade maior para os estudantes quanto a ter apoio para sanar dúvidas durante os estudos, por exemplo.
O gráfico acima ilustra como a distância educacional entre filhos de pais com maiores níveis educacionais comparados com filhos de pais com menor instrução deve aumentar a partir do fechamento das escolas. Vale destacar que os grupos que, além de terem pais com menor instrução, também apresentam maiores limitações quanto ao acesso à internet e ao recebimento de atividades escolares já possuíam notas menores na avaliação acadêmica em Língua Portuguesa e Matemática. De acordo com os pesquisadores, esse resultado sugere que a mobilidade social intergeracional também pode ser prejudicada com o fechamento das escolas.
Desigualdade educacional regional deve aumentar, apontam pesquisadores
A desigualdade educacional entre estudantes de diferentes estados também deve aumentar com o fechamento das escolas, de acordo com os autores da pesquisa, em decorrência das diferenças no acesso à internet e no recebimento de atividades escolares entre os estados brasileiros. Além disso, alunos de estados que já possuem melhores notas nos testes de desempenho acadêmico apresentaram maior acesso aos materiais educacionais e à internet em comparação com alunos de estados já tinham piores desempenhos na Prova Brasil.
“(...) estudantes do ensino fundamental residentes no estado do Maranhão possuem uma das menores probabilidades previstas de receber atividades escolares e a menor probabilidade prevista de acesso à internet. Ao mesmo tempo, alunos deste estado são os que possuem o pior desempenho nos testes padronizados. Outros exemplos de estados que devem ter uma pior a adaptação ao ensino a distância e que possuem alunos com notas relativamente baixas na Prova Brasil são: Amapá, Bahia, Sergipe, Alagoas e Pará”.
Como exemplo de estados que apresentam melhor preparação para o ensino à distância em termos de estrutura para os alunos, os autores citam Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Paraná e Minas Gerais.
Destaca-se, entretanto, o fator “gestão das redes escolares”, sobretudo no ensino público, entre os estados. O Pará foi o estado que apresentou menor nível de entrega de atividades escolares, mas possui índices socioeconômicos (PIB e IDH, por exemplo) e de acesso à internet mais favoráveis do que outros estados, como Maranhão, Piauí e Alagoas, que apresentarem indicadores muito mais efetivos de entrega das atividades.
“A gestão escolar realmente deixa a desejar em grande parte dos municípios. Em vários deles, mesmo os alunos tendo internet eles não tiveram acesso às atividades. Faltou organização. É preciso ter pessoas responsáveis por tarefas específicas, acesso à base de dados, saber organizar os dados dos alunos e das famílias, desenhar políticas para chegar nas famílias mais pobres, ter metas para cada pessoa das secretarias de educação e ter cobrança para que as atividades sejam realizadas”, afirma Naercio Menezes Filho, professor titular de Economia do Insper, um dos autores do estudo. “A organização das redes acaba se refletindo também nas notas dos alunos e na parcela dos alunos que realizam as atividades escolares”, aponta.
Evasão escolar pode ser impulsionada por deficiências nas redes de ensino
O abandono dos estudos por parte dos alunos – sobretudo daqueles que se encontram no ensino médio – é uma realidade mais acentuada desde o fechamento das escolas, como já mostrado pela Gazeta do Povo. Os pesquisadores constataram que a partir dos 15 anos há uma queda no recebimento de atividades escolares durante a pandemia e que quanto mais velho for o aluno, menor é o fluxo de envio das atividades. O não envio dessas atividades pode aumentar a desmotivação e impulsionar a evasão. Além disso, para muitos desses alunos há a necessidade de trabalhar para contribuir com a renda da família diante dos desafios socioeconômicos decorrentes da pandemia, o que pode contribuir ainda mais para que esses estudantes optem pela evasão escolar.
“(...) os resultados sugerem que quanto mais velho é o estudante, menor é a probabilidade de ele ter reportado o recebimento de atividades escolares. A consequência desse resultado aponta para um possível aumento de evasão escolar de estudantes mais velhos cursando o ensino fundamental. Além de já estarem 'atrasados' no ensino, são os que mais podem ser atraídos pelo mercado de trabalho. Com o fechamento das escolas e a ausência de atividades escolares para serem realizadas no domicílio a motivação desses estudantes pode exaurir à medida que o custo de oportunidade de continuar estudando ao invés de trabalhar aumenta”.
Retorno às aulas presenciais
De acordo com o Naercio Menezes Filho, o ensino remoto cumpriu parte do papel na educação brasileira alcançando grande parte dos alunos. O pesquisador diz, no entanto, que para os próximos meses será preciso combinar o ensino a distância com atividades presenciais, especialmente para alunos que não têm internet em casa e que não têm recebido regularmente as atividades escolares.
“Nas regiões com grande número de casos de Covid e em que grande parte dos alunos têm acesso à internet e receberam atividades é possível manter o ensino a distância por um pouco mais de tempo até que os casos de Covid diminuam. Mas nas cidades em que os casos não estão crescendo muito e que grande parte dos alunos está sem atividades tem que priorizar a volta às aulas presenciais”, declara o professor, ressaltando a importância de os professores terem prioridade na vacinação para poderem voltar a dar aulas.
“Tem que fazer de tudo para voltar às aulas presenciais porque muitas crianças estão sofrendo não só pela falta de aprendizado, mas também por problemas de saúde mental, como depressão e ansiedade. É claro que nos municípios em que o número de casos está crescendo aceleradamente talvez ainda tenha que esperar um pouco mais”, afirma o pesquisador.